A Europa que aprenda com Tyrion Lannister

Convinha que explicassem bem os 15 mil euros por mês que vão ganhar sem ninguém muito bem saber o que influenciam na vida delas.

Milhões de pessoas decepcionadas com a última temporada da Guerra dos Tronos – não é o meu caso -, vi outros milhões de fãs motivados por petições para um novo final, li centenas de opiniões sobre o guião, sorri com os possíveis “spin-offs” de Arya Stark a descobrir novos territórios ou Jon Snow a mostrar o que verdadeiramente há para lá daquela fascinante Muralha. Tomara que os portugueses e os restantes europeus se mobilizassem e discutissem fervorosamente com a mesma paixão os temas que importam nestas eleições de domingo, que são, tradicionalmente, o patinho feio do calendário eleitoral e uma enorme tentação para a abstenção.

É certo que Tyrion Lannister é muito melhor que qualquer candidato e que analisar a genial criação de George R. R. Martin aos olhos da geoestratégia é muito mais interessante. A Guerra dos Tronos nunca foi uma série para crianças entretidas com dragões, é um tratado sobre o poder e a natureza humana. Para lá das batalhas épicas, do sibilante “Dracarys”, do sangue e morte a jorros, nas linhas e entrelinhas escritas nos livros e em brilhantes diálogos das cenas televisivas está do melhor de Shakespeare, criaturas sinistras bailando nas sombras da traição – uma espécie de Iagos na tragédia Otelo – como Varys e o Mindinho, libertadores como Maquiavel sonhava no seu “Príncipe” em que os fins se sobrepõem aos meios, ditadores, heróis e os primórdios de uma Nova Ordem simbolizada no derretimento do trono de ferro e na escolha de um novo líder fora do comum, mais próprio para os novos tempos – Bran Stark -, um rei que não tinha a ambição de governar, logo, sem os tiques e as pulsões da volúpia do poder.

A Europa está neste momento como nas primeiras sete temporadas da série mais vista de sempre. Numa paz podre, pode ruir como um castelo de cartas, tem famílias desavindas, maus reis e com o surgimento de um bando de senhores da guerra que puxam pela índole mais primária de cada um, apelando aos extremismos e aos nacionalismos que esbatem as antigas divisórias entre esquerda e direita e que corroem a União Europeia, que não apaixona ninguém mas foi essencial para o mais duradouro tempo de paz que viveu o continente. E é sobre esta ameaça que devíamos estar a reflectir.

Contudo, em Portugal, assistimos aos mesmos pecados de sempre. O debate marcado pela política interna, como se de um referendo a António Costa se tratasse, algo que até lhe dá jeito pois está popular e a oposição não entendeu o básico. O PS com um gigantesco erro de casting para cabeça-de-lista, Maria Manuel Leitão Marques seria uma escolha muito mais interessante e disruptiva; o PSD desiludido com Rio anda atrás de Paulo Rangel e lá vai indo; Nuno Melo já nada traz de novo para o CDS; o Bloco vive da simpatia de Marisa Matias; e o PCP promove à exaustão João ferreira para lhe dar notoriedade para a sucessão de Jerónimo de Sousa, mas ser telegénico não basta em política como o futuro o dirá. Tudo muito pobrezinho e triste numa campanha que afugenta mais que atrai e sobre a Europa muito pouco ou nada. Outro enorme erro do burgo foi a cobertura mediática. É conhecida a crítica unânime dos cidadãos acerca da necessidade de novos rostos e projectos, porém, a agenda mediática não lhes dá cobertura, esconde-se na questão da “representatividade” e não lhes dá antena que alguns mereciam. A Aliança tem o cabeça-de-lista mais bem preparado sobre as questões europeias e a Iniciativa Liberal executou a campanha mais moderna e aliciante. Mereciam maior atenção e a comunidade ganharia com mais contacto com estas novas ofertas partidárias

Não basta andar um grupo de criaturas com bandeirinhas e uns “jotas” a gritar uns “slogans” atrás das pessoas que estão horrorizadas com espectáculos dos políticos e que fogem mal sentem o barulho das caravanas que por ali passam em épocas eleitorais em busca do boneco para o telejornal da noite. Convinha que explicassem bem os 15 mil euros por mês que vão ganhar sem ninguém muito bem saber o que influenciam na vida delas, era bom que dissessem o que pensam sobre a aplicação dos fundos que recebemos, explicassem o que defendem como solução para o êxodo de quem foge da guerra e da pobreza, que visão têm para a ascensão da China e intrusão da Rússia que financia os partidos xenófobos que crescem como cogumelos. Nada. Um mês de larachas e de conversa de sacristia sobre os assuntos caseiros, como se afinal a Europa não servisse para nada e assim aconteceu aqui como nos restantes países. «O que une as pessoas?», perguntava Tyrion Lannister. «Exércitos? Ouro? Bandeiras? Histórias. Nada é mais poderoso do que uma boa história. Nada a detém. Nenhum inimigo a derrota». Pois na Europa ou muda a sua narrativa para que se valorize a sua importância ou continuam todos cegos e “the winter is coming”.

Nota: O autor escreve segundo a antiga ortografia

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