As cadeias de abastecimento e a logística de biomassa florestal: a investigação e a tecnologia podem ajudar a torná-las mais sustentáveis?

  • Alexandra Marques
  • 22 Novembro 2019

Alexandra Marques, do centro de Engenharia e Sistemas Empresarias, INESC TEC, Porto, fala na evolução em Portugal a um maior incentivo à utilização de biomassa florestal.

Temos vindo a assistir em Portugal a um maior incentivo à utilização de biomassa florestal, resultado de políticas florestais e energéticas mas também de fomento à bioeconomia e economia circular. Por exemplo, a Estratégica Nacional para as Florestas, e mais recentemente, a legislação nacional especifica do pós-incêndios de 2017, incentivam uma maior utilização de sobrantes da exploração florestal e outros tipos de biomassa atualmente pouco utilizados como os resíduos lenhosos provenientes da gestão dos matos, desbastes e desramas. A legislação energética, como o Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030, incentiva o aumento das fontes energéticas provenientes da floresta, agricultura e dos resíduos, a par de outras fontes de energia renovável, de forma a atingir a meta de 47% de quota de energias renováveis no consumo final bruto, em 2030.

Neste panorama, os fornecedores e os centros de consumo necessitam de biomassa são desafiados a repensar as suas cadeias de abastecimento. Por um lado, para fazer uso da maior e mais diversificada oferta de biomassa, e por outro lado, para satisfazer as necessidades decorrentes do reforço da capacidade de transformação de biomassa. Desde logo para satisfazer o abastecimento das centrais de produção de bioenergia e calor existentes e planeadas. Mas também para alavancar a industrialização dos novos processos de transformação da lignina e celulose em biorrefinarias, em linha com o Plano Nacional para a Promoção das Biorrefinarias. A diversificação do portfolio de produtos obtidos a partir da biomassa – biocombustíveis, biomateriais, têxteis, bioquímicos e plásticos – é um dos pilares do novo paradigma do uso em cascata da biomassa.

A otimização das cadeias de abastecimento e da logística é uma área de investigação multidisciplinar, internacional, no contexto da qual se têm desenvolvido metodologias e ferramentas para apoiar o planeamento das operações e gerar cenários para analisar as diferentes opções de investimento. Neste contexto, o INESC TEC, em colaboração com outros agentes tem desenvolvido um conjunto de linhas de trabalho com vista à sustentabilidade da cadeia de valor associada à valorização dos recursos florestais.

Metodologia para caracterização das cadeias de abastecimento da biomassa florestal

O INESC TEC tem vindo a desenvolver em Portugal uma metodologia para caracterização das cadeias de abastecimento de biomassa florestal assente em dois grandes domínios: 1) a análise de fluxos de biomassa da produção ao consumo e das capacidades de processamento atualmente instaladas e 2) a análise dos processos e sistemas logísticos atuais para recolha, processamento e transporte da biomassa florestal. Esta análise realizada à escala nacional ou regional é baseada numa tipificação das fontes de biomassa florestal que foi construída a partir de referenciais internacionais e consubstanciada nas fontes de informação estatística existente em Portugal. Foi amplamente discutida com os agentes do sector com vista a consolidar informação e a identificar medidas para aumentar a qualidade da informação e sua eficaz divulgação. O diagrama de fluxos resultante da análise, apresenta os balanços globais anuais por tipo de biomassa florestal. A partir deste diagrama é possível desenvolver cenários macro-estratégicos que poderão ser úteis para a definição de políticas e investimentos. Por exemplo, poderá prever-se o impacto, sobre os balanços globais, de alterações na disponibilidade, decorrentes do aumento do volume de madeira queimada, ou alterações no consumo, decorrentes do aumento da procura devido à instalação de novas biorrefinarias e/ou novas redes de produção de calor.

Sistemas Avançados de Planeamento das Cadeias de Abastecimento

Em Portugal, o projecto Easyflow, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, tem-se dedicado ao apoio à gestão sustentável da cadeia de abastecimento da biomassa florestal. No que diz respeito à sustentabilidade económica, o projeto desenvolve ferramentas para os fornecedores de biomassa, de apoio ao planeamento das operações de estilhagem e de transporte da biomassa ao longo do mês. O objetivo é minimizar os custos operacionais como forma de garantir uma maior valorização desta matéria-prima com margens de lucro muito reduzidas para o produtor. Esta ferramenta designada por FORSCOPE – Sistema Avançado de Planeamento das Cadeias de Abastecimento –, desenvolvida pelo INESC TEC, permite uma melhor utilização dos equipamentos disponíveis e a minimização das distâncias percorridas, garantindo o cumprimento dos contratos de abastecimento e atendendo à variabilidade da disponibilidade sazonal e temporal das pilhas de biomassa florestal. Esta ferramenta permite ainda analisar opções de investimento, por exemplo, estimar os ganhos de eficiência decorrentes da substituição ou aquisição de uma nova estilhadora ou o impacto esperado na redução dos custos de transporte decorrente da criação de um parque intermédio para armazenamento, secagem e eventual estilhagem dos resíduos florestais.

