A imperativa reforma do Estado

Os resultados das últimas eleições são claros na exigência de um Portugal que saia do marasmo em que está preso há demasiados anos.

O novo governo foi apresentado e as surpresas foram poucas. Montenegro podia ter aproveitado o momento para apresentar um executivo novo, para passar uma nova imagem de força. No auge da sua legitimidade política optou pelo mesmo governo com ligeiras correções de erros evidentes de casting político. Espero que este não seja também um erro de análise.

Há um ano, a opinião pública olhou para um governo previsível e claramente partidário como um sinal da instabilidade que se vivia, bem como da significativa probabilidade de a legislatura ser historicamente curta. Assim foi. No entanto, um ano volvido, com consideráveis condições para um governo estável, a capacidade de recrutamento manteve-se diminuta.

O novo executivo, com dezasseis ministros (menos um que o anterior), inclui cinco ministros independentes. Destes, Fernando Alexandre e Gonçalo Saraiva Matias já haviam sido secretários de estado em anteriores governos do PSD, enquanto no caso de Maria do Rosário Palma Ramalho as ligações familiares ao universo social-democrata são notórias. Parece-me evidente que não podemos falar de um governo com uma forte capacidade de atração de elementos da sociedade civil.

Se as saídas de Pedro Duarte, Margarida Blasco e Dalila Rodrigues eram anunciadas por razões distintas, a não recondução de Pedro Reis foi bastante surpreendente, principalmente por ter sido candidato a deputado por Castelo Branco, onde teve uma vitória considerável. Por outro lado, a continuidade de Ana Paula Martins não pode ser encarada como inesperada, visto que era cabeça de lista por Vila Real, contudo, a prazo, pode ser a primeira lacuna a voltar a pôr o governo em cheque.

Feita esta análise macro do novo cenário, uma análise detalhada da reorganização ministerial revelaria escolhas estratégicas e omissões políticas relevantes. Desde a troca entre secretarias de estado, à nova configuração de cada ministério, passando pela não recondução de secretários de estado históricos ou pelas subidas e pelas descidas ministeriais na orgânica de governo, os temas seriam vastos. Não obstante, penso ser importante destacar as duas mudanças mais significativas deste novo governo: o novo Super-Ministério da Economia e da Coesão, responsável pelos fundos estruturais e o primeiro Ministério da Reforma do Estado.

Com a economia, coesão e fundos destaca-se um ministro com ainda mais poder dentro do executivo, Manuel Castro Almeida. Se no anterior elenco governativo já se apresentava como um elemento central, tanto para a dinâmica interna do funcionamento do mesmo, como para a gestão da relação com as autarquias, agora torna-se num dos quatro super-ministros, a par de Paulo Rangel, Miranda Sarmento e Leitão Amaro. A somar, a união entre a economia, a coesão e os fundos parece particularmente feliz, potenciando sinergias e com autarcas e responsáveis pelo PRR abertamente esperançosos. Talvez possa ser um ex-autarca o homem ideal para compreender as barreiras à aplicação eficiente dos fundos.

Para além disto, a pioneira existência de um Ministério da Reforma do Estado é um ótimo sinal de que os principais problemas do país foram refletidos e serão atendidos. Por outro lado, confesso a minha desilusão quando vi que as secretarias de estado do novo ministério seriam a simplificação e digitalização. Há anos que olhamos, redutoramente, para a reforma do Estado como meros pensos numa burocratização crescente ou como simples compras de computadores e digitalização de procedimentos. Tem de ser muito mais, o país exige-o. Tem de ir além da cosmética, não podendo ficar apenas pela revisão da máquina administrativa.

Como aqui escrevi há quinze dias, deste governo exigir-se-á mais. Exige-se que seja capaz de mudar mais do que as questões do dia ou da semana. Que seja capaz de ter uma agenda reformista, geral e sustentada em pilares sólidos. Uma agenda de reformas e não de remendos. Neste contexto não sejamos ingénuos, a escolha deste ministério não só sinaliza esta necessidade, como põe mais a nu os seus resultados.

Os resultados das últimas eleições são claros na exigência de um Portugal que saia do marasmo em que está preso há demasiados anos. Os portugueses querem um Estado que funcione, que não lhes falhe em serviços públicos essenciais ou nas suas funções de soberania – um sistema fiscal justo, saúde e educação capazes ou justiça célere. Não tem sido assim, mas esta será a prova de fogo. Este ministério pode ser o início de uma reforma há muito adiada, ou apenas mais um arquivo morto. A escolha é do governo. O julgamento será dos eleitores.

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