A grande mentira
Para alguém que procura a verdade, se há algo que o Estado Novo não promoveu foi a pobreza, nem tão pouco a ignorância dos portugueses.
No próximo dia 25 de Abril de 2020, a Revolução dos Cravos irá completar 46 anos, quase tantos como o Estado Novo, que durou 48 anos. Seguramente, como acontece todos os anos, a casa da nossa actual democracia irá realizar discursos encomiásticos ao regime que nasceu com o 25 de Abril de 1974, por contrapartida ao Estado Novo que apenas trouxe miséria e ignorância à população portuguesa.
Esta propaganda estendeu-se ao ensino, em que é recorrente escutar-se por parte dos professores: “Salazar empobreceu os portugueses”; “O Estado Novo consistia em três Fs: Futebol, Fátima e Fado”; “Salazar tinha os cofres cheios de ouro e a população na miséria”.
Efectivamente, tratou-se de um regime que objurgava o pensamento livre da população, promovendo a existência de uma rede de “bufos” que visava identificar, denunciar, torturar e encarcerar aqueles que se lhe opunham. A liberdade política era algo que o Estado Novo não apreciava, pois promovia exercícios democráticos que eram autênticas farsas, sendo a mais conhecida a eleição presidencial de 1958, em que Humberto Delgado, o candidato da oposição, foi derrotado de “forma esmagadora” pelo então candidato da União Nacional, Américo Thomaz.
Para alguém que procura a verdade, se há algo que o Estado Novo não promoveu foi a pobreza, nem tão pouco a ignorância dos portugueses. Este anátema, permanentemente lançado sobre o anterior regime, pode ser facilmente desmontado através da simples análise dos factos.
Se analisarmos a evolução do PIB per capita português em relação a uma média simples de 12 países desenvolvidos para os últimos 170 anos, podemos constatar que o Estado Novo foi o período de maior enriquecimento dos portugueses, tal como podemos constatar na Figura 1. Importa recordar que no final da 1ª República, o PIB per capita português era de apenas 26,9% da média do PIB per capita de 12 países desenvolvidos.
A 1ª República deu continuidade à divergência económica que ocorreu durante todo o século XIX, em que Portugal ficou completamente relegado à irrelevância. Em 1974, no final do Estado Novo, o PIB per capita português era de 57,5% da média aritmética do PIB per capita de 12 países desenvolvidos, uma subida de mais de 30 pontos percentuais.
O que logrou a democracia? Apenas uma subida de 4,4 pontos percentuais; no entanto, com uma agravante: a dívida pública está em máximos históricos, nunca na história de Portugal tivemos uma dívida de tal dimensão, como podemos observar na Figura 2.
No final de 1974, a dívida pública em percentagem do PIB era de apenas 13,9%; actualmente, situa-se acima dos 120%. Pior? Apenas o Japão, Grécia e Itália. Ou seja, esta pequena convergência foi alcançada com uma dívida pública astronómica, agravando-se substancialmente a partir de 2000, com a adesão à moeda única europeia, o Euro. Em resumo, o Estado Novo reduziu a dívida pública em 60 pontos percentuais, enquanto a democracia subiu-a em 108 pontos percentuais.
Outro dos mitos do actual regime é que Portugal sempre foi um país de “Coitadinhos”: fomos, somos e seremos pobres, pelo que o nível de exigência deverá ser sempre diminuto.
Por isso, interiorizámos este papel há muitos séculos, em particular a partir do século XIX. No entanto, isso nem sempre foi assim, a população portuguesa sempre teve níveis de rendimento próximos dos demais países europeus, tal como podemos observar na Figura 3.
A comparação do rendimento per capita de Portugal com as demais potências europeias, entre o século XVII e XIX, permite aferir que nunca nos afastámos demasiado do topo. Em plena guerra da aclamação, estávamos em 3º lugar, tal como se pode constatar na Figura 3. Talvez por isso Filipe III (Filipe IV de Espanha) tenha falecido poucos meses depois da sua estrondosa derrota em Montes Claros.
Estes dados são comprovados por vários eventos e factos da nossa história. A tomada de Ceuta, em 1415, envolveu uma frota 212 navios, constituindo a maior operação anfíbia desde o fim do Império Romano. No início do século XVIII, Lisboa era a quarta cidade com mais população na Europa, depois de Londres, Paris e Nápoles. Em 1976, o historiador Bairoch considerava Portugal como um dos cinco países mais ricos da Europa até ao princípio do século XIX. No início do século XVIII, em 1717, na batalha naval de Matapão, a nossa esquadra enfrentou a frota do Império Otomano, algo impensável para um país pobre.
