A perda definitiva da atractividade fiscal de Portugal

A OCDE está a promover uma iniciativa fiscal sobre IRC que vai causar danos a economias periféricas como Portugal, pois representa a perda definitiva da autonomia e da atractividade fiscal

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) tem vindo a promover uma iniciativa internacional, com o objetivo de assegurar que todas as empresas paguem uma quota-parte supostamente “justa” de imposto sobre os lucros.

Esta iniciativa, denominada por “Pillar 2 Model Rules”, poderia, à partida, parecer absolutamente justificada (sobretudo num contexto fiscal internacional, onde proliferam as “offshores” e os esquemas de planeamento fiscal agressivo).

Contudo, ela é enganadora, pois as empresas abrangidas são as que pagam mais impostos, e acabará por causar danos irreparáveis. Em especial às economias periféricas, como é o caso da economia Portuguesa, pois representa a perda definitiva da autonomia e da atractividade fiscal de Portugal. Por isso mesmo, é urgente que haja um debate público sobre este tema e o CDS-PP parece ser o único partido disposto a dinamizá-lo.

  1. 1. O que é o “Pillar 2”?

A iniciativa do “Pillar 2” assenta num acordo, promovido pela OCDE, entre 137 países (ao qual Portugal aderiu), para aplicação de uma taxa mínima (efetiva) de 15% de tributação de lucros de multinacionais. Ou seja, pretende-se garantir que as grandes empresas multinacionais paguem um montante mínimo de IRC, em todos os países onde operam.

A medida é, na prática, aplicável a grupos de empresas cujas receitas anuais excedam os 750 milhões de euros (estimando-se, não obstante, que, no futuro, venha a estender-se a todas as empresas, que detenham as suas sedes, sucursais, estabelecimentos estáveis ou filiais numa pluralidade de territórios, independentemente do montante das respetivas receitas anuais).

Assim, se uma dada multinacional não pagar, em cada um dos países em que está estabelecida ou tenha uma afiliada/sucursal, uma taxa (efetiva) de imposto sobre os lucros igual ou superior a 15%, a casa-mãe (“holding”) terá de pagar a diferença no país onde esteja domiciliada. Isto só não acontece se, no país onde se localize a afiliada, esta pague um montante de imposto que garanta a aplicação da taxa mínima (efetiva) de 15%.

  1. 2. A Diretiva para a Tributação de Multinacionais

A proposta da OCDE foi regulada, no âmbito da União Europeia (UE), por uma Diretiva Comunitária[1], cuja transposição (e início de vigência) terá de ocorrer até 31 de dezembro de 2023.

Esta Diretiva estipula que o acréscimo de tributação (até se perfazer o mínimo de 15%, aplicável a todo os lucros da multinacional), terá de ser pago por qualquer afiliada, localizada num Estado Membro, na eventualidade de a “holding” se encontrar localizada num país terceiro que não tenha aderido à referida taxa mínima de IRC (como é o caso dos Estados Unidos da América, cujo Congresso tem tido, aliás, discussões bastante acesas sobre a adoção efetiva do “Pillar 2”[2]).

  1. 3. Quais as consequências negativas para Portugal?

Na prática, para além de representar uma perda de soberania fiscal e da sua transferência para a UE, já que um governo democraticamente eleito em Portugal deixa de ter liberdade para baixar a taxa de IRC para além do limite dos 15%., esta transferência é grave por não ter sido legitimada democraticamente.

Para além disso, a medida ocasionará a perda total da (pouca) atratividade fiscal, que ainda resta a Portugal. De facto, basta que as receitas totais de uma multinacional ultrapassem o limiar de 750M€ (e desde que as receitas obtidas em Portugal fiquem acima de 10M€ e os lucros sejam superiores a 1M€), para que, de imediato, o Estado português seja obrigado a impor o referido imposto complementar sempre que alguma(s) das empresas da multinacional esteja localizada num país que não aplique a taxa mínima de 15%.

Quer isto dizer que, se uma “holding” norte-americana, com uma taxa (efetiva) de imposto inferior a 15%, tiver uma afiliada na República da Irlanda, sujeita a uma taxa (efetiva) de 13% de IRC, e uma (ou várias) afiliadas em território nacional, o Estado português terá, obrigatoriamente, de aplicar um imposto complementar de + 2% de modo a garantir uma taxa mínima efetiva de 15% na UE.

