A esquerda e o seu problema com a escolha

Perante o programa de Governo, a esquerda revela a sua já habitual dificuldade em compreender a escolha, o simples ato de dar ao cidadão a liberdade de decidir.

Já se conhece o programa do governo. Como aviso prévio, devo alertar para o facto de que não o li na integr — os exames não se fazem sem estudar — pelo que me restringirei a comentar as partes que li, tanto no texto oficial, como o plasmado na comunicação social. Neste contexto, o que temos assistido, por parte da esquerda, durante estes dias, tem sido a sua já habitual dificuldade em compreender a escolha, o simples ato de dar ao cidadão a liberdade de decidir.

Tal como o direito ao divórcio, não nos obriga a divorciar, ou o direito ao aborto, não obriga as mulheres a abortarem; a liberdade dos trabalhadores comprarem dias de férias não os obriga a nenhuma ação, constitui apenas mais uma escolha. Ninguém falou em reduzir os direitos existentes, apenas em dar mais opções aos agentes.

Quando olhamos para o problema estrutural que a esquerda atravessa em Portugal, talvez este olhar castrador que mantém para com o mercado do trabalho seja exemplificativo do que falamos. Num mercado já profundamente regulado, onde o despedimento é praticamente impossível, qualquer tentativa de flexibilização para lhe dar vitalidade é encarada como um ataque aos mais fundamentais direitos humanos. Não é. Não é, até porque noutros países, tão ou mais democráticos do que nós, há mercados mais livres que o nosso. A esquerda mantém este paternalismo económico, continua a arrogar-se de ser capaz de decidir melhor que cada pessoa, limitando a liberdade de ação económica individual. Talvez os eleitores já tenham percebido que não tem funcionado.

Um mercado regulado em excesso é um mercado congelado, é um mercado incapaz de cumprir as suas funções de equilíbrio descentralizado, não perfeito, não ótimo, mas mais competente que qualquer solução arbitrária que consigamos discernir. Ninguém pede que se acabe com o estado social, apenas que se dê liberdade às empresas e aos trabalhadores de encontrarem novas soluções, de se adaptarem a realidades laborais e tecnológicas cada vez mais imprevisíveis. Mais uma vez, um mercado sem liberdade lesa todas as partes, gerando salários gerais mais baixos, alocações de recursos ineficientes e, em última instância, prejudica o desenvolvimento e o incentivo à própria inovação.

Se as soluções apresentadas pelo governo são as ideais? Claro que não, mas abrirmos esta discussão e dar início a este processo de flexibilização pode ser um elemento vital para libertar as nossas empresas da asfixia regulatória que muitas vezes enfrentam. O Estado está demasiado presente na economia, é demasiado dirigista.

Se o programa de governo tem medidas bastante interessantes, como a consolidação de vários apoios sociais, a atenção à evolução da taxa marginal efetiva de imposto — que numa fase inicial da distribuição de rendimento pode desincentivar ao trabalho —, ou a eliminação de pelo menos parte da infindável ineficiente despesa fiscal —que só complexifica o sistema na forma de benefícios variados ou deduções —, entre muitas outras; há, também, áreas onde as resoluções são inexistentes ou, no mínimo, relaxadas.

Em mais de 200 páginas, não houve espaço para falar da reforma da segurança social e do terrível desafio demográfico que enfrentamos. Para além disto, há um olhar demasiado redutor para a reforma do sistema fiscal, como na redução ‘gradual’ da derrama estadual, ou na incapacidade de olhar para o sistema como um todo complementar, que merece mais do que desagravamentos paulatinos, merece reestruturações globais. Não se descomplexifica com mais adendas ou remendos.

Como em tudo, não há segredos mágicos ou panaceias, mas das poucas convicções que tenho, em que sinto o à-vontade suficiente para escrever sem me cansar é esta: o Estado está a atrapalhar. Está em demasiados sítios, atrasa o desenvolvimento da economia com o seu pendor dirigista, com a sua vontade de regular tudo o que mexe, de se envolver em todas as decisões das nossas vidas.

Aquilo que se pede a um governo reformista, boa parte das vezes, é só que o tire de lá: facilitar licenciamentos, reduzir as regras, limitar-se a oferecer bons serviços públicos nas áreas necessárias e, acima de tudo, criar um enquadramento institucional justo, simples e estável que não sufoque os agentes.

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