O grande declínio ocorre a partir das reformas desse grande iluminado em países protestantes, com uma estátua no final do parque Eduardo VII. A expulsão dos jesuítas, por si decidida, representou um desastre sem igual na educação em Portugal. Os jesuítas forneciam educação gratuita a perto de 20 mil alunos, tendo praticamente o monopólio da educação não superior. Portugal só volta a ter este número de alunos no início do século XX, quando a população era o dobro da daquela época. Além disso, encerrou a então melhor universidade do país: a Universidade de Évora, por onde passaram professores como Luis Molina ou Pedro de Fonseca, mas que tinha a infelicidade de ser controlada pela Companhia de Jesus.
Em 1850, em resultado do atraso causado pelo maior facínora da história de Portugal, 85% da população portuguesa era analfabeta (Fonte: Alfabetização e escola em Portugal no século XX). Para o mesmo ano, apenas 5% da população dos Países Nórdicos, da Alemanha, da Escócia, da Holanda e da Suíça era analfabeta! Algo que apenas lográmos em 2018 (ver Figura 4)! 170 anos depois!
Esta situação calamitosa era algo que vinha detrás e herdado pelo Estado Novo. No final da 1ª República, cerca de 60% da população portuguesa era analfabeta. O Estado Novo reduziu esta percentagem para 25%, ou seja, um decréscimo de 35 pontos percentuais. O actual regime ainda não conseguiu eliminar esta vergonha nacional, pois no final de 2018 ainda existiam 500 mil portugueses analfabetos.
Agora, importa analisar indicadores de saúde, em particular a mortalidade infantil e a esperança média de vida. Na Figura 5, podemos constatar que actual taxa de 3 óbitos por mil nascimentos resulta da tendência descendente ao longo de todo o século XX.
Na Figura 6, podemos concluir que a esperança média de vida em Portugal é um indicador que sofreu substanciais melhorias desde o início do século XX. O Estado Novo conseguiu subi-la em 22 anos, aproximadamente, e a Democracia cerca de 13 anos.
Face a estas evidências, continuar a propagar o mito do empobrecimento levado a cabo pelo Estado Novo não parece ser a melhor forma de lavar os pecados do actual regime, atendendo que, ao fim de 46 anos, já vai sendo hora de realizar um balanço crítico. Face ao exposto, os resultados e o caminho não parecem ser positivos e promissores.
Em 1965, em plena guerra colonial, o estado português tributava cerca de 15% do nosso rendimento. Actualmente, confisca 35%, um máximo histórico, com uma agravante: não parece que a coisa fique por aqui, dada a voracidade por mais receita fiscal e a necessidade de alimentar as clientelas que se alimentam do orçamento de estado.
O princípio da presunção da inocência, plasmado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não se aplica ao fisco português. Se um contribuinte decidir reclamar uma determinada nota de cobrança, a mesma segue para execução e não é suspensa. Primeiro paga e depois reclama!
A PIDE utilizava uma rede de delatores para identificar opositores ao Estado Novo. Agora, para o fisco, cada português é um potencial bufo: “Peça o número de contribuinte e habilite-se a um prémio”. Se denunciar o próximo pode ganhar um automóvel de luxo, mas não se esqueça de registar as facturas no Portal das Finanças!
Nos termos do artº 204º do CPP, a prisão preventiva pode ser decretada se houver perigo de perturbação do inquérito! Por outra palavras, o arguido pode ser posto na gaiola, a fim de que os acusadores, isto é, os magistrados do Ministério Público, possam trabalhar à vontade e o arguido não possa destruir ou alterar provas. Ou seja, o arguido não pode defender-se, vai dentro. Desta forma, não incomoda os acusadores, para que estes possam formular com total tranquilidade uma acusação.
Para ajudar igualmente um arguido do processo penal, nos termos do artigo 10, da Lei nº 5/2002, alínea 2, a todo o tempo, o Ministério Público requer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de actividade criminosa. Por outras palavras, sem haver julgamento, o Ministério Público, com base em indícios e na sua interpretação dos factos, estima a vantagem patrimonial obtida do arguido e arresta-lhe o património.
