Os PPR continuam a ser a escolha de muitos para a reforma, mas a maioria destes produtos não consegue sequer supera a taxa de inflação, e muitos pagam bem mais aos gestores do que aos investidores.
Com quase 19 mil milhões de euros sob gestão e mais de 2 milhões de subscritores, os Planos Poupança-Reforma (PPR) continuam a ser um dos produtos financeiros mais populares entre os portugueses para construir um complemento de reforma. Contudo, a esmagadora maioria destes produtos falha sistematicamente no seu objetivo fundamental de preservar e fazer crescer o poder de compra dos investidores.
Em 2024, mesmo num ano considerado atípico e favorável aos mercados financeiros, apenas 39% dos PPR atualmente conseguiu superar a inflação, que se fixou nos 3,01%. Mais alarmante ainda: quando se alarga a análise aos últimos cinco anos, esta percentagem cai para uns escassos 13%, e no último triénio apenas 1,4% dos PPR foi capaz de pelo menos garantir o poder de compra dos seus subscritores.
O montante de poupanças aplicado em PPR aumentou 7,1% no ano passado. Depois de dois anos seguidos em queda, com 2023 a ficar inclusive na história como o ano em que se registou o menor volume total de prémios e contribuições em PPR da última década, a indústria voltou a recuperar folgo no ano passado, alcançando quase o mesmo nível de ativos sob gestão que apresentava em 2022.
A oferta de PPR também aumentou consideravelmente nos últimos anos: se em 2021 existiam cerca de 770 PPR disponíveis no mercado, atualmente existem 1.018 PPR, segundo dados recolhidos pelo ECO junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). E a esmagadora maioria (cerca de 86%) destes produtos são comercializados PPR sob a forma de seguros, enquanto apenas 6% correspondem a fundos de pensões e 24% a fundos de investimento.
Esta distribuição reflete a predominância do modelo “bancassurance” na comercialização destes produtos por parte dos bancos tradicionais, aproveitando a sua proximidade com os clientes para escoar produtos das seguradoras do grupo ou suas parceiras.
Particularmente relevante é também o facto de a grande maioria dos PPR se encontrar fora de comercialização, ou seja, já não permitem novas subscrições. Na realidade, apenas dois em cada dez PPR (cerca de 20%) estão atualmente disponíveis para novos investidores, o que reduz a oferta efetiva a 207 produtos — que se reflete numa distribuição por tipo de PPR mais equilibrada: 30% são fundos de pensões, 32% são seguros e 38% são fundos de investimento.
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Muita oferta e poucos resultados
A popularidade dos PPR não é um fenómeno recente. Criados em 1989 pelo primeiro Governo de Aníbal Cavaco Silva, estes produtos rapidamente ganharam tração junto dos investidores portugueses. O objetivo inicial era claro: “incentivar a poupança de longo prazo e criar esquemas complementares ao sistema geral de Segurança Social”, lê-se o diploma que levou à constituição dos PPR.
Nos últimos 10 anos terminados em 2023, os portugueses investiram, em média, mais de 2,7 mil milhões de euros por ano em PPR, demonstrando a confiança sustentada que têm nestes instrumentos financeiros. Porém, os números que espelham o desempenho dos PPR estão longe de serem os mais animadores para qualquer investidor que procure construir um complemento de reforma recorrendo a estes produtos.
Em 2024, que foi um ano “extraordinário” para os PPR, somente 39% dos mais de mil PPR que existem no mercado conseguiu apresentar ganhos acima da inflação, que fixou-se nos 3,01%, segundo a evolução do Índice de Preços no Consumidor (IPC), revelado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Significa que, no ano passado, só dois em cada cinco PPR foi capaz de oferecer ganhos reais aos seus subscritores. Mas estas não são os números mais sombrios, porque este resultado torna-se ainda mais dececionante quando se alarga o horizonte temporal de análise.
