A transformação digital do mercado da publicidade em Portugal
O orçamento de marketing das marcas cresceu de forma esmagadora no digital e continuará a crescer ainda mais nos próximos anos.
Quando comecei a trabalhar em publicidade, a minha primeira posição foi como gestor de redes sociais. Mas acreditem, à época, principalmente dentro das grandes agências, a coisa não tinha o charme que tem hoje em dia.
Pode o leitor menos atento, achar que vos falo de uma realidade com 10 ou 15 anos, mas não. Fala-vos de algo que se passou há apenas 5 anos. Acontece que no mundo de hoje, principalmente no universo das marcas, 5 anos são uma absoluta eternidade, em que tudo muda e se transforma. Até mesmo as coisas más.
Se fizermos uma breve pesquisa sobre o peso que o Digital tinha nos budgets das marcas há 5 anos, vamos descobrir algo que muitos de nós acreditamos nem poder ser verdade. Em 2012, o estudo “Digital Marketing Outlook Portugal”, desenvolvido em parceria entre a Karma e a ACEPI, dizia-nos que apenas 15% do orçamento de marketing das empresas inquiridas ia para o digital. Dessas empresas, apenas 30% tinham uma estratégia definida sobre o que fazer no digital.
Perante este cenário, o que é que as agências e os profissionais da publicidade deveriam ter feito? Havia apenas duas alternativas: a primeira passava por investirem em inovação, digitalizarem os processos e renovarem os conhecimentos; a segunda alternativa passava por agarrarem-se aos restantes 85% do budget de marketing das marcas, que continuava a ir para a TV, rádio, imprensa, ativação e outdoor. Foi isso mesmo que fizeram.
Acontece que em 2012 vivíamos o pico da crise financeira portuguesa. Logo, o natural era que as agências e profissionais se agarrassem à sua própria sobrevivência. O problema dos mercados em crise é precisamente não terem a capacidade de pensarem além daquilo que é imediato. No entanto, em publicidade, bem como no marketing em geral, não há outra hipótese que não estar sempre onde está a inovação. Foi isso, a par da enorme fuga de talentos, da não renovação geracional dos dirigentes das agências e da própria diminuição abismal dos budgets de marketing, que ditou muito do atraso que a nossa indústria criativa ainda vive hoje em dia.
Lembro-me de um episódio que retrata bem essa época. Quando comecei a trabalhar nessa agência, fomos a um concurso de social media de uma marca grande e ganhámos. No entanto, como essa marca não me iria ocupar todo o meu tempo, os meus chefes decidiram que seria interessante colocarem-me também a trabalhar diretamente com as duplas criativas do chamado above the line. O processo era relativamente simples: a dupla criativa recebia o briefing, pensava num conceito criativo, aprovava com os diretores criativos e depois eu entrava para os ajudar a materializarem esse conceito nas há época chamadas de “medias digitais”.
Num desses trabalhos, já não me lembro para que cliente, fui ter como uma dupla que me tinha calhado na rifa. Eles explicaram-me o conceito criativo que já haviam aprovado, a ideia para os meios tradicionais e a forma como pensavam aplicá-la nas redes sociais. Lembro-me que o conceito até era engraçado, mas expliquei-lhes que não fazia sentido a forma como estavam a fazer a transposição para o digital — por e simplesmente, porque não iria ter impacto junto dos consumidores que a marca estava a querer atingir. Dei-lhes então algumas sugestões e ficámos de falar melhor sobre o tema no dia seguinte e apresentar as novas ideias aos diretores criativos.
Quando no outro dia cheguei à agência, já eles tinham ignorado as minhas sugestões, insistido nos seus erros e ido aprovar tudo com os responsáveis criativos. Bem, posto isto, tive que ir eu reunir com os diretores criativos e explicar-lhes o porquê daquela ideia não fazer qualquer sentido no digital. Resultado? A minha execução foi para a frente, mas tive que levar com um discurso moralista, por parte da dupla criativa, sobre como tinha agido mal, como eles eram os donos da ideia e como os criativos da media tradicional eram mais importantes do que os “criativos do digital”.
