Ao sul o paciente inglês

As férias dos ingleses são pois a preocupação da Nação. As férias da Oposição é que deviam ser o escândalo nacional, como um Rio perdido nas correntes incertas de um qualquer Nilo.

Portugal parece estar dependente da ponte aérea britânica. Em dia de revisão da lista negra, o nervosismo do Governo sobe numa montanha russa vertiginosa. A respiração é suspensa e a pressão diplomática é exercida no limite da indigência. A economia nacional extingue-se no turismo nacional, pois está tão dependente dos ingleses que, a interrupção do fluxo britânico é lido como uma traição aos aliados portugueses. A subserviência, a menoridade, a dependência, o vício de servir à mesa, não conhece vergonha nem limite. A Grã-Bretanha é a salvação do Verão do nosso descontentamento e o segredo para o Progresso imediato da Nação.

Imaginem se o Governo português tem a coragem para colocar os britânicos numa qualquer lista negra. Em termos práticos e numéricos, a gestão da pandemia na Grã-Bretanha tem sido uma catástrofe de incompetência, uma pantomina de ignorância, um thriller político com a ignorância no título. Objectivamente, a Grã-Bretanha tem uma situação covid mais grave do que a de Portugal, com mais casos, com mais mortes, com mais zonas de confinamento. A decisão de permitir a entrada de cidadãos britânicos é a reprodução acrítica de uma dependência económica e política de um país menor face a uma potência maior. Se Portugal tivesse uma brisa de dignidade, seriam os britânicos a estar na lista negra portuguesa.

Mas a política portuguesa é incompatível com a dignidade pois está refém da necessidade. Com zonas do país transformadas para receber turistas, zonas onde os portugueses são um empecilho e uma incomodidade, a questão do vírus versus o peso da libra não se põe nem se coloca – que se vão as almas mas que fique o dinheiro. O dinheiro que será pateticamente mal gasto porque de investimento e de perspectivas de futuro estamos em Portugal conversados por muitos e bons anos.

No caso da Grã-Bretanha, Portugal assume uma postura de dependência e de inferioridade inexplicáveis. O sistema de revisão semanal dos destinos seguros é uma roleta russa que acaba nas têmporas gananciosas dos portugueses e na bolsa dos britânicos que fogem à quarentena no regresso a casa. Acresce que a decisão não está centralizada em Londres, daí a situação actual em que os ingleses estão livres, mas os galeses e os escoceses têm de ficar de quarentena no regresso. Em face deste caos que vigora na desunião do Reino Unido, Portugal envia uma nota diplomática para que o caso português tenha uma “atenção especial”.

Na lógica desta nota diplomática está obviamente a cultura política do favor entre velhos conhecidos. Do mesmo modo que quando um português vai a uma consulta num Hospital Público, tratar de um problema na Segurança Social, resolver uma questão na Repartição das Finanças, conhece sempre um auxiliar que é amigo de um primo que é da terra de um tio que é filho do mesmo pai, mas de mães diferentes. É a marca da paróquia na política internacional, um sucedâneo vistoso para a preferência pela cunha embrulhada nas cores exóticas e vistosas de um D. Rodrigo.

Na Grã-Bretanha existe a convicção cultural que cada britânico tem o direito inalienável a uma semana de Sol numa qualquer estância ao Sul. No Sul, o britânico é tratado com respeito, com atenção e deferência pelos indígenas. Falam uma língua literária, têm um sotaque pleno de charme, gastam horas ao Sol como gastam libras em álcool de todas as qualidades e proveniências. O britânico ao Sul é uma marca da civilização, a prova de uma cultura de lazer, a civilização e o lazer que os portugueses observam e admiram na conta infindável de reservas e de receitas. A fuga dos britânicos para o Sul da Europa tem uma certa nostalgia do Império, as longas paragens estão hoje a duas horas de avião, sem riscos, sem aventura, apenas com um cheque e uma visita a uma agência de viagens. O Império compra-se ao balcão como uma mercadoria e os figurantes nessas Colónias Imaginárias falam em português suave que é uma língua de onde se vê o Mar.

Aberto o corredor britânico, a contabilidade nacional estica-se imediatamente por Setembro, Outubro, Novembro, incluindo no pacote colonial o golf, as caminhadas e o spa. Num sistema de cotações semanais e incertas, a economia nacional do turismo constrói imediatamente projecções irrealistas e fantasiosas. Numa economia monomaníaca e monotemática a imaginação não existe porque é substituída pelo hábito da dependência e pelo gesto do menor esforço. Esta dependência tem o gelo fluorescente que acompanha as cores de um país atrasado.

As férias dos ingleses são pois a preocupação da Nação. As férias da Oposição é que deviam ser o escândalo nacional, como um Rio perdido nas correntes incertas de um qualquer Nilo. A retoma da escola fica na sombra das riscas desmaiadas de um toldo; o regresso ao trabalho é uma competência entregue a ninguém; os números crescentes da covid são a prova acabada de uma “conquista frágil” e uma declaração de impotência; o Primeiro-Ministro brinca no Jardim com o Lego das crises políticas; em Belém o Presidente da República condecora pilotos de automóveis. Portugal tem o ruído de uma piada frouxa no meio de uma comédia triste.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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