Além do parco desempenho, a indústria de PPR caracteriza-se por apresentar uma estrutura de custos que frequentemente supera os próprios retornos gerados para os investidores.
Nos últimos cinco anos, por exemplo, e considerando apenas os PPR atualmente em comercialização, apenas 15% dos produtos foi capaz de superar a inflação, que situou-se nos 3,26% por ano neste período. A mesma “taxa de sucesso” obtém-se quando se analisa os últimos dez anos, com os PPR atualmente disponíveis para subscrição (quer seja sob a forma de seguros, fundos de pensões ou fundos de investimento) a registarem uma rendibilidade anualizada de somente 1,03% na última década, contra uma taxa de inflação média de 2%.
Mais grave ainda é a fotografia do mercado a três anos, com somente 3,7% dos PPR disponíveis para subscrição a revelar-se capaz de pelo menos garantir o poder de compra dos seus subscritores entre 2021 e 2024, uma percentagem que beira o residual e que questiona a própria razão de ser destes produtos como instrumentos de poupança de longo prazo.
Esta incapacidade sistemática de gerar retornos reais positivos não é exclusiva dos anos mais recentes. Entre 1990 e 2009, a primeira década de vida dos PPR, a rendibilidade média real dos 613 PPR ativos foi de apenas 1,54% por ano, segundo contas de Joaquim Madrinha e David Almas no livro “Como Salvar a Minha Reforma“. Nesse mesmo período, os Certificados de Aforro, um produto de risco virtualmente nulo garantido pelo Estado, ofereceram uma rendibilidade real de 1,82%. Mais recentemente, um estudo da Casa de Investimentos baseado em 2.683 transferências de PPR recebidas entre janeiro de 2021 e setembro de 2024 revela que cerca de um em cada três PPR perdeu dinheiro num horizonte de até 20 anos.
O parco desempenho dos PPR é particularmente notório nos produtos considerados “menos arriscados”. Nos últimos cinco anos, os PPR em comercialização com capital garantido e todos os PPR com nível de risco até 3 apresentaram uma rendibilidade anualizada de apenas 0,44%, ficando largamente atrás da taxa de inflação média de 3,26% registada neste período. Esta performance sugere que os investidores mais conservadores, precisamente aqueles que procuram segurança na poupança para a reforma, são os mais penalizados.
Em contraste, os PPR classificados como “mais arriscados”, pertencentes às classes de risco 5 e 6, e por isso maioritariamente expostos ao mercado acionista, conseguiram alcançar rendibilidades médias de 4,72% por ano, traduzindo-se num ganho real de 1,5% anualmente. Estes dados evidenciam uma correlação clara entre o nível de risco assumido e a capacidade de geração de retornos reais, sugerindo que a aversão ao risco está a custar caro aos investidores nacionais.
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Pesada estrutura de custos não ajuda
Além do baixo desempenho alcançado pela generalidade dos PPR ao longo dos últimos anos, a generalidade da oferta destes produtos caracteriza-se por apresentar uma estrutura de custos que frequentemente supera os próprios retornos gerados para os investidores. Os casos mais extremos desta realidade encontram-se nos PPR sob a forma de seguros com garantia de capital.
O Capital Diferido CB BA PPR e o Misto BA PPR, ambos geridos pela España e atualmente em comercialização, chegam a cobrar comissões de subscrição mínimas de 7% e 10%, respetivamente, podendo as comissões de resgate atingir os 25% e 30%. Estas taxas esbatem numa taxa de rendibilidade mínima garantida de somente 1,25%, mas o Misto BA PPR revelou uma rendibilidade anualizada de apenas 0,3% nos últimos dez anos, apresentando simultaneamente uma taxa de encargos correntes de 3,79%.
