A alternativa é o liberalismo

A campanha às primárias do PSD tem sido um desastre. Nenhum dos candidatos tem convencido porque nenhum deles teve ainda a ousadia de se posicionar sem equívocos no plano das ideias.

Daqui a dias o PSD elegerá novo presidente. Tratando-se do grupo parlamentar mais numeroso da actual legislatura (89 deputados do PSD contra 86 do PS), o novo líder do PSD tenderá a ser candidato a primeiro-ministro de um futuro governo. Resta saber com que ideias e com que programa. Neste aspecto, a campanha às primárias do PSD tem sido pouco menos do que um desastre. Nenhum dos candidatos tem convencido porque nenhum deles teve ainda a ousadia de se posicionar sem equívocos no plano das ideias.

Não é fácil a vida dos candidatos e a este respeito é sempre de recordar que a matriz identitária do PSD (Partido Social Democrata) é, como o nome indica, de centro-esquerda ou, quanto muito, no plano inclinado da política portuguesa, um socialismo de centro. Mas um partido de direita não é decididamente. E não é porque ser de direita continua a ser um anátema em Portugal. Não funciona por estas bandas. Além disso, o ser de esquerda ou de direita é um debate de certo modo ultrapassado. Por isso, a oposição tem de ser outra.

Em Portugal, possuímos uma longa tradição de centralismo e estatismo. Ademais, o nosso legado cultural e religioso também favorece certos valores que a generalidade das pessoas tende a associar ao socialismo. O socialismo é assim visto na sociedade como historicamente normal e moralmente bom. Ele é inculcado desde tenra idade.

Ao invés, o capitalismo continua a ser-nos estranho e encaramo-lo como moralmente mau. É um preconceito que resulta também da crítica à teoria da mão invisível de Adam Smith, segundo a qual são as motivações egoístas e individuais do homem que o movem na prossecução do bem-estar alheio. Como se isso, na nossa matriz cultural e identitária, fosse possível! Mas, na verdade, não obstante as desigualdades que cria, é o capitalismo que em média tem contribuído para aumentar a riqueza das nações, tornando-as mais livres.

Pelo contrário, o socialismo, tendo falhado como filosofia económica, tem contribuído sobretudo para as fazer pobres, tornando-as também mais servis. Que o socialismo se apresente como o campeão da virtude é um embuste apenas justificado pela fé, mas não pela razão.

Na minha opinião, mais do que esquerda ou direita, o verdadeiro debate a fazer em Portugal consiste em opor à burocratização da sociedade a ideia da liberdade de escolha. Porque, como dizia Oskar Lange – ele próprio socialista –, o principal perigo do socialismo reside na burocratização da vida económica, que, acrescento eu, é a negação da livre iniciativa. Este ideal de liberdade económica assentaria assim em cinco princípios definidores.

  1. Primeiro, no princípio da concorrência privada como defesa fundamental do consumidor, do trabalhador e também do produtor.
  2. Segundo, no direito à propriedade privada como esteio fundamental de um Estado de direito.
  3. Terceiro, na lei como delimitação do poder coercivo do Estado.
  4. Quarto, no Estado cumpridor da lei e garante da confiança institucional no País.
  5. Quinto, no Estado enquanto legítimo agregador de recursos dos eleitores, um Estado financiador, mas tendencialmente não prestador. A partir de princípios como estes, estou certo, construir-se-ia uma sociedade mais livre, mais rica e também mais justa.

O problema é que quem segue o debate político em Portugal vai sentindo os riscos de uma progressiva burocratização da vida económica. Ainda que grande parte da propaganda constitua apenas retórica política – basta recordar que as metas do défice têm vindo a ser alcançadas devido à redução da despesa pública (e do aumento dos impostos) – a mensagem do “virar a página da austeridade” traz sempre à colação a nuance de um maior gasto público e, naturalmente, de uma maior intervenção do Estado. Porém, está por explicar, porque inexistente, a correlação entre mais Estado e maior crescimento.

Os números falsificam tal asserção. É ver que o crescimento de 2017, o maior dos últimos anos, coexistiu com o menor défice e com uma despesa pública decrescente. É certo que também coincidiu com uma conjuntura externa extraordinariamente favorável. Mas não faltam, por esse mundo fora, países com despesas públicas inferiores à nossa e que nos últimos anos cresceram em média mais do que nós (Holanda, Alemanha, Eslováquia, Espanha, Luxemburgo, Polónia, Islândia, Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia, República Checa, Estónia, Israel, Estados Unidos, entre tantos outros).

