A década perdida da Alemanha

Quase estagnada desde 2017, a economia alemã poderá registar um crescimento anémico até ao final da década, com consequências para a política interna e externa.

O motor económico da União Europeia deixou de o ser. Depois de contrair 0,3% no quarto trimestre, o PIB deverá voltar encolher nos primeiros três meses deste ano, prevê o Bundesbank. A confirmar-se o prognóstico, a Alemanha entrará em recessão técnica.

O banco central afasta, felizmente, a possibilidade de o país entrar num período de “quebra persistente e alargada da atividade económica”. As boas notícias terminam aí. Depois de uma ligeira contração de 0,3% no ano passado, a economia não deverá acelerar mais de 0,2% este ano, prevê o Governo germânico.

Mais preocupante ainda é a perspetiva traçada num relatório divulgado esta semana pela Capital Economics, onde se estima que a Alemanha continue com um crescimento anémico até ao final da década, com a economia a evoluir a um ritmo médio anual de 0,6% entre 2026 e 2030. Estagnado desde 2017, o país enfrenta a perspetiva de uma “década perdida”.

A economia alemã padece de males que se espera temporários e outros de caráter mais estrutural. Andrew Kenningham, economista-chefe para a Europa, assinala que o país foi mais penalizado que outros pela atual conjuntura. Embora o crédito imobiliário seja maioritariamente a taxa fixa, os juros mais elevados estão a deprimir o setor da construção (está 12% abaixo do pré-pandemia) e a travar o investimento. O choque no preço da energia pesou também de forma mais intensa na indústria alemã, que beneficiava do gás natural russo.

A Alemanha é também mais afetada que outras grandes economias pela quebra no comércio internacional e o menor fulgor de países como a China, dado que a exportação de bens e serviços pesa mais de 30% no valor acrescentado bruto. Em França são 22% e em Itália 24%.

A decisão do Tribunal Constitucional Alemão de reverter 60 mil milhões de euros em autorização de despesa pública e o travão que limita o défice a 0,35% do PIB obrigam, além disso, o país a uma política orçamental restritiva.

A estes constrangimentos acrescem outros de natureza mais estrutural, que reduzem o crescimento potencial. Andrew Kenningham destaca o decréscimo da população em idade ativa, o menor crescimento da produtividade face a outras economias desenvolvidas e a perda de competitividade da indústria devido ao aumento dos custos.

O setor automóvel, a imagem de marca do poderia industrial alemão, é disso exemplo. O pico na produção foi em 2017 e desde então caiu mais de 25%, contabiliza a Capital Economics. Se a Alemanha foi uma potência do motor a combustão, são os EUA (Tesla) e a China que dominam a transição para o motor elétrico.

Uma ameaça que se estende também aos fabricantes franceses ou italianos. O presidente da Renault, Luca de Meo, apelou esta semana à criação de uma Airbus para o setor automóvel, juntando alemães, franceses e espanhóis, de forma a contrariar a “concorrência desequilibrada” da China.

Este apagão económico da Alemanha é uma má notícia para Portugal, tendo em conta que o país é o terceiro destino das exportações nacionais. A indústria de componentes automóveis já se ressente e não será a única. Os industriais portugueses de componentes para automóveis sentem um abrandamento da procura desde o início do outono e preparam-se para “adaptar o chão-de-fábrica” ao recuo das encomendas, como confessou ao ECO José Couto, presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel.

Um crescimento residual representa também um problema político interno. Com menor margem para orçamentos expansionistas – a manter-se o travão orçamental – a capacidade para estimular a economia será menor, alimentando o descontentamento. O partido do chanceler alemão está com cerca de 15% das intenções de voto para as eleições legislativas (setembro de 2025), atrás do partido de extrema-direita AfD (18%) e da União Democrata-Cristã (29%).

As dificuldades internas refletem-se no plano externo. A direção política da União Europeia está nas mãos de dois políticos fragilizados, Emmanuel Macron e Olaf Scholz, com visões que nem sempre coincidem, como aconteceu com o envio de tropas da NATO para a Ucrânia. E logo numa altura em que o bloco enfrenta desafios que exigem uma liderança robusta.

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