Assim, retira-lhe qualquer capacidade económica para defender-se; claro está, que os verdadeiramente ricos têm o património dissimulado no exterior e não estão sujeitos a estes aborrecimentos, enquanto o “mexilhão” fica privado de contratar um bom advogado.
Forte com os Fracos, Fraca com os Fortes; é assim o regime das liberdades e garantias que nasceu com a Revolução dos Cravos. A nenhuma alma se lhe ocorreu que esta lei é inconstitucional.
Como é do conhecimento público, a grande maioria das acusações do Ministério Público resultam em nada, ou seja, a vida de muitos inocentes é completamente arruinada; no entanto, esta gente do Ministério Público é inimputável: podem ser incompetentes toda a vida que nada lhes acontece. No fundo, são os herdeiros da Santa Inquisição, que continua a existir em pleno regime Democrático!
Nos termos do artigo 105.º da CRP, alínea 4, o orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas. Desde 1974, não existiu um orçamento que não fosse deficitário, a causa da gigantesca dívida pública que temos, significando que todos os orçamentos do actual regime foram inconstitucionais. Em relação a isto, o insigne Tribunal Constitucional nunca se pronunciou!
Nos últimos anos, em termos de rendimento per capita, fomos ultrapassados por países da ex-união soviética, ou da sua órbita, tais como: Polónia, Lituânia, Estónia e Hungria. Entretanto, a nossa classe política desfila em programas de entretenimento, em que a estrela é uma senhora aos guinchos!
A casta que domina o regime ainda não se deu conta que somos dos poucos países do mundo em que a Constituição da República menciona no seu preâmbulo como desígnio nacional ser uma Sociedade Socialista. Desde o fim do Estado Novo, esta mentalidade socialista que perpassa toda a sociedade tem sido a nossa ruína.
No final de 1974, a capitalização bolsista das empresas cotadas em bolsas nacionais era 2,5 vezes a actual (ver Figura 7), ou seja, o nosso mercado de capitais definhou substancialmente desde então, apesar de agora possuirmos um verdadeiro exército de reguladores: 241 na CMVM e 1.755 no Banco de Portugal (2018). Digo exército pelo seguinte: se realizarmos uma simples comparação com a nossa vizinha Espanha temos 446 na CNMV e 3022 no Banco de Espanha, o que significa que ao utilizarmos um múltiplo com base na população teríamos em Espanha 1092 na CNMV e 7958 no Banco de Espanha; caso utilizássemos a dimensão do PIB, teríamos em Espanha 1452 na CNMV e 10.574 no Banco de Espanha! Isto, quase, parece aquela embarcação de 20 pessoas, em que dezanove delas marcam o ritmo e apenas um rema!
Hoje em dia, o nosso parlamento nada decide. A grande maioria da nossa legislação é emanada de Bruxelas, não havendo qualquer controlo democrático da mesma. Desta forma, as leis são produzidas tendo em conta a realidade das economias protestantes do norte da Europa, resultando na imposição de uma carga burocrática sem precedentes nas nossas pequenas empresas; ao mesmo tempo, a legislação europeia multiplica o número de supervisores, reguladores e burocratas e impõe a harmonização fiscal por cima, garantindo que todos confiscam sobejamente os seus cidadãos.
Ao contrário de 1974, em que o país era soberano, agora estamos de joelhos, esperando que o Banco Central Europeu (BCE) compre a nossa dívida, caso contrário, nenhum privado, no seu perfeito juízo, compraria dívida a um estado absolutamente falido.
Como o BCE continua a alimentar o nosso comportamento de mendigo, assistimos impávidos e serenos à partida do Reino Unido da União Europeia, o nosso mais antigo aliado. Ao mesmo tempo, continuamos numa união política e a receber, com pompa e circunstância, o chefe de estado de um país que, no passado, nos agrediu territorialmente, e com o qual temos uma disputa territorial. O nosso regime em relação a isto fecha aos olhos, enquanto que eles reclamam Gibraltar e nunca se esquecem de o dizer em todas as ocasiões.
Em conclusão, a utilização de lugares-comuns para aquilatar o desempenho do Estado Novo parece-me errada para quem busca a verdade. Dizer que o Estado Novo empobreceu e incentivou a ignorância da população, não passam de falácias sem sentido. Na verdade, tem servido para ocultar os fracassos do actual regime, em particular os económicos, mas que partilha duas coisas com Salazar: (i) o absoluto desprezo pelas liberdades do povo português; (ii) a homenagem ao tirano que se encontra no princípio da Avenida de Liberdade.
Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
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