A crise demográfica e os impactos no turismo e economia

  • Gonçalo Rebelo de Almeida
  • 23 Setembro 2024

Quando vemos emigração de jovens portugueses para outros países, não acontecem apenas porque os salários são em média maiores, mas porque procuram áreas que a economia portuguesa não proporciona.

Existem hoje quatro grandes desafios na gestão dos recursos humanos, por parte das empresas portuguesas: escassez de recursos humanos, alterações da população, mudança de hábitos e de objetivos de vida, e qualificações ou formação.

A primeira nota é de que estes quatro desafios são comuns à maioria dos setores de atividade e são semelhantes na maior parte dos países europeus. A segunda nota prévia é de que todos estes desafios são estruturais e constantes e dificilmente terão resolução no curto prazo.

O primeiro desafio – escassez de recursos humanos – não é um problema novo, mas esteve afastado muito tempo do debate público e a principal causa é a demografia na Europa e, em particular, em Portugal. O continente europeu, fruto de baixas taxas de natalidade, tem vindo consistentemente a perder população ativa, mas a atividade económica e a necessidade de recursos humanos não têm abrandado.

O segundo desafio está relacionado com o primeiro e originou duas importantes mudanças: por um lado, o envelhecimento da população, resultante da baixa taxa de natalidade e do aumento da esperança média de vida. Para ilustrar esta situação, quando comparamos a população portuguesa, temos hoje mais um milhão de pessoas acima dos 65 anos, e menos um milhão de pessoas abaixo dos 25 anos, do que há 30 anos.

Esta situação, que terá tendência para se agravar nos próximos anos, provoca a escassez de recursos e compromete os sistemas de Segurança Social, pois a relação entre a população ativa (contribuinte) e a população total fica prejudicada.

A segunda mudança está relacionada com o modelo económico europeu e o Estado Social que, com todos os defeitos e insuficiências que se lhe possam apontar, tem conseguido garantir a atividade económica, a criação de emprego e melhoria das condições de vida da população, quando comparado com outras zonas do globo. Isto provoca que, anualmente, milhares de pessoas de outras regiões do mundo continuem a procurar a Europa.

Na sua génese, estes movimentos resultam, infelizmente, de más condições de vida noutros países, mas acabam por dar resposta a necessidades de recursos humanos na Europa e compensar de certa forma a quebra demográfica, permitindo manter a população ativa necessária para garantir a sustentabilidade do modelo económico e do estado social europeu.

Quer por razões sociais quer por razões económicas, a Europa e Portugal devem acolher estas comunidades que procuram melhorar a sua vida, mas devem fazê-lo de forma que a sua integração cultural e social seja positiva, assegurando condições de acesso à habitação, saúde, educação e justiça, e estando atentos às situações de exploração a que muitas vezes estas comunidades mais frágeis podem estar expostas.

Inglaterra, Alemanha, França e outros países europeus há muito tempo que recebem novos imigrantes, mas em Portugal este fenómeno é mais recente e com características diferentes. Portugal sempre teve uma boa capacidade de acolher imigrantes, mas até à data os movimentos foram em menor número e essencialmente oriundos de países de língua portuguesa, com culturas semelhantes, o que sempre facilitou, de certa forma, a sua integração.

O envelhecimento da população e a integração de imigrantes num modelo de sociedade multicultural tem forte impacto e constitui o segundo desafio na gestão dos recursos humanos. O terceiro desafio prende-se com mudanças nos hábitos e objetivos de vida.

As gerações baby boomers e X, sempre consideraram o trabalho, a carreira, a progressão, a melhoria de rendimentos e condições de vida, como prioridade absoluta, sacrificando muitas vezes o tempo disponível para lazer, família e amigos. Por outro lado, sempre privilegiaram a estabilidade e a segurança como fatores de escolha dos seus percursos profissionais e com isso procuravam fazer carreira dentro da mesma organização, se tal fosse possível.

As gerações posteriores registam duas alterações importantes. Por um lado, e embora estejam conscientes da importância do trabalho e da necessidade de dedicação, têm uma preocupação acrescida com o equilíbrio da vida pessoal e de outras atividades e, como tal, na procura desse equilíbrio preferem muitas vezes abdicar de aumentos de remuneração, responsabilidades acrescidas ou progressão, para o conseguirem alcançar.

Por outro lado, procuram desenvolver um percurso diversificado com múltiplas experiências, abdicando muitas vezes da estabilidade e segurança, para procurarem projetos e experiências diversificadas que lhes tragam maior grau de satisfação e realização pessoal. Quando hoje observamos os movimentos de emigração de jovens portugueses para outros países europeus, eles não acontecem apenas porque os salários são em média mais elevados, mas porque procuram áreas de atividade que a economia portuguesa não proporciona ou porque, pura e simplesmente, nos seus objetivos de vida está o desejo de ter uma experiência de vida diversificada e conhecer outras realidades.

Por último, e não menos importante, o desafio da constante formação, qualificação e requalificação dos recursos. A dinâmica dos movimentos de imigração obriga a que as empresas tenham de investir mais na formação e qualificação das pessoas oriundas de outras geografias, onde, infelizmente, muitas delas nunca tiveram oportunidade de adquirir essa formação.

A normal dinâmica de mercado com novas atividades económicas, atividades em crescimento ou atividades em recessão, provoca uma permanente necessidade de requalificação de recursos, permitindo que haja mobilidade e transferência entre setores. Por tudo isto, é crucial trazer estes temas para a esfera pública, tendo como exemplo uma conferência que iremos promover já no dia 24 de setembro.

Vivemos tempos desafiantes, mas ao mesmo tempo apaixonantes, que justificam um investimento no debate de ideias no espaço público e onde organismos públicos, empresas e academia se devem unir e partilhar experiências e conhecimento, para permitir superar estes desafios.

  • Gonçalo Rebelo de Almeida
  • Gestor para a área do Turismo e Hospitalidade da Universidade Autónoma de Lisboa

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