Outro exemplo paradigmático da desproporção entre custos e benefícios é o PPR SGF Doutor Finanças, um fundo de pensões de 4,5 milhões de euros gerido pela Golden SGF, que apresentou em 2024 uma taxa de encargos globais de 5,38%, a mais elevada entre a oferta de mais de mil PPR disponíveis do mercado, apesar de ter uma carteira exclusivamente constituída por cinco fundos cotados (ETF) com taxas de encargos inferiores a 0,15%. A sustentar esta carga de custos está uma comissão de gestão de desempenho de 10% sobre os ganhos gerados — que em 2024 se traduziu numa rendibilidade anualizada de quase 18% que o tornaram no PPR mais rentável da classe de risco 4. Além disso, este PPR apresenta ainda uma comissão máxima de subscrição de 0,75% e de resgate de 1%.
Estes exemplos estão longe de serem casos isolados. Nos últimos três anos, por exemplo, os 90 PPR em comercialização das classes de risco 3 e 4 (que agregam dois terços dos PPR com pelo menos três anos de existência) apresentaram uma rendibilidade anualizada mediana de apenas 0,15%, enquanto a taxa de encargos correntes foi de 1,5%. Esta situação revela uma indústria onde as sociedades gestoras ganham mais do que aquilo que entregam aos investidores.
E nem mesmo os produtos mais antigos e maiores revelam-se capazes de se destacar da manada. É o caso do PPR 5 Estrelas, da Futuro-SGFP, o mais antigo PPR em comercialização, constituído a 4 de dezembro de 1989. Nos últimos cinco anos, este PPR sob a forma de fundo de pensões apresentou uma rendibilidade anualizada de 0,66% face a uma taxa de inflação média de 3,26%, e na última década ganhou apenas 1,17% por ano, ficando também abaixo da taxa de inflação média anual de 2% neste período e abaixo da atual taxa de encargos correntes de 1,51%.
O tamanho também não é uma referência. O PPR de capital garantido Leve Uni, gerido pela Fidelidade, lançado a 9 de abril de 2007 e que já não se encontra em comercialização, tem atualmente um património de quase 1,5 mil milhões de euros que o tornam no maior PPR do mercado, e tanto no último quinquénio como na última década apresentou rendibilidade médias anuais abaixo de 1%, ficando assim sempre abaixo da taxa de inflação.

Encontrar uma agulha no palheiro
Apesar de muitos dos PPR pagarem melhor aos seus gestores do que aos seus subscritores, e a grande maioria dos produtos ser incapaz de bater a inflação — tornando-se numa solução pouco viável para a construção de um complemento de reforma –, há algumas (poucas) boas exceções na indústria dos PPR.
Em comum, estes PPR partilham a ideia de terem uma carteira mais exposta a ações do que os seus pares e uma sustentabilidade do seu desempenho ao longo do tempo. É o caso do Save & Grow PPR, gerido por Emília Vieira da Casa de Investimentos. Com um portefólio constituído por três dezenas de grandes empresas mundiais, este fundo foi não apenas o PPR mais rentável de 2024 com ganhos de 23,4%, como também foi o PPR mais rentável dos últimos três anos, registando uma rendibilidade anualizada de 10,07% na classe founders. Simultaneamente, apresenta uma taxa de encargos globais inferior a 1,5%, quase um terço abaixo da média dos PPR de nível de risco 6 em que se inclui.
No mesmo segmento de risco destaca-se também o BPI Reforma Global Equities PPR, gerido pela BPI Gestão de Ativos. Atualmente com cerca de 28 milhões de euros sob gestão aplicado também em cerca de cinco dezenas de empresas (em que sobressai atualmente uma posição de 2,88% da carteira na Copart, líder mundial de leilões de automóveis acidentados), este PPR contabiliza uma rendibilidade anualizada de 7,75% nos últimos cinco anos, posicionando-se como o PPR em comercialização mais rentável no período entre 2019 e 2024.