O FORSCOPE está preparado para optimizar a logística atendendo à humidade da biomassa florestal e à secagem ao longo do tempo. No momento do corte, o teor de humidade dos tecidos vegetais será da ordem dos 50%. O teor de humidade é a massa de água presente em relação à massa da madeira fresca. Tal significa que, se os resíduos forem transportados para as centrais de biomassa logo após o corte, parte significativa da tonelagem do camião está afeta ao transporte da água que está dentro dos tecidos vegetais. Por outro lado, a valorização deste produto à porta da fábrica também será menor, dado que terá menor poder calorífico. O poder calorífico, medido em MWh/m3, corresponde ao volume de calor libertado numa combustão completa de um volume específico de combustível, depois de subtrair o calor necessário para a evaporação do vapor de água contido no material vegetal. No projeto europeu FOCUS, foram estudados sensores de humidade para estimar de forma expedita o teor de humidade dos resíduos florestais, de forma a definir equações de secagem por local de armazenamento. Num estudo feito na Finlândia, demonstrou-se que os sensores de humidade, quando usados em conjunto com o FORSCOPE, permitem prioritizar o transporte de carga mais seca, originando reduções dos custos operacionais da ordem dos 5%.

No que diz respeito à sustentabilidade ecológica, o projeto Easyflow tem investigado os indicadores mais adequados para monitorizar o impacto ecológico das cadeias de abastecimento florestal. Esses indicadores poderão ser considerados no FORSCOPE, a par com os indicadores económicos. Por outro lado, o projeto tem investigado o potencial de utilização de técnicas de Análise do Ciclo de Vida para quantificar os impactos ambientais ao longo da cadeia de abastecimento. A identificação das operações com maior impacto permite focar futuros investimentos.

A dimensão social da sustentabilidade tem sido abordada através do desenvolvimento de técnicas que promovam a colaboração e a troca de informação entre as várias empresas envolvidas na cadeia de abastecimento de biomassa florestal e que poderão vir a ser utilizadoras do FORSCOPE.

Novos equipamentos, sensores e outras tecnologias da floresta 4.0

Outras soluções para otimização da logística da biomassa florestal poderão passar pelo desenvolvimento de novos equipamentos como por exemplo densificadores para secagem e compactação dos resíduos florestais nos espaços florestais. O princípio subjacente é o da redução do volume e do teor de humidade, conseguindo assim ganhos de eficiência no transporte e no armazenamento, mas também um produto de maior qualidade para os centros de transformação. O projeto BIOTECFOR, liderado pela Forestis está a estudar estas tecnologias com vista ao desenvolvimento de uma prova de conceito, a que se segue o estudo de formas de viabilização económica e comercialização deste tipo de soluções.

Na era digital em que nos encontramos, a automação dos equipamentos e a utilização de sensores ou outras tecnologias digitais serão aspetos chave para conseguir ganhos de eficiência e sustentabilidade nos processos. O novo paradigma da Floresta 4.0, à semelhança da Industria 4.0, assenta no desenvolvimento de soluções integradas, compostas por sensores e por sistemas avançados de planeamento, que potenciam o conhecimento do que está a acontecer no teatro de operações e assim apoiar o planeamento e a tomada de decisão em tempo real. No projeto FOCUS foram estudados vários tipos de sensores embebidos nos equipamentos e nos camiões para localização dos mesmos e também análise da rastreabilidade dos fluxos ao longo da cadeia de abastecimento. Desta forma, será possível monitorizar a produtividade das operações, reafectar equipamentos e até replanear fluxos, de forma a cumprir os contratos de abastecimento.

O desenvolvimento de equipamentos teleguiados ou autónomos é também uma área de investigação em expansão. Por exemplo, o INESC TEC tem trabalhado no desenvolvimento de um robot para a recolha da biomassa florestal. O equipamento incorpora um vasto conjunto de sensores, nomeadamente lasers, que fornecem informação útil para caracterização do espaço florestal envolvente. No futuro, a robotização poderá ajudar a ultrapassar os problemas de escassez de mão-de-obra para as operações florestais.

Em suma, estão em curso vários projetos de investigação com vista a apoiar os fornecedores e centrais de biomassa no redesenho de cadeias de abastecimento num contexto de múltiplas fontes de biomassa e multi-produtos/aplicações, contribuindo para o fomento na utilização da biomassa florestal enquanto pilar da futura bioeconomia. As ferramentas avançadas de planeamento potenciam ainda o planeamento de operações mais sustentáveis pois permitem minimizar os custos logísticos, monitorizar os indicadores ecológicos relevantes e ainda fomentam a colaboração e troca de informação entre os agentes envolvidos na cadeia de abastecimento. Os sensores e outras tecnologias digitais, quando combinadas com os sistemas avançados de planeamento, permitem a monitorização das operações e apoiar a tomada de decisão em tempo real. Novas parcerias e novos modelos de negócio poderão emergir para a comercialização destas soluções. O envolvimento dos agentes do sector é um aspeto fulcral para garantir a adequabilidade das soluções propostas e potenciar a transferência de conhecimento.

  • Alexandra Marques

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