A IA vai substituir tudo e todos?

  • Inês Segurado Marques
  • 9 Abril 2025

Contratar continua a ser sobre confiar na intuição, perceber o que não está escrito no papel e, acima de tudo, valorizar as pessoas na sua totalidade.

No recrutamento especializado, a minha resposta é não. Nos últimos anos, a Inteligência Artificial (IA) tem evoluído a um ritmo impressionante, transformando setores inteiros e levantando questões sobre o seu impacto no mercado de trabalho. Há quem defenda que a IA substituirá a maioria das profissões e tornará obsoletas funções que, até há pouco tempo, pareciam intocáveis. Mas será assim tão simples?

Quando falamos de tarefas repetitivas e altamente padronizadas, a IA já está a dar cartas e a mostrar um desempenho superior ao humano. Processos administrativos, análise de grandes volumes de dados e atendimento automatizado são áreas onde a tecnologia tem vindo a ganhar terreno. No entanto, quando entramos no domínio do recrutamento especializado, a conversa muda de figura.

A IA pode automatizar, mas tenho sérias dúvidas que venha a substituir o fator humano.

O recrutamento, especialmente em áreas técnicas e estratégicas, vai muito além de uma simples correspondência entre palavras-chave num currículo e uma descrição de funções. Identificar o talento certo para determinada posição exige um nível de perceção, julgamento e inteligência emocional que, por mais avançada que seja a tecnologia, ainda é muito difícil de replicar.

Contratar alguém não se resume a analisar competências técnicas; trata-se de compreender a personalidade, os valores, a cultura organizacional e a capacidade de adaptação do candidato à vaga e empresa em questão. Um bom recrutador consegue sempre saber quando um candidato tem potencial, mesmo que o seu percurso profissional não siga o caminho convencional e é bem verdade que a IA pode ajudar a filtrar currículos e a agilizar processos, mas a decisão final, o verdadeiro insight sobre quem encaixa melhor numa equipa, continuará a ser humana.

A IA é tão boa quanto os dados que recebe, e aqui reside talvez um dos seus maiores desafios.

Os algoritmos funcionam com base em padrões históricos, o que significa que podem perpetuar vieses inconscientes existentes no mercado de trabalho. Se um sistema de IA aprende que determinados perfis foram bem-sucedidos no passado, pode favorecer candidatos semelhantes, excluindo automaticamente perfis mais diversos ou inovadores que podem igualmente vir a desempenhar um bom papel na função.

Para além disso, a falta de transparência em muitos modelos de IA levanta questões éticas e legais. Como é que conseguimos garantir que as decisões tomadas por um algoritmo são justas? Quem é responsável quando um sistema automatizado comete um erro e prejudica um candidato qualificado?

Sempre defendi que o recrutamento não pode ser apenas um jogo de estatísticas; é uma questão de pessoas e das suas histórias, algo que a IA, por enquanto, não consegue interpretar na totalidade.

Mas nem tudo é mau e em vez de temermos a IA como uma ameaça, penso que devemos vê-la como uma ferramenta poderosa para aumentar a eficiência dos processos de recrutamento. É bem verdade que a triagem inicial pode ser automatizada, as entrevistas podem ser otimizadas com análise preditiva e quanto melhor a plataforma ou base de dados usada, mais rápidas e precisas serão as contratações mas a última palavra, essa, continuará a pertencer aos seres humanos.

Há anos que defendo que o recrutamento especializado exige empatia, compreensão e um olhar crítico sobre o que faz um candidato ideal para determinada função e essas são qualidades que nenhuma IA pode simular completamente. Por isso, se me perguntam se a IA vai substituir tudo e todos no recrutamento, a minha resposta é clara: Não. No máximo, será uma aliada – mas nunca uma substituta do fator humano que torna este processo tão complexo e valioso.

Olhando para o mercado atual, vejo muitas empresas obcecadas com métricas, eficiência e automação. Claro que tudo isso tem o seu valor, mas o recrutamento não pode ser reduzido a um processo mecânico. O que faz uma equipa funcionar não é apenas a soma das competências individuais, mas sim a dinâmica entre as pessoas, os valores que partilham e a forma como trabalham juntas.

Ao longo da minha carreira tenho tido o privilégio de perceber que os melhores profissionais nem sempre têm os currículos mais impressionantes. Muitas vezes, aqueles que surpreendem e acrescentam mais valor a uma equipa são os que tiveram percursos menos lineares, que demonstraram resiliência e capacidade de aprendizagem contínua. E essa identificação de potencial não pode ser feita por um algoritmo.

Podemos usar IA para tornar os processos mais rápidos e eficazes, mas no final do dia, contratar continua a ser sobre confiar na intuição, perceber o que não está escrito no papel e, acima de tudo, valorizar as pessoas na sua totalidade. E é por isso que, no recrutamento especializado, a IA nunca substituirá a empatia e o olhar humano.

  • Inês Segurado Marques
  • Account Management Lead da KWAN

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