A política não pode ser uma redoma

A grande reforma que está por fazer nos partidos tradicionais do sistema é abri-los à sociedade civil. É libertá-los dos “esquemas” e “manhas” dos caciques.

Adolfo Mesquita Nunes é um excelente ativo da política portuguesa. É dos poucos representantes da direita portuguesa que não tem pudor em assumir-se como liberal, na economia e nos costumes. Não é um extremista, mas sim um moderado que nunca alinhou com o radicalismo orçamental do tempo da Troika e combate os populismos demagógicos de direita que se têm vindo a desenvolver. Nos tempos em que vivemos, pessoas com estas características são raridades que deveriam ser preservadas pela nossa direita política.

Sinceramente, acredito que foi convidado para ir para a Galp, muito mais pela competência que revela do que propriamente pela influência política que possa exercer. No entanto, a sua decisão de aceitar tal convite levou a que fosse “empurrado” a demitir-se do cargo de vice-presidente do CDS-PP, um partido que não está no poder e que dificilmente chega a 10% de votantes.

Mas este texto não pretende ser sobre Mesquita Nunes. Ele é apenas um exemplo. O que deve merecer reflexão são as causas para o afastamento dos melhores ativos da política. Denunciamos que a política está entregue a famílias, a “jotas” e “carreiristas”. Queixamo-nos de que a política está afastada da sociedade civil e que os partidos tradicionais estão caducos. No entanto, cada vez se colocam mais entraves a políticos “não profissionais” e desligados do sistema. A política partidária está cada vez mais fechada e não vislumbro nada de positivo nisso.

A política paga demasiado bem aos piores, mas é muito mal paga para os melhores. Exige sacrifícios hercúleos, implica cada vez mais a devassa da vida privada. Mas se isto é o preço do escrutínio necessário, pior é o excesso de “puritanismo” sobre quem pode ou não pode estar na política ativa. A ideia propagada por muitos de apontar, permanentemente, conflitos de interesse, alargar excessivamente o leque de incompatibilidades de deputados e impor “períodos de nojo” pós política desproporcionais e incompatíveis com a vida de uma pessoa que não tenha fortuna familiar, não pode dar bom resultado. Por mais bonitas, em teoria, que estas ideias sejam no sentido de tentar evitar “promiscuidades” entre o público e o privado, na prática, levam a que se afaste demasiado talento da política, em especial os que têm carreira (por exemplo, empresarial e de gestão) além da política e pretendem um dia voltar a ter.

Não há soluções perfeitas. Mas, entre o risco de alguma “promiscuidade” e o risco de restringirmos a política a um circulo profissional fechado de amigos, familiares e camaradas, parece-me claramente preferível termos o primeiro. Até porque o modelo fechado presta-se muito mais a abusos. Obviamente que os partidos à esquerda não têm problema em apontar conflitos de interesse em “tudo o que mexe”. Os políticos do PCP são, em regra, funcionários do partido e os do Bloco de Esquerda provêm de atividades pouco ligadas à vida económica e empresarial (basta lembrar que o partido é liderado por uma atriz, como bem se nota pela retórica fluída). Mas só queremos políticos destes? Apesar da pressão mediática que atualmente existe em sentido contrário, cabe aos partidos do centro e da direita assumirem uma visão mais equilibrada sobre o tema.

Como é evidente, ser membro de um poder executivo como o Governo tem que exigir exclusividade e uma declaração de interesses completa. Mas é fundamental que não se alargue demasiado e de uma forma genérica, por exemplo, o leque de incompatibilidades dos deputados. Um parlamento deve tentar ser o mais representativo possível da sociedade e a política é um exercício de permanente tensão entre diferentes visões e tendências, na esperança que daí resulte o que melhor servir o interesse público. Não é suposto ser uma redoma sem pressões e até sem potenciais conflitos de interesses. Além disso, um conflito de interesses não deve ser uma coisa genérica pelo exercício de um cargo ou de uma profissão, mas sim algo que se afere perante uma qualquer situação concreta.

A grande reforma que está por fazer nos partidos tradicionais do sistema é abri-los à sociedade civil. É libertá-los dos “esquemas” e “manhas” dos caciques e é aceitar que pode haver espaço para quem não é “nascido e criado” dentro do sistema partidário.

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