As migalhas do poder de Costa

Ninguém busca nem deseja realmente uma mudança. Já não é o poder que se busca nestas eleições, são as suas migalhas.

Depois de uma legislatura, quem exerce o poder sofre erosão, desgaste, e, tradicionalmente, na comunicação política a palavra-chave para a oposição é «Mudança». Curiosamente, nesta campanha eleitoral pobre, cansativa e sem qualquer novidade e rasgo (com a excepção dos “outdoors” da Iniciativa Liberal), essa palavra não aparece em lado nenhum nem na boca de ninguém como tive a oportunidade de destacar há umas semanas no “Expresso da Meia-Noite”, na SIC-Notícias.

Surpreende um observador que cria a percepção que está tudo conformado com a mais que evidente vitória de António Costa, que só aguarda nesta tranquila caminhada para a sua primeira vitória em legislativas, pelo veredicto dos portugueses quanto a outorgarem-lhe uma maioria absoluta ou obrigarem-no a novo bailado de acordos seja com o BE (o que ele menos deseja), com PCP ou o PAN que crescerá imenso dia 6 de Outubro após umas europeias em que já foi o quinto maior partido em muitos distritos, ora à frente da CDU ou CDS. A angústia do centro-direita que vive um confrangedor momento, com indicadores para o PSD de 15 a 20 por cento nos grandes centros urbanos, nomeadamente Lisboa, revela uma descrença completa no regresso ao poder, sentindo-se nos principais líderes, Rui Rio e Assunção Cristas, um abúlica e insípida energia vital incapaz de atrair os indecisos e, até em muitos caos, as próprias tropas que parecem desmobilizadas, especialmente nos sociais-democratas onde o processo de elaboração de listas ligou um chuveiro de água fria numa máquina que em combate é profissional e eficaz no terreno.

Uma das incógnitas de 6 de Outubro é ver se Rui Rio ficará na história como o responsável da reorganização desse espaço. Se o resultado for humilhante, não bastará enterrar o homem que venceu no Porto e tinha a imagem de senhor das contas certas, apesar de nunca ter construído a imagem de candidato forte a primeiro-ministro, e escolher uma nova cara, pois os efeitos de uma catástrofe serão demolidores para a marca PSD. Se o resultado for superior ao que rezam as sondagens, pode ter a tentação de se agarrar à cadeira da São Caetano e tentar até encenar uma grande coligação como na Alemanha com António Costa que tantas vezes elogiou quando era autarca da Invicta e que, no seu âmago, deseja. Estudos de opinião, esses, que têm muita dificuldade em retratar os novos partidos que se apresentam nas urnas: Aliança, Iniciativa Liberal e Chega. Acredito que dois deles, e mesmo o Livre, podem eleger deputados, o que seria um factor relevante no Parlamento e uma esperança para estes neófitos crescerem no futuro.

Será curioso também acompanhar a provável última noite de combate de Jerónimo de Sousa. Um político íntegro, honesto, sério, com tantas cicatrizes, que tanto deu ao PCP. Um partido que tende a minguar, o que mais perdeu por ter ungido a Geringonça e ter suportado o PS durante 4 anos. Enquanto isso, o Bloco de Esquerda, agrupamento de pequenos partidos no passado, criava as suas estrelas, tornava-se moda para um segmento da esquerda urbana atraída por políticas mais disruptivas e consolidava e crescia a sua apetência para um partido de poder que é o que quer ser, e ter, no próximo ciclo político. Porém, tudo vai depender de António Costa que mesmo em maioria no passado conseguiu construir pontes com outras forças partidárias como o fez na Câmara de Lisboa. Contudo, a verdade é que parece que está tudo à espera das cartas que distribuirá o líder do PS, ninguém busca nem deseja realmente uma mudança. Já não é o poder que se busca nestas eleições, são as suas migalhas. Costa agradece o miserabilismo na ambição dos outros líderes. E sorri com tal espectáculo deprimente.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

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