Editorial

A lei-cartaz da habitação

O Governo vai aprovar hoje em Conselho de Ministros as mudanças à legislação de habitação, e não vale a pena ter a expectativa de que tenha ouvido os contributos que recebeu.

Hoje é dia de habitação, ou melhor, dia do Governo apresentar as propostas aprovadas em Conselho de Ministros para aumentar a oferta de habitação privada e pública no mercado e para limitar o crescimento acelerado dos preços. O powerpoint era mau, o projeto de lei com as várias medidas legislativas era pior, o Governo foi avisado pelo Presidente da República para a impossibilidade de execução de algumas dessas medidas, mas talvez seja ingenuidade esperar que a reunião de Conselho de Ministros sirva para corrigir o que está manifestamente errado neste plano e que só contribuirá para criar mais problemas no acesso a um bem essencial e constitucionalmente protegido, o direito à habitação.

As notícias que se anteciparam nas últimas horas fazem temer o pior. O spin do Governo permitiu saber que António Costa não vai mudar nada de relevante em medidas como o arrendamento coercivo, na fixação de um teto administrativo a novos contratos de arrendamento ou na suspensão de novas licenças de Alojamento Local, e vão surgir mais subsídios fiscais aos proprietários, umas esmolas para tentar contrariar a ideia de que há, como há, uma perseguição ideológica a senhorios, empresários e investidores desta área.

Qual é o problema da habitação em Portugal (que resulta no aumento acelerado dos preços)?

Este é o problema: O número de novos imóveis é muito insuficiente em relação às necessidades, à procura, e é muito inferior ao que já foi. Qualquer plano que fosse para levar a sério teria de conseguir responder a esta pergunta: Em 2001, 2002, construíram-se cerca de 120 mil imóveis por ano, este plano vai permitir construir e ou reabilitar quantos imóveis em 2024? E em 2025? E em 2026? O Governo não responde a esta pergunta porque não sabe, e por isso tem um conjunto de medidas que servem apenas para encontrar culpados para o aumento dos preços, e os alvos estão identificados: os não residentes que investiram em imóveis através dos Vistos Gold, os que investiram em Alojamento Local e os proprietários que têm casas fechadas a sete chaves, seja lá qual for o motivo.

O plano da habitação tem medidas de apoios às famílias que estão sob maior pressão, e essas são necessárias. Devem ser temporárias, sob pena de distorcerem o mercado, mas são neste momento urgentes, nomeadamente por causa do aumento rápido dos juros do crédito à habitação. No resto, é uma tentativa de intervenção no mercado, na formação do preço, que não vai produzir efeitos e se os houver não será para limitar o crescimento dos preços.

Já muito se disse e escreveu do arrendamento coercivo, espera-se que o Presidente da República seja consequente com o que andou a dizer e vete politicamente a medida em vez de se refugiar no recurso ao Tribunal Constitucional. E não releva a insistência de António Costa na tese de que a intervenção coerciva pública já existe na lei: Existe para um caso muito particular, a situação de edifícios degradados e que não são alvo de reabilitação por falta de interesse ou meios dos proprietários.

As medidas para o Alojamento Local só podem ter um objetivo, matar um setor que tanto contribuiu para renovar os centros das cidades, abandonados ainda há uma dúzia de anos.

Há, ainda assim, outra medida de que se tem falado pouco e tem o potencial para ser tão negativa para a oferta de arrendamento como foi há 30 ou 40 anos o congelamento das rendas: O Governo quer travar o aumento do valor das rendas. Uma das medidas que deverá ser aprovada em Conselho de Ministros, esta quinta-feira, cria um limite máximo de 2% para a subida do valor das rendas, face ao preço anterior, em todas as casas que estiveram no mercado nos últimos cinco anos. Esta medida, ao configurar uma definição administrativa da evolução dos preços, está a criar o incentivo à saída de imóveis do mercado do arrendamento e a criar mais um fator de pressão nos preços, isto é, a prejudicar aqueles que vão precisar de casa para viver nos próximos anos.

Com este plano — o Governo salta de plano em plano, de setor em setor, a apagar fogos que o próprio foi criando ou contribuindo ativamente para eles –, uma coisa sabemos antecipadamente: O problema da habitação está para continuar.

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