Portugal não só registou uma contração maior que os seus pares europeus como é um dos três países com maior queda da produção industrial entre 2019 e 2024. Pior só o Luxemburgo e a Alemanha.
A indústria europeia está a enfrentar um período de enorme contração, com Portugal a destacar-se entre os países mais afetados. Só nos últimos cinco anos, a produção industrial em Portugal registou uma contração anual de 1,4%, face a uma queda anual de 0,5% da Zona Euro e de uma estagnação da União Europeia.
Portugal não só registou uma contração maior que os seus pares europeus como é um dos três países com maior queda da produção industrial entre 2019 e 2024, segundo cálculos do ECO com base em dados do gabinete de estatísticas da União Europeia (Eurostat). Pior que a economia nacional só o Luxemburgo e a Alemanha que, nos últimos cinco anos, tiveram uma contração anualizada da sua produção industrial de 2,7% e 2,5%, respetivamente. Mas as más notícias não se ficam por aqui.
Portugal e a Alemanha, o motor da economia europeia, registaram uma contração anualizada da produção industrial de 1% e 0,3%, respetivamente, nos últimos dez anos. No caso português, os números mostram que, na melhor das hipóteses, a produção industrial perdeu dez anos. Porém, a realidade é bem mais nebulosa.
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Os dados do Eurostat revelam que a produção industrial de Portugal está em contração desde, pelo menos, o início do milénio, com o índice de produção industrial a registar uma contração anualizada de 0,9% desde 2000. Ao longo destes 24 anos, o país registou uma contração anual da produção industrial em 11 deles, com destaque para a queda de 13,33% em 2009 após três anos seguidos no vermelho, numa contração acumulada de quase 10% até então.
“O fenómeno em Portugal teve durante muitos anos uma tendência mais acentuada do que o resto da União Europeia pela perda mais acentuada de competitividade no espaço europeu, com a entrada dos países do bloco de leste na União e com a entrada da China na organização mundial de comércio”, refere Pedro Brinca, professor da Nova Sbe.
O quadro da indústria portuguesa, que contribui com cerca de 20% para o PIB e emprega mais de 600 mil pessoas, não deixa muita margem para otimismos. Os números de dezembro, publicados na quinta-feira pelo gabinete de estatísticas da União Europeia, mostram isso mesmo: não só a produção industrial registou uma contração homóloga de 5,6% em dezembro, mais do dobro da queda de 2% da média dos países da Zona Euro, como foi a maior contração homóloga de Portugal desde setembro de 2023 e a quarta maior entre os Estados-membros.
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Raízes da perda de competitividade da indústria europeia
Esta tendência de declínio da indústria em Portugal e na Europa tem múltiplas causas, algumas das quais são estruturais e profundamente enraizadas na economia europeia. O relatório Draghi, elaborado pelo ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE) Mario Draghi, aponta para um ciclo vicioso de “baixo dinamismo industrial, baixa inovação, baixo investimento e baixo crescimento da produtividade” em toda a União Europeia ao longo dos últimos anos.
Nos últimos 20 anos, por exemplo, Pedro Brinca refere que o crescimento anémico de 0,5 pontos percentuais ao ano da produção industrial na União Europeia comparado com o cerca de 1,5 pontos percentuais de crescimento do PIB mostra que “o espaço económico europeu tornou-se menos competitivo para a produção industrial quando comparado com o setor dos serviços” e que “boa parte disto reflete um facto estilizado das economias, que à medida que se desenvolvem começam a ter um setor de serviços com maior preponderância no PIB.”
A somar a essa tendência há que contabilizar as “ameaças externas” por via mudanças no cenário global, com particular foco para o avanço da China como potência científica e tecnológica, que atualmente está a produzir internamente produtos de alto valor que antes importava da União Europeia. Esta situação não só reduz a importância relativa da indústria europeia no crescimento económico, mas também pode levar a uma diminuição real da produção industrial na região.
Essa realidade é particularmente visível na indústria automóvel, com as marcas chinesas a ganharem terreno a uma velocidade vertiginosa no mercado europeu, especialmente no segmento dos veículos elétricos, condicionando fortemente a histórica indústria automóvel europeia. Segundo dados da Associação dos Construtores Europeus de Automóveis (ACEA), entre 2020 e 2023, a quota de mercado dos automóveis fabricados na China nas vendas de veículos elétricos a bateria na União Europeia aumentou de 3% para mais de 20%.
