A teoria do centro não pode ser mainstream

A União Europeia precisa de uma nova agenda de políticas sociais, de mais orçamento, da eleição direta do Presidente e da constituição de um Governo que possa emergir do Parlamento Europeu.

Talvez seja uma batalha perdida – Munchäu articulista do Financial Times disse-o: as teses centristas perderam o combate político e são castigadas por terem deixado de lado a igualdade e a defesa dos ‘perdedores’ da globalização como um elemento central das suas políticas.

A tese é, à esquerda e à direita, a de que só a marcação de espaço nos extremos permitirá à social-democracia sobreviver, e que depois do colapso da democracia-cristã, só desenterrando o regresso do Estado à economia e a regulamentação do mercado permitirá defender os socialistas de realidades extremistas ou, de forma mais cândida, não-convencionais.

Quem perdeu o seu trabalho, vive sem transferências sociais, e dificilmente tem segurança no dia-a-dia, não tem tempo para esperar por um futuro risonho prometido pelo comércio internacional globalizado; nem mesmo quando sabe que muitos milhões de seres humanos saíram da pobreza extrema – da fome endémica – como consequência da sua inserção em cadeias de valor globais.

O New Labour de Blair ou Brown, e as teses centristas e sociais-democratas de Schroeder, Guterres, Sócrates ou Zapatero, devem ser substituídas pela defesa dos ‘derrotados’ da globalização. Eis no essencial aquilo que defendeu Munchäu, como têm defendido outros. Procuram um selo de ‘esquerda’ que encontram mais rapidamente em Pablo Iglésias ou Tsipras, que em Hollande, Gabriel, Schultz ou mesmo em Moscovici.

A desigualdade emergente – e esta é evidente – que resulta da concentração de riqueza e da pressão sobre os rendimentos do trabalho na Europa, ou nos Estados Unidos, e mesmo sobre a qualidade do vínculo laboral, parece que só pode ser combatida pelo Estado, e pelos Estados-nação, o que remete para o discurso xenófobo da Senhora Le Pen, do Senhor Órban, mas também para os adversários da construção europeia que emergem na extrema-esquerda.

A falta de memória política é uma perigosa ameaça ao projeto europeu, e as políticas deflacionistas e de controlo da despesa pública (corrente e de investimento) defendidas pela ortodoxia monetarista parecem alimentar um processo de confronto que já vimos acontecer nos anos 30. São muitos os que defendem a inevitabilidade das políticas económicas e orçamentais, mas também são muitos os que vislumbram as suas consequências numa Europa que deslaça e que se entrega ao discurso simples – das soluções de autoridade e autarcia – que emergem nos extremos dos arcos parlamentares.

Se a Europa enfrenta um desafio – de sobrevivência – não deixa de ser menos verdade que os partidos do centro que se remetem à política do possível, num discurso de pequenos passos que tardam em produzir resultados, parecem não ser capazes de responder de forma eficaz às questões que se vão levantando. Ao que acresce a perigosa ‘normalização’ do discurso dos extremos que muitas vezes, à direita e à esquerda, quer democratas-cristãos, quer sociais-democratas vão fazendo, contaminando a sua agenda com cedências à agenda dos inimigos da Europa e da democracia.

Para sair desde processo autodestrutivo é preciso ousar sair desta circulo vicioso em que ao mesmo tempo que políticas ineficazes e tardias não dão resposta aos problemas dos Europeus, para consumo ‘doméstico’ a confrontação com as instituições europeias e a lógica da defesa dos interesses nacionais de curto-prazo parece ser a forma mais rápida de suster populismos e a emergência dos extremos.

Os ciclos eleitorais nacionais e a decisão europeia parecem ter pontos de interceção que alimentam os populismos, atrasam as decisões em Bruxelas e Estrasburgo, e reforçam a ideia que a democracia só funciona nos Estados-membros, tomando as lógicas nacionais como refém a agenda europeia. É por isso que é na Europa que os sociais-democratas – a minha família política – podem encontrar uma nova agenda de impulso da solidariedade, da igualdade, da coesão social e da competitividade convergente dos territórios da União.

O modelo intergovernamental – conduzido por diretórios – está esgotado; e um novo impulso é necessário; e só políticos europeus, com respostas para a Europa, para todos os cidadãos, num quadro de verdadeira democracia europeia poderá construir uma nova agenda de prosperidade, combatendo com os valores de sempre os inimigos (também de sempre) do projeto de paz e liberdade que construímos desde o fim da II Guerra Mundial.
Nessa agenda tem que caber uma nova agenda de políticas sociais, no quadro do reforço da capacidade orçamental (e de investimento) da União Europeia e, em particular, da área do Euro, e uma nova ordem institucional que nos leve, no futuro próximo, à eleição direta do Presidente da União Europeia e à constituição de um Governo – a Comissão Europeia – que possa emergir diretamente da votação no Parlamento Europeu.

A promoção de uma Câmara de representação regional – um senado europeu – com um novo reequilíbrio de forças que permita defender de forma transparente os interesses nacionais/regionais pode assegurar um espaço próprio de auscultação e defesa das diferentes regiões da Europa.

A criação de um Tesouro Europeu, com um ministro das Finanças europeu, é um passo necessário, para um reequilíbrio das fontes de financiamento das políticas da União, que precisa de mais recursos próprios, menos dependentes da litigância intergovernamental, e da vontade orçamental de Governos que se ‘entrincheiram’ nas opções nacionais de curto-prazo. Naturalmente com impostos europeus.

Não é uma agenda fácil; mas também não é a agenda dos extremos que querem levantar ‘muros’. É uma agenda para Europa, para os Europeus, para todos. É fundada nos valores dos partidos do centro – sociais-democratas e democratas-cristãos – e não é uma agenda do mainstream da pequena política europeia. É preciso ousar; ou caminhamos para a irrelevância do processo político que construímos durante duas gerações e que vemos claudicar por falta de capacidade política. Os extremos continuarão a crescer enquanto não formos capazes de avançar com uma agenda própria.

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