Azul, Vermelho, Boris, Brexit

As Eleições Britânicas são observadas como a matriz para a resolução do Brexit. Sim, mas o Brexit está longe de esgotar o assunto.

As Eleições Britânicas são observadas como a matriz para a resolução do Brexit. Sim, mas o Brexit está longe de esgotar o assunto. A vitória eleitoral Conservadora tem aspectos mais profundos que ultrapassam e explicam o voto do Referendo e a apoteose do Brexit. O Brexit é o resultado de uma causa há muito por identificar na política Britânica, mas que só as Eleições Gerais vieram finalmente revelar. O “Muro Vermelho” das circunscrições Trabalhistas a Norte e no Midlands transformadas na “Planície Azul” Conservadora é um espectáculo absolutamente histórico.

Neste sentido, estas foram as primeiras Eleições da Era Pós-Thatcher. Margaret Thatcher começa a grande abertura política com um programa de liberalização do sector financeiro e de privatização das empresas públicas e “monopólios naturais”.

Tony Blair aprofunda esta dimensão política com um programa de liberalização dos costumes e da sociedade. David Cameron interpreta esta dupla vertente liberal como um dado definitivo da política Britânica, acreditando que a liberdade e a prosperidade teriam um percurso infinito e a perder de vista e sem custos políticos significativos. É com base nesta versão do pensamento mágico que o Referendo é convocado, na ilusão de que os Britânicos estavam centrados nas questões da austeridade ou do casamento gay, quando a grande revolta silenciosa estava prestes a emergir com estrondo na primeira oportunidade política – a vitória do Brexit é o sinal da grande Rebelião latente na fábrica social Britânica.

O Brexit é a Rebelião contra o status quo liberal representado pela distância e indiferença que escorre pelo Parlamento de Londres. Boris Johnson, ao colocar-se do lado do Brexit, por oportunismo ou convicção, confirma o alinhamento com a transformação em curso na sociedade Britânica, alinhamento que só ganhou corpo e momento com a Resistência ao sufrágio democrático do Referendo.

A grande Rebelião do Brexit tem o seu epicentro no Norte e no Midlands constitutivos da “Muralha Vermelha” Trabalhista. Estas comunidades, Trabalhistas por tradição, onde circula entre gerações o ódio a Margaret Thatcher, sentiram-se abandonadas e esquecidas pelo Trabalhismo de Corbyn, comunidades consideradas como retrógradas e “conservadoras”. Estas comunidades queriam a sua voz de volta e queriam ser ouvidas em Londres. Nas Eleições Gerais a voz destas comunidades traçou a sorte dos Trabalhistas e o destino dos Conservadores.

A grande questão que se coloca é que esta vitória eleitoral representa a exigência e a responsabilidade de uma modificação no entendimento e na orientação política dos Conservadores. Para que o resultado não seja apenas um episódio fugaz, o “empréstimo” dos votos ao Norte para efeitos da concretização do Brexit, deveremos estar perante uma transformação da visão e da acção Conservadora.

A realidade é que deputados Tories vão passar a representar circunscrições maioritariamente da classe trabalhadora, pobre, desempregada, ou seja, o epicentro da zona pós-industrial e devastada pela Revolução Thatcher. A mudança dos Conservadores só poderá ser para a Esquerda. Esta é uma parte da Grã-Bretanha onde se pensa que o NHS deve ser generosamente financiado e que os pedófilos devem ser castrados ou enforcados.

A Grande Coligação no interior dos Conservadores deve então conciliar o “Assistencialismo de Estado” com o “Liberalismo Thatcherista”; deve congregar o “Conservadorismo Social” com o “Conservadorismo Liberal”. Mas o mais importante é que a vitória de Boris Johnson resulta de um cruzamento improvável de uma parte da sociedade Britânica que tem sido excluída da grande conversação política, primeiro por preconceito ideológico à Direita, depois pelo desprezo político e progressista à Esquerda, e que deixou ao abandono os interesses, as necessidades, as preocupações, os desejos e os sonhos de uma grande parte da tradicional classe trabalhadora industrial. O novo Governo terá de ser uma qualquer configuração de um qualquer “Conservadorismo Vermelho”.

O conservadorismo da classe trabalhadora tem uma profunda dimensão moral, obviamente rejeitada pela Esquerda como expressão de atraso e dominação. As políticas económicas defendidas por este sector identitário têm uma dimensão comunitária considerada como uma emanação romântica pela Direita.

Boris Johnson terá de definir a sua posição política nos termos do novo equilíbrio social e no seio das tendências históricas Conservadoras. Será que a opção tenderá para um “Paternalismo de Estado” na tradição de Disraeli, a primeira e verdadeira concepção de “One Nation Tory”? Será que a solução terá como base uma visão mais ideológica alicerçada numa ideia de “Conservadorismo Cívico”? Seja como for, a maioria de Boris Johnson exige um novo posicionamento político Conservador.

É precisamente no realinhamento interno da política e do Conservadorismo Britânicos que reside a matriz para a configuração do Brexit. A ideia de uma Singapura nas margens do Thames não vai ao encontro das aspirações da maioria que deu a vitória a Boris Johnson. A visão de abertura tem de conciliar os desejos de controlo, a liberdade no Mundo tem de ser compatível com segurança da Nação, ou o retrato de Margaret Thatcher numa loja de móveis usados na localidade mineira de Blyth Valley.

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