
As já habituais super greves na CP
Há direitos conflituantes e estas ações sucessivas de campanha do PCP impactam mais nos utilizadores do que nas empresas.
Devo começar este texto por realçar a relevância e a importância do direito à greve. É, sem dúvida, uma das grandes conquistas que abril ofereceu aos trabalhadores portugueses. Acho que para todos deve ser claro que em relações laborais inerentemente desiguais e desniveladas, a greve se pode afigurar como uma das únicas formas de reivindicação ou de luta por aqueles que trabalham.
Contudo, e feita a declaração inicial, como em quase todos os direitos, há limites. Há, no fundo, interseção de interesses ou de jurisdição de vários direitos distintos. O direito à greve não é exceção. Pode conflituar com outros direitos que também consideramos essenciais: ao trabalho, à deslocação, ao ensino, aos cuidados de saúde. Não é um direito absoluto e há até áreas onde facilmente concordamos que não pode haver direito à greve, como no caso dos militares ou das forças de segurança. É até recente a possibilidade da sindicalização das polícias, sendo ainda hoje tema de debate.
Bem, acho que com isto é justo considerar que há margem para discussão sobre a forma como o Estado lida com as consequências das greves ou com a sobreposição de direitos. Aquilo que temos assistido na CP há muito tempo – novamente, nesta última semana -, bem como aquilo que assistimos durante anos nas escolas públicas já nos devia ter levado a agir.
A greve visa naturalmente prejudicar a entidade patronal, causar dano e nivelar a mesa das negociações. No fundo, tornar a disputa justa. É uma demonstração de força nobre, por vezes feita com custos também para o trabalhador. O significado da greve torna-se menos nobre quando os prejudicados são única e exclusivamente os utentes, como acontece agora no caso da CP ou nas escolas públicas. Torna-se até quase imoral quando tendem a ser os mais pobres. Uma luta laboral para nivelar posições pode desnivelar a sociedade quando há direitos conflituantes em causa.
Aquilo que acontece com estas greves da CP, como muito interessantemente ouvi o Luís Aguiar-Conraria notar no “Fora do Baralho”, da Rádio Observador, é que com forte probabilidade a empresa é até beneficiada com a greve. A maioria dos passageiros diários tem passe, logo o ganho marginal de circular é próximo de zero, somando o facto de que se deixa de gastar eletricidade, diesel e se poupa em salários. Algo semelhante acontece nas escolas públicas. A greve tem efeitos práticos discutíveis, prejudicando os utentes do quotidiano que ficam sem estudar ou trabalhar – outros direitos dos portugueses.
Sempre torci o nariz à proposta antiga da IL de devolver o dinheiro dos dias em greve aos clientes com passe mensal. Hoje não tenho dúvidas que é uma medida essencial para repor alguma penalização à empresa. Até digo mais, a CP tem de ser responsabilizada, de alguma forma, pelos custos em que os utilizadores incorrem ou pelos rendimentos que estes deixam de ganhar. Não pode continuar a imputar o custo totalmente aos clientes, é desproporcional.
Nesta greve, não consigo conceber que o Tribunal Arbitral tenha achado que não havia necessidade de serviços mínimos, que não tenha percebido que milhares de pessoas ficavam sem conseguir circular, que entupiria estradas e sobrelotaria os já sobrelotados restantes meios de transporte. Digo mais, não consigo conceber greves no setor dos transportes sem serviços mínimos e talvez a lei devesse prever essa obrigatoriedade.
No fim, fica a sensação que, em Portugal, no setor público se convocam greves como quem pede um bitoque. É mais um, menos um. Nas escolas são à sexta-feira, porque o que seria fazer-se greve sem aproveitar um fim de semana prolongado. Na CP, vemos as artimanhas todas: greves convocadas por sindicatos e funções diferentes para diferentes dias, para garantir mais caos com menos custo para os grevistas; greves parciais às horas da manhã para provocar apenas serviços mínimos de manhã e transtornos o dia todo. A criatividade não tem fim.
Em Portugal ganha-se mal, as condições não são boas, mas é assim em todos os setores. É estranho serem sempre os mesmos que, com tanta leveza, avançam para a greve. Porque será que na Fertagus, nos colégios privados ou no Hospital da Trofa não é assim? Talvez tenham melhores condições e mais facilidade negocial. Talvez o privado não seja um bicho de sete cabeças.
Tenho pena que esta greve tenha continuado a mostrar o afastamento de muita da opinião publicada face ao país real. A tábua rasa que muitos fizeram do tema ou o fundamentalismo com que encararam a simples discussão do que fazer em casos como este demonstra que o uso de transportes públicos é algo distante. Enquanto um dos utilizadores que ficou apeado, agradeço àqueles que não esqueceram o tema e não ignoram o que se vai passando no país.
Terminada a greve, espero que consigamos refletir com sensatez sobre o tema. Perceber que há direitos conflituantes e que estas ações sucessivas de campanha do PCP impactam mais nos utilizadores do que nas empresas. As hipóteses são algumas, mas serviços mínimos obrigatórios e a realocação do custo da greve à empresa podem tanto nivelar as balanças como retirar parte do interesse em tanto reincidir no uso do último recurso – o abuso da greve.
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