As vacinas, um hino à ciência, uma pandemia de esperança

Este processo de investigação de uma vacina é um inspirador hino à ciência e à importância do investimento público em ciência e à capacidade de colaboração entre entidades privadas e públicas.

O ano de 2020 tem-nos parecido uma penosa eternidade, mas, na realidade, tudo começou há “apenas” um ano. Um ano paradoxalmente “longuíssimo”, se pensarmos em todo o sofrimento causado, mas também “curtíssimo” se pensarmos na velocidade com que a humanidade se mobilizou para desenvolver, testar, aprovar e administrar várias vacinas.

A 1 Dezembro de 2019 foi documentado o primeiro caso público de Covid-19 e no último dia desse ano, a cidade chinesa de Wuhan reportava o primeiro cluster de pneumonia relacionado com o Coronavírus. Por esta altura, o vírus era ainda algo de muito distante que ocupava um pequeníssimo espaço noticioso nos principais meios de comunicação. Tanto que, a 15 de Janeiro, a Diretora Geral de Saúde Drª Graça Freitas afirmava “não há grande probabilidade de chegar um vírus destes a Portugal”. Esta frase rapidamente se tornaria risível pois rapidamente o vírus se expandiu à Europa, tendo-se registado a 2 de Março o primeiro caso positivo em Portugal. A 11 de Março o Diretor Geral da Organização Mundial de Saúde declarou formalmente o Covid-19 uma pandemia, afirmando: “nas últimas duas semanas o número de casos de Covid-19 fora da China aumentou 13 vezes e o número de países afetados triplicou. Existem atualmente mais de 118.000 casos em 114 países e 4.291 pessoas perderam a vida”.

Por esta altura, a possibilidade de uma vacina era ainda uma miragem, apesar de estar já em curso uma mobilização de recursos sem precedentes, e uma troca de informação e colaboração nunca vista entre entidades públicas e privadas de todo o mundo, tendo em vista o desenvolvimento de várias vacinas e terapêuticas. Em Abril de 2020, a Coalition for Epidemic Preparedness Innovations indicava que havia 115 candidatas a vacinas em desenvolvimento, sendo que, como é normal, a maioria não resultou ainda em vacinas aprovadas. Por exemplo, a Norte-Americana Moderna recebeu 2,48 mil milhões de dólares de fundos federais dos EUA como parte da Operação Warp Speed, a iniciativa americana para acelerar o desenvolvimento, produção e distribuição de uma vacina para o Covid-19. A União Europeia também efetuou um pagamento inicial (e não reembolsável) a cada farmacêutica para ter acesso às vacinas que estavam a desenvolver.

Mas a investigação e desenvolvimento de uma vacina é um processo moroso que frequentemente demora entre 10 e 15 anos, desde a descoberta das potenciais vacinas até à aprovação e chegada das primeiras doses à população.

Pensemos no vírus do ébola, que provoca uma febre hemorrágica, e foi descoberto em 1976 na região do rio Ébola no Zaire (atualmente República Democrática do Congo). A vacina for aprovada em 2019 pela Agência Europeia do Medicamento (EMA), i.e. 43 anos depois da descoberta do vírus. Por outro lado, a primeira vacina contra o papiloma vírus humano foi introduzida no mercado em 2006, 22 anos depois de se ter descoberto que o HPV16 e o HPV18 estavam presentes no cancro do colo útero.

Mas, se estes exemplos podem parecer excessivamente lentos, pensemos que para muitos vírus (como o HIV que provoca a SIDA) não existe ainda hoje uma vacina, e que durante alguns meses a hipótese de não sermos capazes de encontrar uma vacina para o Coronavírus era bastante real.

Dou aulas de inovação há mais de 20 anos e há sempre aquela aula (um pouco frustrante para qualquer potencial empreendedor) em que falamos sobre o moroso processo de desenvolvimento de medicamentos, a que se segue o desesperante processo de aprovação e o papel da “lenta” Federal Drug Administration (FDA) ou da sua congénere europeia.

Este processo é compreensivelmente moroso até se ultrapassarem todas as barreiras do regulador, o que tem motivado um aceso debate sobre estes procedimentos. Por exemplo, os ensaios clínicos de fase I podem demorar 12 a 18 meses. Se tudo correr bem, passa-se aos ensaios clínicos de fase II, que podem levar 2 anos. Depois, as vacinas chegam à fase III que confirmam a sua segurança e eficácia, o que pode demorar mais 3 a 5 anos. Nesta aula, tipicamente alunos e docentes lançam críticas de incompreensão aos reguladores (como é possível os ensaios clínicos não serem mais ágeis e os reguladores da vida não serem mais eficientes, deixando morrer tantas pessoas). Há sempre um aluno mais atrevido que arrisca que parece ser mais rápido levar o Sporting à conquista de um campeonato do que comercializar uma vacina.

Mas no caso do Covid-19 algo de absolutamente extraordinário, nunca antes visto, estava já (e continua) a acontecer.

A 10 Janeiro 2020 o Coronavírus foi sequenciado e partilhado com toda a comunidade científica. A 15 Janeiro o National Institute of Health americano em colaboração com a Moderna desenhou uma vacina de mRNA. A 16 Março a Moderna iniciou testes clínicos de fase 1 e 2 (o que a Pfizer/BioNTEch começou a 2 Maio). A fase 3 iniciou-se a 27 e 28 Julho em ambos os casos. A 16 e 18 de Novembro a Moderna e Pfizer/BioNTech anunciam eficácias de 94,5 e 95% respetivamente.

O que se seguiu foi um processo quase alucinante de análise e aprovações.

A 2 de Dezembro a entidade reguladora do Reino Unido aprovou vacina da Pfizer/BioNTech, a Comirnaty (nome da primeira vacina contra o COVID19) o que permitiu começar a vacinação a 8 Dezembro. O Canada aprovou vacina da Pfizer a 9 Dezembro e começou a vacinação a 14 Dezembro. A FDA (EUA) aprovou a vacina para usos de emergência a 10 Dezembro e começou a vacinação de profissionais de saúde a 11 Dezembro; a EMA aprovou a 21 Dezembro a vacina da Pfizer.

Este domingo, 27 Dezembro, a vacinação vai iniciar-se nos 27 países da União Europeia e em Portugal, 10 meses após o primeiro caso nacional. Dez meses longos e penoso, se pensarmos no sofrimento a que fomos condenados, mas também curtíssimos, se pensarmos nos tempos normais de desenvolvimento de vacinas.

A possibilidade de “comprimir” um processo de 10 anos em 10 meses levanta legítimas inquietações de segurança. Porém isto apenas foi possível porque durante décadas investimentos públicos e privados em ciência permitiram acumular conhecimento e desenvolver novos processos e plataformas para desenvolver e testar medicamentos de forma mais célere e segura. No caso das vacinas da Pfizer e Moderna não foram dados passos em falso, apenas foram mais rápidos e eficientes.

Note-se aliás que apenas uma pequena percentagem de candidatas a vacina tiveram sucesso. Das 115 diferentes candidatas a vacinas em desenvolvimento em Abril, apenas 2 foram já aprovadas pela FDA, sendo que, como é normal, a maioria não resultou (ainda) em vacinas aprovadas. Isto deve tranquilizar-nos a todos que nos preparamos para tomar a vacina.

E todo este processo é um inspirador hino à ciência e à importância do investimento público em ciência, à capacidade de colaboração entre entidades privadas e públicas, à resiliência das pessoas, e um grito de esperança como nunca se tinha ouvido antes.

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