A teoria do papel higiénico

Houve uma corrida ao papel higiénico nos quatro cantos do mundo e as explicações que lemos são as mais variadas.

Nunca me tinha passado pela cabeça juntar as palavras teoria e papel higiénico, mas os tempos são estranhos e, portanto, aqui dedico um pequeno texto a um tema que também é discutido globalmente. O porquê das corridas ao papel higiénico, que nos chega dos quatro cantos do mundo? Tenho amigos e conhecidos nos Estados Unidos, Japão, China, África do Sul e em muitos países da Europa. Quase em todos os contactos que com eles estabeleci, esta questão foi abordada, sobretudo pela perplexidade que gera. Não temos vacina para o novo coronavírus e, quase tão perturbador, não temos explicação para tal fenómeno.

As tentativas de explicação não deixam, no entanto, de proliferar um pouco por todo o lado, e o tema é terreno fértil para ‘posts’ e ‘cartoons’ que inundam diariamente as redes sociais, o que até faz sentido. Se não temos papel higiénico, é preferível fazer uma piada do que sofrer com isso.

As explicações que lemos são as mais variadas. No início circulava a versão de que o papel higiénico era maioritariamente produzido na China e como o país estava a parar as suas fábricas iríamos ficar sem acesso a esse produto. Outras versões defendiam que o maior consumo era devido a ser usado para assoar o nariz. Outros ainda defendiam que o papel higiénico se insere num conjunto de produtos que transmite segurança e, que por isso, o impulso emocional para a sua compra era mais intenso.

Quem já trabalhou em logística e em cadeias de fornecimento conhece a expressão “transportar ar”. É este o caso. Um camião TIR que transporte paletes de papel higiénico está a transportar um grande volume, mas não uma grande quantidade, como a que seria se fossem paletes de arroz ou massa. Também por isso os retalhistas tentam comprar os produtos de papel, de baixo valor acrescentado, local e regionalmente pois o custo de transporte de um camião tem muito significado no preço final do produto.

Chegamos agora ao supermercado e aí somos todos especialistas. Dirigimo-nos ao corredor do papel e ali, como em qualquer outra área, está definido o espaço que cada produto ocupa. Esse espaço é de forma simplista aquele que resulta da procura normal desse produto. Um produto que é vendido não em embalagens unitárias mas sim em packs que vão de 4 rolos a uma multidão deles. Esses packs de papel e ar são, no final do dia, os produtos mais volumosos — e leves — que um supermercado vende.

Chega o momento de juntar a ignição do problema: Nós! As notícias, as verdadeiras e as falsas, indicam-nos que vamos ter que ficar em casa e portanto a tendência para comprar mais, mesmo para os que combatem a tentação do açambarcamento, levam os consumidores a concentrar as suas compras nos bens essenciais.

Como o papel higiénico é o produto não alimentar e de uso diário mais vendido no mundo, e mais volumoso fisicamente, um aumento de procura faz com que as prateleiras fiquem, mesmo que momentaneamente, mais rapidamente vazias. A seguir as fotos nas redes sociais e as notícias sensacionalistas, mais as notícias que se fazem sobre as notícias sensacionalistas, fazem o seu caminho e confirmam que o pânico e a insegurança são ainda mais contagiosos que o vírus. De forma muito simplista, é sobretudo uma questão de espaço: O físico e o mental.

Não falta por isso papel higiénico na cadeia de abastecimento e se, um dia, faltar, será um problema que pode acontecer com qualquer outra categoria de produtos, decorrente de uma quebra na cadeia de abastecimento, seja por ausência de matérias primas, seja por ausência de mãos para as produzir ou entregar.

O economista John Kenneth Galbraith, num dos seus livros, “A cultura do contentamento”, explicou que existe uma natural tendência dos consumidores a considerarem que o que é bom para os outros é bom para mim. Não estamos muito longe dessa teoria, mesmo que a apliquemos exatamente ao contrário.

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