Agenda do Trabalho Digno e princípios constitucionais estão em (des)sintonia
Sem deixar de reconhecer a importância dos valores que estiveram na génese da Agenda do Trabalho Digno, certo é que [a redação está] em violação de princípios constitucionais.
Quis o legislador alterar a redação de alguns preceitos legais do Código do Trabalho com o intuito de salvaguardar valores como a promoção do emprego e da sua qualidade, a redução da precariedade e a conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar.
Fê-lo, com o importante objetivo de assegurar o respeito pelos valores subjacentes à “Agenda do Trabalho Digno”, muito embora descurando, outros princípios, igualmente, fundamentais e, por sua vez, já limitados na sua execução pela própria Constituição da República Portuguesa.
A notória desarmonia entre o caminho adotado para satisfazer os valores inerentes à “Agenda do Trabalho Digno” e a observância do que subjaz a alguns princípios constitucionais encontra expressão, desde logo, na nova redação do art. 10º (Situações equiparadas), com a introdução do nº3 e no aditado art.338ºA (Proibição do recurso à terceirização de serviços).
O poder, ainda que temporário, conferido ao prestador do trabalho que esteja na dependência económica do beneficiário da atividade, mesmo que inexistindo subordinação jurídica, de se fazer substituir por terceiros na execução da respetiva atividade para o qual foi contratado, – em caso de nascimento, adoção ou assistência a filho ou neto, amamentação e aleitação, interrupção voluntária ou risco clínico durante a gravidez, e durante o período de tempo das respetivas licenças ou dispensas, – colide, desde logo, com o caráter intuitu personae tão característico e essencial a uma relação laboral.
Um contrato de trabalho é celebrado em razão da pessoa do contraente, que influi decisivamente para tal celebração, pois é em função das características pessoais e profissionais do trabalhador que o mesmo é contratado pela empresa para desempenhar a sua atividade.
É precisamente devido ao carácter intuitu personae, – enquanto elemento característico de uma relação laboral, – que a redação dada ao citado n.º3 do art.10º do Código do Trabalho viola o direito fundamental de liberdade de iniciativa económica privada, tal como se encontra consagrado no art.61º da Constituição da República Portuguesa, pois que o beneficiário da atividade passa a estar obrigado a aceitar que a prestação de trabalho seja realizada, ainda que temporariamente e desde que verificadas determinadas condições, por outrem que não aquele que escolheu contratar pelas suas características para integrar a respetiva estrutura empresarial.
O mesmo direito fundamental de liberdade de iniciativa económica privada sai, igualmente, prejudicado com o aditamento ao Código do Trabalho do art.338º-A, que proíbe às empresas recorrer à aquisição de serviços externos a entidade terceira para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato de trabalho tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho.
O poder de escolher a forma jurídica de organização da empresa, o poder de escolher os trabalhadores que passarão a integrar a estrutura empresarial e o poder de escolher os serviços necessários para o seu funcionamento e, por consequência, a faculdade do empregador lançar mão das modalidades de cessação de um contrato de trabalho previstas no Código do Trabalho e que se fundam em motivos puramente objetivos, como são os de mercado, estruturais e tecnológicos e que fundamentam, quer o despedimento coletivo, quer o despedimento por extinção do posto do trabalho, incluem-se no âmbito da liberdade de iniciativa económica privada, conforme vem definida no citado art.61º da Constituição da República Portuguesa.
Pelo que, a proibição do recurso à terceirização de serviços tal como está consagrada no Código do Trabalho consubstancia uma espécie de sanção acessória aplicada aos empregadores que ficam impedidos de “gerir” livremente a sua empresa e orientar o seu negócio em função da estratégia por si definida, se porventura tiverem tido a “ousadia” de se socorrer, ao abrigo da mesma faculdade de gestão, de modalidades objetivas previstas na legislação laboral para o terminus de um contrato de trabalho.
Estamos, pois, perante uma solução legislativa excessiva que, não só viola princípios fundamentais, como o da liberdade de iniciativa económica privada, assim como a liberdade de trabalho, desvirtuando, nessa medida e de forma contraproducente, o que se visou com a “Agenda do Trabalho Digno”, concretamente, a promoção do emprego e da sua qualidade e, bem assim, a redução da precariedade.
Sem deixar de reconhecer a importância dos valores que estiveram na génese da “Agenda do Trabalho Digno”, certo é que o legislador não tomou o percurso mais curial, culminando a redação dada aos referidos artigos do Código do Trabalho com uma violação de princípios constitucionais cujo escopo jamais poderia ter sido desconsiderado como foi, com a consequente inconstitucionalidade e com os efeitos que essa mesma inconstitucionalidade poderá já ter tido, no âmbito de situações ocorridas após 01 de maio de 2023, data de entrada em vigor da Lei 13/2023, de 03 de abril.
Tivesse sido requerida a fiscalização da constitucionalidade das referidas normas antes da respetiva entrada em vigor, poder-se-ia, certamente, ter evitado a aplicação de preceitos inconstitucionais para regulação de relações jurídicas, como, por certo, já aconteceu.
Resta-nos agora verificar por quanto mais tempo contamos com a vigência de normas legais que colidem com princípios fundamentais como o da liberdade de iniciativa económica privada e liberdade de trabalho, conforme se deixou aqui demonstrado.
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