A ciência “dismal”
À medida que as eleições se aproximam, assistimos à procissão do costume de políticas públicas. Infelizmente mais baseadas em estudos de opinião do que em análises económicas sérias.
À medida que as eleições se aproximam, assistimos à procissão do costume de políticas públicas e quadros macroeconómicos nos programas políticos. Tudo apresentado com certeza absoluta. Muitos destes baseiam-se em estudos, infelizmente mais em estudos de opinião do que em análises económicas sérias; ou seja, estudos que recorrem a modelos económicos e a dados empíricos para examinar os efeitos de políticas públicas, reconhecendo a incerteza dos resultados estimados.
Não é tarefa fácil fundamentar propostas de política económica em estudos. É relativamente caro (embora haja dinheiro para outras coisas) e os benefícios políticos não são evidentes. A maioria das pessoas não confia na Economia. Certamente os políticos não confiam que os estudos económicos deem a resposta que querem. Por isso, é comum os decisores políticos ignorarem os economistas ou menosprezarem os seus métodos de trabalho, especialmente o uso de modelos económicos, frequentemente criticados por serem ao mesmo tempo simplistas e demasiado matemáticos.
Por exemplo, em Davos este fim de semana, Christine Lagarde, numa sessão chamada “How to Trust Economics”, criticou a Economia como uma disciplina tribal (provavelmente justo), que ignora outras ciências como a epidemiologia, ciências climáticas, geologia (algo injusto; e o comentário da geologia é bizarro). Disse também que um dos problemas da Economia é o uso excessivo de modelos económicos, que limita a discussão (muito injusto).
Noutro exemplo, em 2019, Jacob Rees-Mogg, quando lhe perguntaram no Parlamento britânico onde estava o estudo do impacto económico do novo acordo de Boris Johnson disse “se perguntarem alguma coisa a um economista, recebem a resposta que quiserem”. Na altura, os economistas que utilizavam os modelos económicos tão criticados estimavam um efeito económico do Brexit bastante negativo, que, de modo geral, confirmou-se.
Dadas estas críticas, não é surpreendente a falta de incentivos para fazer a avaliação económica de políticas públicas em tempo real. Infelizmente, parece que a maior oportunidade de mercado neste contexto para a Economia não é sequer ensinar as pessoas, mas sim enganar pessoas com a Economia, como se vê por exemplo com alguns candidatos políticos que são “falsos especialistas” em determinadas áreas de políticas públicas, ou alguns colunistas e comentadores sobre economia.
Apesar de tudo, os modelos económicos, complicados e que demoram anos a publicar em revistas especializadas, continuam a ser muito úteis. Por vezes, a Economia é chamada de “dismal science” por tentar quantificar tudo, realçar escolhas difíceis, consequências inesperadas de políticas públicas e restrições desagradáveis. Mas, apesar da interpretação moderna desta expressão ser um pouco diferente, a história da origem do termo é fascinante e relevante para algumas das críticas à Economia que se vão ouvindo.
Em 1849, Thomas Carlyle denominou a Economia de “dismal science” precisamente porque ela encontrava “o segredo do Universo na oferta e na procura”; ou seja, simplificava temas complexos com modelos económicos. Na mesma frase, Carlyle expressou-se contra a conclusão dos economistas da época, que, com os seus modelos económicos, tinham defendido o fim da escravatura uns anos antes, baseando-se em argumentos de liberdade individual e do papel dos mercados na alocação ideal dos recursos.
Claro que a Economia não é perfeita. Outras disciplinas são mais indicadas para outros assuntos. Mas a Economia é muito mais aberta ao debate e à interdisciplinaridade do que por vezes se pensa. Um mantra importante na investigação económica diz que não basta criticar e que “é preciso um modelo económico para bater um modelo económico”. O resultado desta abordagem é uma disciplina vibrante com debate constante. Poderia também ajudar a elevar o debate sobre políticas públicas antes destas eleições.
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