As taxas de juro e os ratings da DBRS

Este é o quinto artigo de um conjunto de análises à proposta de OE2017 no âmbito do acordo do ECO com as universidades do Minho, do Porto e de Coimbra, com a marca ECO da Academia.

De acordo com as projeções do orçamento de 2017, os juros da dívida pública representarão 4,3% do PIB do próximo ano, o valor mais elevado da zona Euro. Uma subida das taxas de juro pode facilmente colocar em causa a execução orçamental. Atualmente as taxas de juro são fortemente condicionadas pela intervenção do BCE no mercado e dependem em última instância do rating atribuído pela DBRS.

A DBRS decidiu hoje manter os atuais ratings das dívidas de longo prazo (BBB) e de curto prazo (R2) emitidas pelo Estado português.

A importância desta decisão por parte de uma agência relativamente desconhecida (de origem canadiana) prende-se, em primeiro lugar, com o facto de por um lado ser a única agência a manter o nível de “investment grade” para a dívida pública nacional (nas agências mais conhecidas a Fitch manteve em Agosto o nível de “lixo” BB+, confirmado em Agosto pelas suas congéneres Standard & Poor’s também com BB+ e Moody’s com Ba1).

Em segundo lugar, pelo facto de a política de aquisição de ativos por parte do Banco Central europeu (programa PSPP-Public Sector Purchase Programme) exigir a existência de “investment grade” para os ativos a adquirir. A manutenção da dívida nacional ao alcance do programa de PSPP é visto habitualmente como um seguro contra uma subida das taxas de juro. Recorde-se que o rating de BBB da DBRS é o quarto nível numa escala de 1 a 9 (antes de incumprimento) e o último antes da entrada na zona crítica de “non-investment grade”, onde se encontram por exemplo Chipre (no nível 6, ou B) e a Grécia (no nível 8, ou CC).

Uma eventual alteração em baixa da notação de risco da DBRS teria consequências potencialmente muito negativas para a confiança na dívida pública nacional, para as taxas de juro das obrigações do Tesouro (OT) português e potencialmente para a capacidade de financiamento autónomo do Estado português nos mercados internacionais de dívida. É de recordar que o acesso ao financiamento externo foi perdido em fevereiro de 2011 e reconquistado a muito custo em janeiro de 2013 após uma ausência de dois anos e na sequência da confiança internacional criada durante o processo de ajustamento introduzido pela troika.

Saliente-se que as taxas de juro nacionais chegaram a atingir valores máximos de mais de 17% antes de iniciarem um processo de descida para um mínimo de cerca de 1,7% nos primeiros meses de 2015, a que se seguiu uma subida gradual para os atuais cerca de 3,2%.
Em termos comparativos, enquanto as OT nacionais apresentavam um rendimento de 3,26% (valor no final de setembro), registando Chipre e a Grécia, respetivamente, 3,62% e 8,34%.

A análise da relação entre os ratings da DBRS e as taxas de rendimento das obrigações soberanas sugere que o caso português poderá ser um caso particular, com um prémio de risco superior ao que é sugerido pelo seu rating. Chipre, com um rating dois níveis inferior, tem um prémio de risco apenas cerca de 0,4 pontos percentuais superior.

Por outro lado, considerando as três agências principais, para mais de 100 países, em apenas 9 casos há discordância de classificação entre “investment grade” e “non-investment grade”. Para essas três agências a dívida de Portugal é classificada como “non-investment grade”. Já a DBRS diverge apenas das maiores agências na classificação da dívida portuguesa e turca, sendo a dívida portuguesa o único caso em que diverge das outras três agências.
A ocorrência hipotética a prazo de uma possível melhoria de rating poderia ter um impacto muito significativo nas taxas de juro nacionais, como é visível no facto da Irlanda, com um rating (A) superior em apenas um nível ao nacional beneficiar de uma taxa de juro tão somente de 0,42% (menos 2,84 pontos percentuais).

Por sua vez, o espetro de uma aproximação aos valores das taxas de juro da Grécia (mais 5 pontos percentuais) seria catastrófico para Portugal mas parece estar para já bastante afastado a curto prazo.

Dada a importância para Portugal do programa de compra de obrigações por parte do Banco Central Europeu, e de a sua manutenção depender neste momento da notação recebida por uma destas quatro agências, não é de estranhar a importância dada ao anúncio da agência DBRS.

O BCE tem na verdade desempenhado um papel determinante na estabilização das taxas de juro da dívida portuguesa. Desde o início do programa PSPP, em março de 2015, até setembro do corrente ano, as compras de dívida pública portuguesa pelo BCE superaram os 21 mil milhões de euros. Este valor representa, sensivelmente, o dobro do montante de emissões líquidas de obrigações do tesouro nesse período.

Logo, a perda de estatuto de elegibilidade da dívida portuguesa poderá ter um impacto considerável sobre as taxas de juro das obrigações. Saliente-se ainda a situação peculiar na qual se encontra a agência DBRS, dado que a sua decisão tem um impacto importante sobre o próprio risco que se propõe avaliar.

A expectativa de manutenção de rating assenta sobretudo na continuação por parte do atual Governo de uma imagem internacional de respeito pelo compromisso de equilíbrio orçamental e de uma política de austeridade ainda que com contornos distintos dos observados em 2011-15.

A possibilidade de alcance em 2016 de um défice orçamental inferior ao acordado com as instâncias europeias e a estabilidade política evidenciada desde a tomada de posse do atual Governo são também fatores importantes, tal como a relativa saúde das contas externas.

Mas se a curto prazo se prevê que não haja alterações nos ratings, a perspetiva a um prazo mais dilatado encerra riscos preocupantes para as taxas de juro da dívida portuguesa. Por um lado, é pouco provável que os historicamente baixos níveis das taxas de juro da zona euro se mantenham por muito mais tempo, com o consequente impacto orçamental (e a dívida pública teima em não se reduzir em percentagem do PIB).

A economia portuguesa continua sem dar sinais de poder alcançar taxas de crescimento muito superiores a 1%-1,5%, limitando o crescimento de receitas fiscais que possam compensar a rigidez da despesa pública corrente (que dificilmente se irá contrair de modo significativo com a orientação política atual).

A instabilidade do sistema fiscal e a hostilidade de algumas recentes medidas de política económica em relação aos investidores não parece suscetível de criar a curto ou médio prazo confiança por parte de agentes económicos essenciais para o crescimento económico.

A carga fiscal direta e indireta continua a toldar o poder de compra dos consumidores nacionais. Finalmente, mantém-se uma elevada fragilidade da economia e contas públicas à conjuntura internacional, a eventuais necessidades de injeção de fundos no sistema financeiro e às dificuldades de financiamento do tecido empresarial junto da banca.

Em suma, dada a precariedade financeira ainda subsistente, toda a prioridade da atuação económica deve ser urgentemente encaminhada para o crescimento económico sustentável e para a criação de um clima de confiança duradouro dos investidores, combinado com um adequado equilíbrio orçamental. Se tal não suceder, uma subida das taxas de juro da dívida portuguesa poderá ter consequências muito nefastas.

Num cenário mais pessimista, poderemos mesmo perder de novo o acesso aos mercados, tornando inevitável um novo resgate. O que ninguém deverá desejar.

Artur Rodrigues (Universidade do Minho), Jorge Farinha (Universidade do Porto), Nelson Areal (Universidade do Minho) e Nuno Silva (Universidade de Coimbra)

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