A produção industrial, em particular a intensiva em energia, está em profunda agonia, com preços de eletricidade e gás natural superiores em uma vez e meia e três vezes e meia respetivamente face aos EUA, levando a quebras acentuadas.
Esta “invasão chinesa” está a forçar os fabricantes europeus a repensar as suas estratégias. Marcas como a Volkswagen, BMW e Mercedes-Benz estão a sentir a pressão, com algumas a considerar o encerramento de fábricas e cortes salariais.
Esta realidade não se resume à indústria automóvel. Espalha-se por outros setores como, por exemplo, a tecnologia e a inteligência artificial, em que a Europa continua a marcar passo quando comparado com o que os EUA e a China têm também feito nesta matéria.
Igualmente relevante para a perda de competitividade da Europa no quadro industrial está também um ambiente de alguma inércia e falta de inovação, como sublinha Draghi no relatório apresentado em setembro. O ex-líder do BCE destaca, por exemplo, que a Europa tem enfrentado dificuldades em transformar a sua excelência em investigação e desenvolvimento em produtos comercializáveis, dando como exemplo as startups europeias lutam para escalar num mercado único fragmentado, com regulamentação complexa e financiamento inadequado.
“Tem que haver trabalho de equipa a nível nacional e europeu”, eliminando alguns atrasos a nível legislativo, destacou Jorge Mendonça e Costa, diretor executivo da Associação Portuguesa dos Industriais Grandes Consumidores de Energia Elétrica, numa conferência do ECO realizada a 30 de janeiro. “Qualquer dia fechamos. Não é bom para ninguém”, vaticinou.
Embora a tendência de longo prazo seja negativa, os últimos anos parecem evidenciar uma melhoria (…) em linha com a boa performance agregada da economia.
Outro elemento de bloqueio à produção industrial europeia tem sido a política de transição para uma economia mais verde que, embora necessária, tem criado desafios adicionais para a indústria europeia. O relatório Draghi sublinha a necessidade de equilibrar a agenda de descarbonização com a competitividade da indústria europeia, dado que as empresas europeias enfrentam custos energéticos elevados e regulamentações ambientais rigorosas, o que pode comprometer a sua competitividade global.
“A produção industrial, em particular a intensiva em energia, está em profunda agonia, com preços de eletricidade e gás natural superiores em uma vez e meia e três vezes e meia respetivamente face aos EUA, levando a quebras acentuadas”, destaca Pedro Brinca, notando ainda que “em alguns setores a autonomia estratégica e de segurança da União Europeia está posta em causa, com a China, por exemplo, a ser responsável pela produção de 96% dos 92% de painéis solares do espaço europeu que são importados.”
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Para Portugal, os dados são no mínimo desafiantes, com a indústria nacional numa posição particularmente vulnerável neste cenário de declínio industrial. A queda anual de 1,4% da produção industrial nos últimos cinco anos e a contração anualizada de 1% na última década são sintomáticas de problemas estruturais na indústria portuguesa.
No entanto, os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) trazem uma luz de esperança. Em 2024, o índice de produção industrial em Portugal aumentou 0,2%, revertendo a tendência de queda de 3,1% observada em 2023. O setor da energia foi o grande impulsionador deste crescimento, com uma variação média anual de 5,4%.
“Embora a tendência de longo prazo seja negativa, os últimos anos parecem evidenciar uma melhoria”, destaca o economista António Nogueira Leite. “No último ano o país foi mesmo dos que registaram melhor evolução, em linha com a boa performance agregada da economia”, refere o ex-secretário de Estado das Finanças, sublinhando ainda a importância de esses números mostrarem “que apesar do peso crescente na economia, o setor secundário teve um contributo importante, assente na diversificação dos mercados exportadores e os relativamente bons preços de energia no contexto europeu.”
Porém, apesar desta ligeira recuperação, os desafios permanecem para a indústria. O agrupamento de “bens intermédios” apresentou uma variação negativa de 2,3% em 2024, embora esta represente uma melhoria relativamente à queda de 6,1% registada em 2023, e as indústrias transformadoras conseguiram estabilizar, apresentando uma variação nula após uma redução de 3,6% no ano anterior, desta o INE num relatório publicado a 31 de janeiro. “É altura de pensarmos como vamos buscar novas ‘Autoeuropas'”, apelou Emanuel Proença, CEO da Savannah Resources, na mesma conferência do ECO.
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Produção industrial contrai há cinco anos na Europa e Portugal é dos mais afetados
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