A falácia de Nirvana

As alterações climáticas exigem uma resposta multifacetada. Precisamos de adaptação e de mitigação, com urgência e com medidas substanciais.

Há dois conceitos chave nas discussões sobre as mudanças climáticas. O mais conhecido é a mitigação. A ideia é reduzir a emissão de gases de efeito estufa de forma a controlar o aquecimento global. A mitigação pode ser conseguida através de maior eficiência energética, da mudança na produção de energia para fontes renováveis, ou do desenvolvimento de tecnologias de captura e armazenamento de carbono. A forma mais imediata é a mais controversa: a redução do consumo de energia através da redução do consumo geral e do crescimento económico.

Por outro lado, a adaptação implica fazer mudanças para minimizar os danos causados pelas mudanças climáticas. Isto pode incluir a construção de infraestruturas mais resilientes, o desenvolvimento de produção agrícola mais resistente, ou o reforço de sistemas de emergência pública para lidar com eventos climáticos extremos.

É muito mais fácil e popular falar de mitigação do que de adaptação. Uma parte disto é moral. Reduzir as emissões é a política “boa”, a que rejeita o falhanço dos objetivos climáticos (falhamos à mesma). Outra parte é mais racional. Se investirmos em adaptação, os custos das mudanças climáticas são mais baixos e temos menos incentivo a reduzir as emissões. É menos provável que as empresas reduzam as suas emissões e que os políticos estejam dispostos a pagar os custos eleitorais de reduzir as emissões. Este fenómeno é conhecido na Economia como “risco moral”, onde a proteção contra um risco pode levar a um comportamento mais arriscado.

No entanto, este argumento tem um problema. Atualmente temos um esforço insuficiente para reduzir as emissões. Mais, há um desinteresse generalizado em relação a esta necessidade, pelo menos em termos de ações. Ora, se a maior parte das pessoas não quer saber, é pouco provável que mais investimento em adaptação alteraria o comportamento ao nível da mitigação. Em vez de a mitigação e a adaptação serem estratégias substitutas, poderão na verdade ser complementares. Claro, isto é apenas uma hipótese que deveria ser testada com estudos empíricos credíveis.

A confirmar-se esta hipótese, podemos usar as duas estratégias de forma significativa simultaneamente. Por um lado, devemos criar os incentivos necessários para reduzir emissões. A indiferença geral sugere que precisamos de incentivos monetários, como a tributação do carbono, ou subsídios à produção energética com renováveis. Por outro lado, é crucial financiar tecnologias que tornem o problema mais fácil de gerir, e ser realista em relação ao que se pode conseguir com a mitigação. Este investimento pode estimular o crescimento económico e a criação de emprego. Apesar de não resolver completamente o problema das alterações climáticas, pode ter um efeito positivo no bem-estar das pessoas mais imediato.

Este argumento que não se deve melhorar uma situação porque seria apenas uma meia medida, que potencialmente sabotaria a coordenação necessária para resolver o problema da forma ideal, é muito comum em políticas públicas. O economista Harold Demsetz chamou-lhe a falácia de Nirvana em 1969. Voltaire citaria o provérbio italiano “o perfeito é inimigo do bom”, que como todos os provérbios aparece numa forma ou noutra por esse mundo fora.

As alterações climáticas exigem uma resposta multifacetada. Precisamos de adaptação e de mitigação, com urgência e com medidas substanciais.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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