A inflação começou em 2020

Apesar de toda a expansão da base monetária ocorrida desde 2020, em parte alguma do seu discurso Lagarde mencionou o tremendo pacote de estímulos monetários que precedeu a presente maré inflacionista.

A subida generalizada dos preços e, consequentemente, do custo de vida ­–- aquilo a que correntemente nos referimos como inflação –- continua na ordem do dia. Na recente reunião do Banco Central Europeu realizada em Sintra, a presidente Christine Lagarde reiterou que “a atual política monetária [do BCE] tem apenas um objetivo: fazer a inflação regressar a um nível de 2% no médio prazo”, sugerindo ainda que, se numa primeira fase foram os lucros a “contribuir” predominantemente para o aumento dos preços, recentemente a pressão passou em maior medida a vir do ajustamento em alta dos salários, conjugado com um baixo crescimento da produtividade, o que poderá obrigar o BCE a medidas ainda mais restritivas – i.e. subir ainda mais os juros, durante um período ainda mais prolongado – caso tais aumentos salariais não sejam “absorvidos” pelas margens de lucro das empresas.

Como juros altos é algo que pouco interessa ao Governo, o nosso primeiro-ministro decidiu ignorar as nuances de Lagarde e ripostar que o BCE “não compreende a natureza específica deste ciclo inflacionista” e que “o aumento dos lucros extraordinários tem contribuído mais para a manutenção da inflação do que a subida dos salários” (o que, como vimos, não vai necessariamente contra o que disse a presidente do BCE, mas que, como veremos, não alcança necessariamente o cerne do problema).

Apesar do aparente antagonismo, é irónico que tanto Costa como Lagarde abordem o tema da inflação desde uma perspetiva quase-marxista de luta de classes, como se as “pressões” do lado dos lucros ou dos salários fossem a verdadeira causa da inflação e não meramente a forma como esta se distribui e faz sentir pelos diferentes agentes económicos. Aquilo que nenhum deles refere, em grande medida porque a nenhum deles convém referir, é a gigantesca expansão do balanço do BCE que ocorreu durante a última década, e em especial desde o início da pandemia de 2020.

 

Como recordou o Instituto Mais Liberdade num recente vídeo explicativo, a expansão monetária tem historicamente sido o principal culpado das inflações persistentes (i.e. não “transitórias”, como tanto nos queriam fazer crer a respeito da que agora enfrentamos). Porém, apesar de toda a expansão da base monetária ocorrida desde 2020 ter sido levada a cabo pela instituição a que preside, em parte alguma do seu discurso Lagarde mencionou o tremendo pacote de estímulos monetários que precedeu a presente maré inflacionista – e que, à data, a presidente do BCE havia corajosamente justificado com a máxima de que “tempos extraordinários exigem ações extraordinárias”. É admirável que tais “extraordinárias” ações sejam tão extraordinariamente esquecidas quando chega a hora de enfrentar as suas extraordinárias (mas previsíveis) consequências…

Tudo isto só torna a tarefa do BCE cada vez mais inglória, pois só com muitas acrobacias retóricas e estatísticas será capaz de justificar a bondade das presentes medidas sem admitir culpa própria pelos exageros que as precederam. Quanto às falácias da lógica “lucros versus salários” neste âmbito da inflação, são tão abrangentes que terei de as abordar num outro artigo. Até lá, gostaria de sugerir a leitura dos meus anteriores artigos sobre produtividade e inflação.

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