Obviamente que tudo mudou nestes 5 anos, incluindo a maioria das mentalidades deste setor. Hoje a publicidade já não é só divulgar um produto ou serviço de forma criativa. Hoje, para uma marca ser relevante para o seu consumidor, deve focar a sua comunicação em três eixos absolutamente primordiais: data, design thinking e entretenimento. Ou seja, explicando de uma forma muito redutora o meu ponto de vista: uma marca deve conhecer pormenorizadamente os comportamentos dos seus consumidores, deve criar uma experiência de consumo absolutamente relevante para os mesmos e, por fim, deve criar um conteúdo publicitário tão forte e interessante que seja capaz de rivalizar com o próprio conteúdo produzido pela indústria do entretenimento.
Mas como é o mundo de hoje a nível do investimento? O orçamento de marketing das marcas cresceu de forma esmagadora no digital e continuará a crescer ainda mais nos próximos anos. A crise passou e a retoma ditou um novo crescimento do investimento publicitário, que nos últimos anos se situa sempre perto dos 2% ao ano. No entanto, não é um crescimento de 2% ao ano que fará com que o mercado português da publicidade volte a ter o protagonismo que teve noutros tempos.
Mas então o que fará? Desculpem-me este parágrafo de clichés: Lisboa é hoje a capital mais cool da Europa; o nosso ecossistema de startups cresce a olhos vistos e goza de reconhecimento internacional; ao aumento do turismo potencia também a fixação de investidores, grandes empresas e talentos; a vinda de grandes eventos como o Websummit para Portugal faz com que grandes empresas tecnológicas se queiram instalar cá; e por fim, somos um país barato, bonito, com um grande clima e com tudo por construir.
Então, qual a razão das agências de publicidade portuguesas não olharem para fora? Lisboa tem tudo para se tornar, a curto prazo, na capital europeia da inovação e da criatividade. Acreditem, esta é a única possibilidade, a par do turismo, que temos para salvar o nosso país e do colocar definitivamente na rota do crescimento sustentado.
É óbvio que a agricultura e a indústria continuarão a gerar riqueza para o país. Mas será que continuarão a gerar empregos? Duvido muito. Ora vejamos, quem teve a oportunidade de folhear o caderno de economia do Expresso da semana passada, foi confrontado com uma excelente peça sobre a forma como a inteligência artificial e a robótica irão acabar com muitas das profissões que existem hoje em dia – muitas destas profissões vão desde várias especialidades médicas, até várias profissões industriais e outros mais burocráticas e de atendimento ao público.
Mas acham que este futuro está longe? Aqui estão os dados retirados dessa mesma notícia: segundo o Fórum Económico Mundial os avanços na robótica colocarão em perigo cinco milhões de empregos até 2020; a Ernest & Young estima que em sete anos um em cada três empregos possam ser substituídos por tecnologia inteligente; a Universidade de Oxford diz que 47% dos empregos que hoje conhecemos estão condenados a desaparecerem em 25 anos; e por fim, a consultura CB Insights avança que a automação e a robótica colocarão mais de 10 milhões empregos em risco no prazo de cinco a dez anos.
Sabem o que isto significa não sabem? Ou Portugal muda o chip na forma como organiza e prioriza o seu tecido empresarial, ou então, estaremos seguramente em maus lençóis daqui a poucos anos.
A economia e a sociedade precisam rapidamente de uma verdadeira transformação digital. O mercado publicitário português obviamente que não é imune a essa necessidade. Mas posso até ir mais longe: saibamos nós renovar os nossos conhecimentos, atualizarmo-nos e transformarmo-nos e temos um grande futuro pela frente.
A internacionalização do mercado português da publicidade está nas nossas mãos. Esta é a oportunidade de voltarmos a ter um mercado dinâmico, inovador e competitivo. Esta é uma oportunidade única, que temos a obrigação de não desperdiçar.
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