A lucidez é um bem escasso

Num mundo cada vez mais infantil e inculto, uma nulidade que grita tem-se sobreposto ao sábio que conta apenas como couraça com o seu saber e lucidez.

Estranhos tempos em que vivemos, onde a algazarra é lei e a espuma de temas irrelevantes se mistura com o que verdadeiramente interessa. Perdem-se referências basilares e o impacto da leviandade esmaga a racionalidade que deve imperar na condução dos dias. O som do silêncio não tem preço face ao ruído constante no debate onde o histerismo subjuga a moderação.

Hoje, já não são os discretos xerifes que impõem a ordem, são os vilões disfarçados de anjos os novos paladinos de uma turba sedenta de sangue e justiça que o “status quo” não lhe providencia. Um qualquer “Joker” pode tornar-se o líder de uma multidão fustigada e cansada de incertezas e desmandos. Num mundo cada vez mais infantil e inculto, uma nulidade que grita tem-se sobreposto ao sábio que conta apenas como couraça com o seu saber e lucidez, provavelmente o bem mais escasso do século XXI.

Reparemos em dois casos nacionais: quantos países do mundo têm na capa de jornais presidentes de clubes de futebol? Quantos países, no principal serviço informativo televisivo em canal generalista, passam diariamente declarações de presidentes – medíocres quase sempre – e treinadores como se algo de notável tivessem a acrescentar? Lucidez, zero. Isto é o cúmulo do ridículo que leva à saturação dos públicos e à fuga de audiências para canais de entretenimento e serviços por subscrição.

Como é possível que o Estado e os políticos que ufanos e folclóricos correm atrás de jogadores e atletas após grandes conquistas para aparecer no “boneco”, se demitam das suas responsabilidades no que toca à violência dentro e fora de recintos desportivos, quando Portugal já tem dois casos de bárbaros assassinatos de adeptos? Não estão em causa Vieira, Varandas ou Pinto da Costa, nem Benfica, Sporting ou Porto, no que aqui escrevo, apesar de todos sabermos quem são os responsáveis, mas sim atitudes, ou falta delas, fingimentos e consentimentos enquanto se assobia cobardemente para o lado. E neste dossier só podemos mencionar a tragicomédia de um secretário de Estado do Desporto que é um idiota encartado, na minha opinião um pusilânime sem credibilidade, voz ou autoridade. É altura do Estado intervir, sem medo, com lucidez – o tal bem escasso – sob pena de uma das indústrias portuguesas com maior visibilidade internacional estremeça e se desmorone por falta de espectadores que não querem ver a sua vida em risco.

O outro tema, a eutanásia. Quando se abordam certos temas relevantes de imediato surgem as claques, no caso, os radicais contra os beatos, a sociedade moderna e os valores da igreja. Depois, como tenho visto nas arenas televisivas, lá vem a ausência de discernimento em painéis que parece que dão três pontos pela vitória ao mais histérico ou que puxe pelos cabelos, ao bizarro poderoso de voz tonitruante ou ao que solte o insulto mais fácil. Em matérias fundamentais da nossa vida, esta galeria de horrores não pode ser critério. A eutanásia é assunto de consciência e de decisão individual, não deve ser discutida por um grupo de parasitas do Parlamento nem por guerras de alecrim e da manjerona. É um assunto profundamente humano, de discrição e de silêncio. Escrevia Agustina, «demasiada lucidez é culpada num mundo de cegos, que com a cegueira se contemplam sem desastre de maior». Sem lucidez para que abismo caminhamos?

O autor escreve segundo a antiga ortografia.

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