Nas últimas décadas, o Estado português tem-nos falhado sucessivamente. Prova disso é a dívida pública portuguesa, a quarta maior do mundo, e várias bancarrotas pelo meio. Paradoxalmente, como afirmava Milton Friedman, quando o Estado falha não se encerram serviços públicos (como tende a suceder nas entidades privadas que vão à falência). Pelo contrário, quando o Estado falha ele pede, na pessoa do burocrata, mais dinheiro. E não é pouco.

Atente-se no caso português. O Orçamento do Estado para 2018 (OE2018) prevê uma despesa total efectiva de 89 mil milhões de euros – cerca de 9 mil euros per capita. Nas funções clássicas de soberania (representação externa, defesa, segurança interna e justiça) o OE2018 prevê uma despesa de 6 mil milhões (apenas 7% do total). E às funções sociais (educação e ensino superior, saúde e segurança social) o OE2018 consigna aproximadamente 38 mil milhões de euros (43% do total). Em conjunto, entre funções clássicas (aquelas que nem o mais empedernido dos liberais rejeita) e funções sociais (nas quais a acção do Estado, designadamente o financiamento público, se pode justificar) encontramos somente 50% do OE2018. E o resto? – perguntam os leitores. O “resto” é uma boa pergunta!…

Quando falamos das insuficiências da educação ou da saúde providenciados pelo Estado, a alternativa não pode ser mais prestação pública; a alternativa deve ser a prestação privada dos mesmos. Porque é a concorrência dos privados que vai estimular o público a ser melhor, ou a tornar-se redundante, e que a prazo estimulará também uma maior eficiência do gasto público.

A atribuição de cupões de educação, a partir do financiamento público que hoje existe, mas que é açambarcado pelos prestadores públicos, permitiria, com os mesmos recursos, fazer mais e melhor. Talvez assim – num país cuja despesa pública em educação está acima (em percentagem do PIB) da média da OCDE – pudéssemos deixar de ter escolas em que os tetos caem e onde os aquecimentos são desligados no Inverno.

Na saúde, a mesma lógica. Reposicionando o Estado no papel do financiador e não no do prestador, talvez pudéssemos ambicionar hospitais onde as macas ficassem nas enfermarias e não nos corredores. Na saúde, o Estado manteria um papel essencial, designadamente como entidade que comparticipasse os seguros obrigatórios de saúde que hoje em dia constituem nos países da OCDE uma fonte de financiamento tão importante quanto as próprias transferências públicas dos contratos-programa. Por fim, também na Segurança Social, promovendo modelos públicos e privados, o caminho passaria pela concorrência e pela complementaridade.

Em suma, nunca como hoje foi tão necessária a alternativa ao rumo de burocratização da economia e da sociedade que temos seguido. Nunca como hoje foi tão necessária uma alternativa liberal, que valoriza em primeiro lugar o indivíduo e que descentraliza a intervenção estatal. Uma alternativa que não rejeita o Estado por completo; apenas o rejeita enquanto pivô do desenvolvimento económico. Uma alternativa que rejeita o Estado como um fim em si mesmo, mas que o aceita enquanto instrumento de agregação de fins individuais.

Na base destes fins individuais está a representação política, a liberdade de escolha e a livre iniciativa. E entre estes fins individuais podem estar as mais variadas políticas propostas a debate público e a votação parlamentar. Desta combinação de fins individuais pode resultar menos ou até mais despesa pública. Mas com uma diferença fundamental face ao que temos hoje: um Estado eminentemente financiador, e tendencialmente não prestador, traduzirá melhor as preferências agregadas dos eleitores, em detrimento das preferências dos burocratas – o “resto” –, tornando o gasto público mais eficiente. Sabemos que a burocratização da vida económica do País é o maior perigo do socialismo. A alternativa não é, pois, mais burocratização, nem mais socialismo, seja ele de que tipo for. A alternativa é liberal.

Nota: Este autor escreve, por opção, de acordo com o antigo acordo ortográfico.

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