Esta obrigação, que recairá sobre o Estado português, de impor um imposto complementar a multinacionais, fará com que o nosso país deixe definitivamente de ter capacidade de atrair investimento externo de grandes multinacionais, prejudicando o contributo que estas empresas dão ao nosso país em termos de desenvolvimento e criação de riqueza, investimento, exportações, emprego qualificado que constitui uma alternativa sólida para os jovens que pensam em emigrar, e um nível salarial muito acima da média nacional.

Esta é uma capacidade de atração já muito diminuída, em virtude de termos um dos mais complexos e menos competitivos sistemas fiscais do mundo (basta, aliás, ver que, no Índice de Competitividade Internacional [3], Portugal surge na cauda do pelotão, de entre os países membros da OCDE). Isto, para além de termos uma carga fiscal sobre a generalidade das empresas que pode atingir os 31,5% (já ponderadas as derramas estadual e municipal), quando a média dos países da OCDE é de 23.6%.

Assim sendo, afigura-se inevitável que as afiliadas de multinacionais, sediadas em território nacional (assim como grandes grupos económicos portugueses) venham a ponderar deslocalizarem-se para outros territórios, com cargas tributárias mais pequenas, de modo a reestruturarem os respetivos negócios, procurando escapar a esta taxa mínima efetiva. Sobretudo se atendermos ao facto de que uma parte significativa dos incentivos fiscais, atribuídos pelo Estado português, para atração de empresas multinacionais, assenta em deduções à coleta (ou seja, tais deduções acabam por impactar a taxa efetiva nacional de IRC, podendo ocasionar a necessidade de aplicação da taxa mínima de 15% ou a imposição, por outras jurisdições, do referido imposto compensatório)

Esta perda de investimento externo será uma realidade, a breve trecho, já que, como dissemos, a referida Diretiva Europeia entrará em vigorar já em 2024, com custos substanciais em termos de emprego, de investimento, de salários e de desenvolvimento da economia portuguesa.

Por último, a medida da OCDE poderá, ainda, ter um impacto negativo em grandes economias, estimando-se, a título exemplificativo, que, no que se refere aos Estados Unidos da América, a mesma possa provocar um contexto de recessão económica, em virtude de um (estimado) acréscimo de 18% na tributação direta das multinacionais norte-americanas, com redução de cerca de 370.000 postos de trabalho e diminuição de investimento na casa dos 22 mil MUSD[4]. Algo que, dada a dimensão da economia norte-americana, poderá ter um efeito catalisador recessivo a nível internacional.

  1. 4. A posição do CDS-PP

O CDS-PP não pode, face ao exposto, deixar de demonstrar a sua profunda preocupação relativamente aos impactos económicos negativos desta tentativa de eliminar a liberdade e a autonomia de países livres e democráticos com a Diretiva sobre a Tributação de Lucros de Multinacionais.

Não podemos deixar de demonstrar, ainda, a nossa surpresa, pelo facto de este tema não ter sido sujeito a discussão pública e de a medida estar a ser implementada, na penumbra, pelo Governo. A adopção de Portugal desta directiva, sem uma base legitima validada em eleições democráticas e que provocará dados profundos à economia e à sociedade portuguesa, torna muito possível a sua recusa em futuros governos de que o CDS-PP faça parte.

Mesmo sem representação parlamentar, o CDS-PP não deixará de envidar todos os esforços para a defesa do interesse económico de Portugal, e da nossa soberania fiscal, e dar a conhecer junto dos portugueses esta tentativa de aumentar a carga fiscal que já têm de suportar, pois as empresas tratarão de fazer reflectir nos preços praticados os impostos que pagarão a mais.

[1] Diretiva (UE) 2022/2523 do Conselho de 14 de dezembro de 2022 relativa à garantia de um nível mínimo mundial de tributação para grupos de empresas multinacionais e grandes grupos nacionais na UE.

[2]“The Pillar 2 Global Minimum Tax Implications for U.S. Tax Policy”, do Congressional Research Service.

[3] International Tax Competitiveness Index (2022), do Center for Global Tax Policy.

[4] EY “Estimated impacts of Pillar Two and potential policy responses on US domestic economic activity” (Abril 2023).

  • Pedro Costa Monteiro
  • Colunista convidado

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