Na categoria de risco intermédio (classe 4), dois fundos de investimento destacam-se: o Alves Ribeiro PPR (também conhecido por Invest AR PPR) e o Optimize PPR/OICVM Ativo. O Invest AR PPR, gerido por Paulo Monteiro desde a sua fundação em novembro de 2001, acumula uma rendibilidade anualizada de 6,1% desde o início e 5,38% nos últimos dez anos até 2024, que confere-lhe o estatuto de PPR em comercialização mais rentável da última década, investindo até 40% da carteira em ações.
Os investidores não estão condenados à inércia. Se está descontente com o desempenho do seu PPR pode transferir o capital investido para a reforma para outro PPR de forma totalmente gratuita e sem perder os benefícios fiscais acumulados.
O Optimize PPR/OICVM Ativo, gerido por Pedro Lino e Carlos Pinto, segue uma estratégia centrada numa alocação máxima de 55% em ações e uma exposição mínimo de 25% a obrigações. Apesar de não ter sido o PPR de risco 4 mais rentável de 2024, tem demonstrado uma consistência ao longo dos anos, sendo o PPR da sua categoria em comercialização mais rentável nos últimos cinco anos e o segundo melhor na última década.
No segmento mais conservador (classe de risco 3), o Sixty Degrees PPR/OICVM Flexível, gerido por Virgílio Garcia, tem cnseguido a proeza de alcançar uma rendibilidade anualizada de 3,4% nos últimos cinco anos, cerca de dez vezes acima do desempenho médio dos seus pares, sem que isso se tenha traduzido num incremento da volatilidade do fundo. Com 24% da carteira exposta em ações e 60% a obrigações, este fundo demonstra que é possível gerar valor mesmo em estratégias mais conservadoras.
Destaque também para os fundos de pensões BBVA Estratégia Investimento PPR e M3 Investimento PPR, ambos geridos pela BBVA Fundos e pertencentes à classe de risco 5, por se destacarem nos últimos três e cinco anos com desempenhos bem acima dos seus pares. No último quinquénio, por exemplo, o M3 Investimento PPR alcançou uma rendibilidade anualizada de 6,6% enquanto o BBVA Estratégia Investimento PPR valorizou quase 5% por ano, figurando no top 6 dos PPR mais rentáveis a três e cinco anos que se encontrem em comercialização.
Contudo, que estes dois produtos têm estruturas de custos específicas que podem impactar o investimento, com o facto de o BBVA Estratégia Investimento PPR poder cobrar comissões máximas de 2% na subscrição e no resgate, e o M3 Investimento PPR estar associado ao serviço personalizado “Carteiras BBVA Multi3estratégia”, que exige um montante mínimo inicial de investimento de 30 mil euros e uma comissão de prestação do serviço de 0,65% ou 0,75% por ano, num valor mínimo de 90 euros.
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A radiografia aos mais de mil PPR mostra que apesar da popularidade destes produtos entre os investidores, e do elevado volume de ativos sob gestão equivalente a quase 7% do PIB, a esmagadora maioria dos PPR falha em cumprir o propósito para o qual foram criados — preservar e aumentar o poder de compra dos investidores ao longo do tempo.
Com rendibilidades que, na maior parte dos casos, não conseguem sequer acompanhar a inflação, e estruturas de custos que frequentemente beneficiam mais as entidades gestoras do que os próprios subscritores, o cenário é tudo menos animador para quem procura garantir um complemento de reforma sólido e sustentável por via destes instrumentos financeiros.
No entanto, é importante sublinhar que os investidores não estão condenados à inércia. Se está descontente com o desempenho do seu PPR pode transferir o capital investido para a reforma para outro PPR de forma totalmente gratuita — exceto nos PPR com capital garantido, onde a comissão de transferência pode ser de até 0,5% — e sem perder os benefícios fiscais acumulados ao longo dos anos. Ou seja, a mobilidade existe e pode ser uma poderosa ferramenta para quem não se resigna a ver o seu dinheiro a perder valor ano após ano.
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São mais de 1.000 os PPR no mercado e quase todos são incapazes de bater a inflação
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