A última oportunidade da banca

Depois dos erros cometidos no passado recente, os bancos têm mais uma oportunidade para cumprirem a sua função no desenvolvimento económico.

A estagnação da economia e a ainda difícil situação dos bancos portugueses é, em grande medida, o resultado dos erros cometidos durante décadas na atribuição de crédito. Académicos e jornalistas têm publicado diversos trabalhos sobre esses erros, a sua natureza e as suas consequências para a economia portuguesa.

No entanto, não estou certo que os bancos e os reguladores estejam conscientes da responsabilidade que têm pela situação em que se encontra a economia portuguesa. A humildade, apesar de todas as humilhações a que foram sujeitos nos últimos anos, se existe nos responsáveis daquelas instituições, não é muito visível.

E qual é a responsabilidade dos bancos na crise da economia portuguesa? Os bancos, que se desenvolveram extraordinariamente desde os anos 90, levando muitos a considerá-los dos melhores do mundo, tiveram acesso a montantes bíblicos de crédito. As capacidades que desenvolveram nos anos 90, associadas ao contexto de integração no euro, ajudaram os bancos a captar biliões de euros. Este crédito constituiu uma oportunidade única para suprir as necessidades de capital que se faziam sentir desde os anos 80. Se o crédito tivesse sido bem aplicado, a economia teria crescido mais.

A fase de intensa urbanização e construção de infraestruturas e o crescimento da classe média, bem como um conjunto de políticas públicas, criaram incentivos para que os bancos dirigissem o crédito para a habitação, para os sectores da construção, do imobiliário e do comércio. Em 2000, o crédito a esses sectores representava cerca de 80% do crédito bancário total da economia. Em 2005, ultrapassava 85% do crédito total.

O risco é inerente à atividade das instituições financeiras e uma parte das suas aplicações está condenada a falhar. No entanto, quando 85% do crédito está concentrado em sectores não transacionáveis, que dependem apenas da dinâmica da economia nacional, o risco das aplicações aumenta. Quando as aplicações se concentram em sectores em contração como a construção (passou de um peso de 8% no PIB em 2000 para os atuais 3%) o risco das aplicações é ainda mais elevado.

A banca portuguesa respondeu a incentivos de curto prazo, em muitos casos estimulada por decisões políticas erradas, e dirigiu o crédito para sectores com fraco potencial de crescimento. Essa opção tornou o acesso aos mercados financeiros internacionais numa enorme oportunidade perdida.

O resultado foi o mais longo período de baixo crescimento da economia portuguesa nos últimos 100 anos. Desde o ano 2000, o crescimento da produtividade praticamente estagnou refletindo o bloqueio à transformação estrutural da economia. As políticas económicas e o crédito continuaram a dirigir-se para os sectores não transacionáveis, quando deveriam ter favorecido um crescimento mais rápido dos sectores transacionáveis. Esta opção dos decisores políticos e das instituições financeiras pode ficar na história como um erro estratégico de grandes proporções.

Os bancos e o desenvolvimento económico

Em todas as histórias de desenvolvimento económico de sucesso os sistemas financeiros ocuparam um lugar central. As elevadas taxas de investimento e de crescimento – como as da Europa do pós-Segunda Guerra Mundial e no Leste Asiático ou na China – só foram possíveis através da canalização de recursos pelos sistemas financeiros para os sectores mais dinâmicos e competitivos. Infelizmente, como vimos, nas últimas décadas o sistema financeiro português não teve a capacidade de cumprir aquele papel.

Findo o período de crédito abundante, numa economia das mais endividadas do mundo e com uma taxa de poupança muito baixa, o sector financeiro tem mais uma oportunidade – talvez a última – de cumprir o seu papel no desenvolvimento do nosso país.

O aumento do peso das exportações no PIB e os históricos excedentes da balança comercial dos últimos anos são sinais de que está em curso a alteração estrutural da economia.

Terá a banca a capacidade de acelerar o processo de transformação sectorial, fazendo fluir os recursos (agora escassos) para os sectores com maior potencial de crescimento? Terá a banca a capacidade, entre as empresas muito endividadas, de distinguir as inviáveis daquelas que têm condições para uma recuperação sustentável?

O sucesso da restruturação sectorial a favor dos sectores transacionáveis vai depender da resposta que os bancos derem àquelas duas questões.

Os bancos têm assim mais uma oportunidade para cumprirem a sua função no desenvolvimento económico. O incentivo que têm não é pequeno, dado que a recuperação da economia é uma condição para a sua sobrevivência.

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