
A Europa a ficar para trás
O "Vorsprung durch Technik" já não ressoa como noutros tempos. A UE tem de encontrar novos argumentos de competitividade que assegurem o seu modo de vida.
A falta de uma roda dentada usada nos motores de combustão, produzida na Eslovénia, provocou a paragem total da Autoeuropa e constrangimentos em outras cinco fábricas do grupo Volkswagen. Uma simples roda dentada… Podia ser uma piada, não fossem as centenas de empregos perdidos, entre a fábrica de Palmela e fornecedores de componentes.
Felizmente a interrupção será mais breve do que o anunciado e os despedimentos poderão provavelmente ser revertidos. A Autoeuropa vai retomar a produção no início de outubro, depois de ter conseguido o fornecimento da peça junto de uma empresa espanhola e outra chinesa (a ironia).
Os problemas do construtor europeu vão, no entanto, muito além dos constrangimentos nas cadeias de abastecimento, agora bem menos frequentes. O futuro da indústria automóvel nas próximas décadas é elétrico e a Volkswagen (VW) foi lenta a reagir. Um erro que podia passar incólume antes da Tesla e da ofensiva das marcas chinesas, como a BYD ou a Nio. Não agora.
Vorsprung durch Technik. A vantagem através da tecnologia. O velho slogan da Audi, uma das principais marcas do grupo VW, já não ressoa como noutros tempos. “O torno concorrencial que aperta a Volkswagen de cima a baixo e dos EUA à China pode evoluir para a sua maior crise desde o escândalo do diesel em 2015”, assinala um artigo da Bloomberg publicado esta semana.
O valor em bolsa da Tesla é quase 14 vezes superior ao da VW, apesar de ter vendas bem menores. A empresa de Elon Musk pode estar sobrevalorizada, mas a diferença também significa que os investidores estão muito confiantes no futuro da primeira e bem menos no da segunda. Uma das fragilidades tem sido o atraso no desenvolvimento de software, numa altura em que este passou a ser tão ou mais decisivo para a venda de um automóvel que o motor.
A VW perdeu este ano a liderança do mercado chinês, o seu maior, para a BYD, num país onde as previsões apontam para que os veículos elétricos representem metade das vendas dentro de poucos anos.
Na Europa, o peso dos fabricantes chineses na venda de veículos elétricos ainda é pequeno, mas cresce a ritmo acelerado. Passou de 0,5% em 2019 para 8,2% nos primeiros sete meses do ano. A Comissão Europeia estima que possa chegar aos 15% até 2025.
A ameaça à indústria europeia é tão séria que a presidente da Comissão Europeia dedicou uma parte do discurso do Estado da União para anunciar uma investigação aos subsídios chineses para a produção de carros elétricos.
A VW é uma metáfora para a Alemanha. Há quem defenda que uma e outra adormeceram à sombra do sucesso. O impulso criado pelas reformas da Agenda 2010, lançadas por Gerhard Shroeder, esfumou-se. Além dos problemas conjunturais – como a subida dos custos da energia e o arrefecimento dos seus dois principais mercados, a China e os EUA – o país enfrenta problemas estruturais que nos habituámos a ouvir falar sobre outros países. Excesso de burocracia e atraso na digitalização, são dois exemplos. A que se soma o envelhecimento da população e a escassez de talento.
Tudo somado, ajuda a explicar porque a Alemanha é a que menos cresce este ano entre as grandes economias europeias e no grupo do G7. Não que o resto da Europa esteja muito melhor. Se a VW pode ser uma metáfora para as dificuldades da Alemanha, esta pode sê-lo para o bloco europeu como um todo. A UE também está metida num torno concorrencial entre os EUA e a China.
O plano está inclinado para o país de Xi Jinping, que tira partido do dumping social e ambiental para competir com o Ocidente e ainda lhe acresce auxílios estatais. O anúncio da investigação anti-subsídios anunciada por Ursula von der Leyen poderá acabar num aumento das tarifas aduaneiras sobre os carros elétricos chineses, aproximando os 10% da UE aos 27,5% cobrados nos EUA.
É, portanto, uma medida protecionista, que pode levar a uma réplica do lado chinês, que já demonstrou o seu descontentamento. Basta lembrar que é da China que vêm cerca de 75% das baterias e grande parte dos minérios para as produzir.
O problema das medidas protecionistas é que estabilizam o paciente mas não o curam. O estímulo para inovar e ser mais competitivo desaparece. A presidente da Comissão Europeia sabe-o bem e por isso anunciou no seu discurso que Mario Draghi – o super-herói favorito da Europa, como lhe chama o Financial Times – vai ser responsável por um relatório sobre o futuro da competitividade europeia. Reforçá-la é fundamental para defender o modo de vida europeu.
Nesse desiderato, ajuda muito ter grandes economias como a Alemanha e grandes empresas como a VW. Ou estar à frente no desafio da transição energética, que a invasão russa da Ucrânia ajudou a acelerar.
Decisivo é também ter uma União Europeia unida em torno das políticas adequadas. As próximas eleições europeias podem aumentar ou reduzir as hipóteses de sucesso.
Nota: Este texto faz parte da newsletter Semanada, enviada para os subscritores à sexta-feira, assinada por André Veríssimo. Há muito mais para ler. Pode subscrever a Semanada neste link.
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