A folga orçamental

Se a dívida pública pode representar uma oneração das gerações futuras (digo 'pode' porque a doutrina divide-se), a redução do stock de capital público também o é certamente.

Fernando Medida publicou um importante artigo no Expresso deste fim-de-semana onde faz profissão de fé no conservadorismo orçamental. Afirma, sem rodeios, que a política orçamental deve ser firmemente contra cíclica, ou seja, contracionista e reduzir o défice quando o produto nominal cresce. Uma política contra cíclica justificar-se-ia hoje pelo simples motivo conjuntural de alinhamento com a o combate à inflação. Mas o ministro vai mais longe, vê na necessidade de canalizar as poupanças para a redução da dívida um imperativo que se projeta no futuro estrutural e um assunto de soberania nacional. Saúdo esta afirmação clara e inequívoca e, como muitos, recordá-la-ei quando se aproximarem as refregas eleitorais.

O investimento público merece uma referência passageira de Fernando Medina, que faz notar o seu crescimento acima dos 7% em 2022 e as perspetivas de crescimento no ano corrente e nos próximos, à boleia do PRR. (Note-se, contudo, que o valor de 2022 representa uma desaceleração grande relativamente ao ano anterior). Contudo, o mais importante não é dito, mas fá-lo o Conselho de Finanças Públicas: o crescimento do investimento público voltou a ser insuficiente para compensar o desgaste (depreciação) do stock de capital das Administrações Públicas.

O gráfico que se segue é da autoria de Miguel Faria e Castro o qual, apesar de bem conhecido, reciclo aqui porque é de uma importância fundamental para entender o colapso, que todos os dias vivemos, das infraestruturas e dos serviços públicos. A mensagem é simples, há muito anos que o stock de capital público vem a decrescer (os dados acabam em 2020 nas o investimento líquido continuou negativo em 2021 e 2022). Para inverter esta situação é necessário um crescimento continuado do investimento bruto nominal a taxas certamente próximas dos 20% ao ano.

A questão do investimento é muito relevante quando se discute o que fazer com as ditas “folgas” orçamentais. Genericamente, défices genuínos – enfatizo o qualificativo genuínos – em conta de capital, embora possam aumentar a dívida pública, são supostos gerar rendimento fiscal para se pagarem e, portanto, não criarem problemas de sustentabilidade.

Se a dívida pública pode representar uma oneração das gerações futuras (digo ‘pode’ porque a doutrina divide-se), a redução do stock de capital público também o é certamente. Com a agravante, recorde-se, de também penalizar as gerações presentes (já vítimas de três crises sem precedentes). Paulo Trigo Pereira, há umas semanas no Observador, enfatizou precisamente esta necessidade de balancear os sacrifícios entre gerações quando se define uma estratégia de consolidação orçamental. Tenho pena de Fernando Medina não tenha refletido também sobre isto. E pur si muove! As discussões em curso sobre a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento englobam, também, a consideração de “regras de ouro” para (certos) investimentos públicos.

Apontamentos

  • Rui Rio tem razão. É impossível entender os motivos do espalhafato em direto nas câmaras protagonizado pelo MP nas buscas a sua casa. Fico triste que a IL se tenha colocado do lado errado desta questão definidora dos direitos de cidadania.
  • As fitas de Adão e Silva. Gosto do verbo solto e da linguagem colorida e não acho que em política existam vacas sagradas. Também achei que muitos dos inquiridores da oposição tinham visto demasiados filmes do Perry Mason (com Raymond Burr). Pena que a memória cinéfila de PAS não tivesse envolvido os pantomimeiros do governo e do PS, nem o trabalho da guionista Paula Bernardo.

 

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