Operação Marquês. Sócrates diz que decisão é “um abuso” e viola direito de defesa e recurso

Ex-primeiro-ministro já reagiu à decisão da Relação de Lisboa de enviar processo para julgamento. Diz que "é um abuso" e que acórdão viola direito à defesa. Promete combater "com toda a energia".

O ex-primeiro ministro, José Sócrates, afirmou este sábado que vai contestar com “toda a energia” o envio, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, do processo da Operação Marquês para julgamento, classificando a decisão como “um abuso” pois viola o seu direito à defesa e ao recurso.

O Tribunal da Relação de Lisboa ordenou que o processo da Operação Marquês vá, no imediato, para a primeira instância, sem recursos, que ficam agora separados do processo para serem analisados à parte. A decisão, tomada na quinta-feira pelo juiz Francisco Henriques, significa que o processo vai assim descer, na próxima semana, para o tribunal que vai julgar Sócrates por 22 crimes.

Em conferência de imprensa, José Sócrates afirmou ainda que irá estudar os próximos passos e sublinhou que “no fundo o senhor juiz pretende transformar um acórdão que está em debate, num acórdão transitado em julgado“.

“Não é possível que um acórdão de janeiro entre em vigor sem antes se esgotarem os direitos de recurso”, adiantou. “No fundo, o juiz quer pôr em causa o direito à defesa e ao recurso, já o fez há seis meses, quando impediu um recurso”.

Para Sócrates, o juíz “agora faz a mesma coisa, manda para baixo um processo cuja configuração não tem uma configuração final porque o acórdão da Relação de janeiro não transitou em julgado, e não vai transitar sem que antes todos os recursos tenham sido apreciados”.

Sócrates vê como inédita em Portugal a decisão de mandar para julgamento um processo sem que tenha havido nem acusação nem pronúncia. “Neste momento, o que é efetivo no processo Marquês é a ainda a decisão do juiz Ivo Rosa de abril de 2021, que considerou que todas as acusações que me foram feitas eram fantasiosas, eram incongruentes e eram especulativas”.

Na visão do ex-primeiro-ministro, o acórdão de janeiro é invocado pelo juiz Francisco Henriques para que seja feita uma pronúncia não transitou em julgado, não produziu efeitos e, portanto, a única decisão efetiva é a da 2021 e por isso não pode haver julgamento.

“E tudo aquilo que eu assisti ontem, ao entusiasmo do conjunto do jornalismo português – ah desta vez é que vai haver julgamento – lamento muito mas pela minha parte não estou disposto a abdicar de nenhum direito individual, nenhuma garantia da Constituição, nomeadamente ao direito ao recurso, apenas para satisfazer o gáudio de muitos dos jornalistas que confundem a sua atividade profissional com o ativismo político”, sublinhou.

“Descarado abuso de poder”

Sócrates criticou ainda a decisão de constituir um grupo de trabalho por parte do Conselho Superior da Magistratura para acompanhar de perto o processo Marques: “É ilegal e contra a Constituição. O propósito deste grupo de trabalho é evidente: limitar o direito de defesa e pressionar os juízes a tomar decisões desfavoráveis aos visados”.

O ex-governante adiantou que por este grupo ter sido criado apenas para visar a Operação Marquês, “põe em causa a universalidade da lei, que se aplica a todos, a todos os processos e a todos os cidadãos”.

O Conselho tem competência para auditar ou averiguar o que se passou num determinado processo, continuou Sócrates, adiantando que “o que o Conselho não tem, é competência para condicionar o futuro de um processo, para influenciar o que se vai passar, e nesse sentido, a decisão de constituir um grupo de trabalho constitui um descarado abuso de poder”.

Para o ex-primeiro-ministro a criação deste grupo de trabalho põe também em causa e a garantia da liberdade e da independência dos juízes. “Doravante, todos os juízes que intervierem no processo Marquês sentirão sobre os seus ombros os olhos inquisitoriais do grupo de trabalho do CSM, sublinhando que a constituição do grupo de trabalho “tem uma óbvia motivação política”.

O que está no centro da investigação?

A Operação Marquês iniciou-se em 2014, depois de uma denúncia, no ano anterior, feita pela Caixa-Geral de Depósitos (CGD) à Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, que dava conta de um possível esquema que teria rendido quase mais de meio milhão de euros a José Sócrates.

A investigação começou com os mais de 23 milhões de euros reunidos por Carlos Santos Silva, transferidos da Suíça para Portugal, primeiro em 2004 e, depois, em 2010 e 2011. O empresário – amigo próximo de Sócrates – tinha uma conta no Banco Espírito Santo (BES), em seu nome, que o Ministério Público (MP) acreditava servir para cobrir despesas feitas em nome de Sócrates. Além disso, o MP dizia na acusação que o ex-primeiro ministro recebia dinheiro em mãos e dispunha de verbas para pagar férias ou ter à sua disposição a casa de Carlos Santos Silva em Paris.

As suspeitas iniciais de corrupção recaíam apenas sobre o grupo Lena, pois o MP acreditava que o dinheiro na Suíça eram contrapartidas pelo favorecimento que Sócrates teria feito à construtora, enquanto responsável político, em obras ligadas ao TGV e à Parque Escolar.

A investigação acabou por conseguir encontrar aquilo que considerou ser a origem do dinheiro, mantendo suspeitas de corrupção ligadas apenas a 2,9 milhões de euros de euros, que terão tido origem no grupo Lena, passando pela conta do administrador Joaquim Barroca. Foram também descobertos 12 milhões de euros que também passaram por contas na Suíça, controladas por Hélder Bataglia, administrador de uma empresa do Grupo Espírito Santo (GES), relacionada com o empreendimento de Vale do Lobo, no Algarve.

(Notícia atualizada às 12h09)

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