A riqueza e a felicidade dos países

Será que nos países mais ricos as pessoas são mais felizes? A evidência que temos parece indicar, de forma geral, que sim. Quanto mais rico um país, maior a felicidade média reportada pelas pessoas.

A recente publicação, pelas Nações Unidas, do Relatório Mundial sobre a Felicidade, na sua edição de 2017, voltou a chamar a atenção do público para a existência desta relação. Cinco dos países que ocupam as dez primeiras posições pertencem ao norte da Europa (países que, verdade seja dita, além de ricos, têem níveis baixos de desigualdade), enquanto os últimos lugares são ocupados exclusivamente por países africanos.

Note-se que o índice de felicidade elaborado no âmbito deste relatório, um indicador composto a partir do qual o estudo é realizado, toma em consideração, para além do PIB per capita (income), cinco outros fatores: o apoio social prestado pela comunidade (caring), a liberdade para tomar decisões (freedom), a generosidade, medida pelos vários tipos de doação que as pessoas fazem (generosity), a honestidade e confiança, medida pela perceção de ausência de corrupção (honesty) e a esperança média de uma vida saudável (health). Todos os dez países classificados nos primeiros lugares obtiveram as mais altas notações nestes seis fatores, o que é bastante significativo. De notar que a desigualdade não aparece de forma explícita, por não existirem dados internacionais comparáveis. No entanto, alguns economistas que estudam estes assuntos há anos e estão associados ao relatório, nomeadamente Richard Laylard e Jeffrey Sachs, são do ponto de vista de que é um determinante importante.

Embora a primeira edição deste Relatório tenha surgido em 2012, pelo menos desde há cerca de dez anos que vários investigadores já haviam mostrado a existência desta sólida relação entre a riqueza e a felicidade. O seguinte gráfico, construído a partir dos resultados obtidos no Inquérito Mundial de Opinião realizado pelo Instituto Gallup (também utilizado pela publicação da ONU), aponta nesse sentido (Deaton, 2008):

 

Mas se esta relação se observa à escala mundial entre países, também se verifica dentro de cada país. Aliás o relatório saído este ano enfatiza bem que 80% da variação de felicidade acontece dentro dos países, e não entre diferentes países. Em quase todos os países (com exceção de um único, no qual os rendimentos até poderão estar mal medidos), existe uma correlação positiva entre rendimento obtido e o grau de satisfação sentido pelas pessoas (Stevenson & Wolfers, 2008):

 

De qualquer modo, é interessante notar algumas diferenças entre os países. Por exemplo, como se pode ver no gráfico seguinte (Inglehart et al, 2008), a perceção do nível de bem-estar (Subjective Well-Being – SWB) em Portugal é bastante inferior ao de países muito mais pobres:

A percepção do bem-estar é aqui medida através de inquéritos em que as pessoas respondem a perguntas do tipo: sente-se satisfeito com a sua vida? A conclusão é que existem algumas variáveis determinantes para o bem-estar – possivelmente de natureza cultural – que fazem com que as pessoas tenham tendência a sentirem-se mais infelizes em Portugal do que noutros países muito mais pobres. Na América Latina parece acontecer o contrário, sendo elas e eles mais felizes do que simplesmente o rendimento por pessoa levaria a sugerir. E ainda por cima é de notar que muitos desses países têm níveis de desigualdade muito altos – basta pensar no Brasil. E apesar disso são bastante felizes. É isto que alguns economistas designam por “efeito salsa”.

Da observação deste gráfico, retiramos também a conclusão que a distância de bem-estar da Europa do sul, relativamente a países do norte da Europa (como o Reino Unido, a Finlândia, a Holanda, a Noruega ou a Dinamarca), é ainda maior do que a sugerida apenas pelas diferenças de rendimento. Portugal fica especialmente mal na figura, como já tinha observado há alguns anos José Tavares. De notar que neste gráfico a Grécia consegue estar ainda pior que Portugal, enquanto que quase todos os países da América latina – incluindo o Brasil – reportam níveis médios de felicidade superiores aos dos Portugueses ou Gregos, apesar de serem bastante mais pobres. No relatório que acabou de sair, Portugal ainda consolidou mais a sua posição face à Grécia (ver a página 21 deste link), o que não é surpreendente para quem esteja a par do impacto muito mais brutal da crise, cortes e “austeridade” na Grécia.

Os países do sul da Europa, são, portanto, mais infelizes que os da América latina, apesar de mais ricos, e no geral menos desiguais. Mas podíamos estar ainda pior – no caso dos países da Europa do Leste, o efeito negativo parece ser ainda mais forte. Com o fim do Homem Soviético, para parafrasear Svetlana Alexievich, muitos das gerações mais velhas nestes países parecem ter perdido a sua identidade, contribuindo para problemas que se manifestam em problemas como, por exemplo, taxas de alcoolismo excepcionalmente altas.

É importante que, em Portugal, olhemos para trás e reconheçamos os enormes progressos que o país fez nos últimos 65 anos. É falsa a ideia generalizada de que as coisas nunca estiveram tão mal. Mas um elemento que estes gráficos não capturam são as projecções das pessoas sobre o seu futuro, e o das suas famílias. E é aqui que os Portugueses têm razão em estar ansiosos. Há 17 anos que o país não vai a lado nenhum, e não há expectativas de isto vir a mudar a médio prazo.

P.S. Quem quiser perceber porquê, deve começar por ler o livro “Crise e Castigo”, seguido de “Poupança e financiamento da economia portuguesa”.

Referências:

Deaton (2008). Income, Health, and Well-Being around the World: Evidence from the Gallup World Poll. Journal of Economic Perspectives, 22, 2, 53–72.

Stevenson B, J. Wolfers (2008). Economic Growth and Subjective Well-Being: Reassessing the Easterlin Paradox. Brookings Paper Econ Activ (Spring):1–87.

Inglehart, Foa, Peterson, and Welzel (2008). Development, Freedom, and Rising Happiness: A Global Perspective (1981–2007). Perspectives on Psychological Science, 3, 4, 264–285.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico

  • Senior Lecturer (Associate Professor), Department of Economics, University of Manchester

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

A riqueza e a felicidade dos países

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião