BCE: O que aí vem e a fragilidade da economia portuguesa

A política monetário tem mantido os juros artificialmente baixos, mas Portugal não tem aproveitado esta oportunidade. O governo olha para a folga orçamental em vez de acelerar as reformas.

Esta semana Mário Draghi (que recorde-se termina o seu mandato em 2019) veio dizer que o BCE ainda não começou a discutir o fim dos estímulos monetários. Veio também reforçar que o programa se manterá até setembro deste ano. E que poderá ser prolongado para lá desse prazo, se necessário. Veio assim manter a política monetária, a sua guidance, e as taxas de juro de referência.

Draghi tem conseguido uma política monetária suficientemente expansionista para aguentar as taxas de juro dos países periféricos, ao mesmo tempo que vai mantendo alguma união no Conselho de Governadores. Digo alguma, porque é público que as votações não têm sido unânimes, e o governador do Bundesbank já por várias vezes fez críticas fortes à política monetária do BCE. E as atas de dezembro de 2017, conhecidas há pouco, vieram acentuar essa divisão.

Boas notícias, mas que não nos devem afastar do essencial: A política monetária tem mantido artificialmente as taxas de juro muito baixas. Portugal tem retirado enormes benefícios disso. Mas não tem aproveitado esta conjuntura muito favorável para implementar as medidas e reformas necessárias para enfrentar períodos futuros mais exigentes.

Os benefícios da política monetária do BCE no campo orçamental permitiram um “dividendo orçamental” de 1.2% do PIB entre 2015 e 2018 (entre redução de despesa com juros e aumento dividendos do Banco de Portugal). O ajustamento orçamental nominal nesse período será de 2% PIB. Logo, mais de metade vem deste efeito temporário.
Além disso, a pressão compradora do BCE, além da redução da taxa de juro sobre a divida pública Portuguesa, permite também reduzir a pressão do refinanciamento da dívida.

Mas os benefícios têm sido sobretudo no campo económico. Parte do crescimento económico de Portugal resulta desta conjuntura Europeia muito favorável.
Contudo, o fim do programa de compra de ativos acontecerá em breve. Se não for em 2018, será muito provavelmente em 2019. Haverá naturalmente um período de “tapering”, isto é de redução gradual das compras, que de certa maneira já começou, dado que o volume mensal inicial em 2015 era de 60 mil M€ para toda a zona Euro, e esse valor mensal passou para 30 mil M€.

No entanto, este ano de 2018 já será mais exigente para Portugal. Neste momento, o BCE tem comprado menos dívida portuguesa. A razão é que o programa do BCE está limitado a 33% das linhas de financiamento existentes. Como Portugal já tinha bastante dívida pública no BCE, por via do SMP, o volume de compras do BCE de dívida pública portuguesa em 2018 será bastante inferior ao dos últimos 3 anos.

Assim, mais uma vez, a Comissão Europeia veio alertar que a dívida pública portuguesa é de alto risco. O que não surpreende (eu próprio tenho dito isso frequentemente). Um país com uma economia pouco competitiva e com fortes desequilíbrios estruturais, com um défice estrutural de 2% PIB, que depende de uma conjuntura momentânea muito favorável e que tem uma dívida pública acima dos 120% estará sempre numa posição de enorme fragilidade e de enorme risco.

No entanto, a opinião predominante neste momento entre nós é que está tudo bem e não nos precisamos de preocupar mais com este tema. Recordo as palavras do secretário de Estado Mourinho Félix, quando disse que uma dívida pública de 120% do PIB é gerível. Só que apenas o é numa conjuntura muito favorável como a atual.

Numa conjuntura adversa, Portugal estará confrontado com juros mais altos e no limite, se tiver muita dívida pública para refinanciar, enfrentar problemas de emissão.
Assim, o que há a fazer é procurar reduzir a dívida pública de forma mais rápida.

Simultaneamente, devemos “alisar” o perfil de reembolsos da dívida, com base em maturidades mais longas e manter um bom nível de depósitos (a “almofada financeira”).
O pior que podemos fazer é tratar a dívida como um problema de orçamento. A dívida tem de ser olhada primeiro como um problema de “affordability” (que aqui traduzo livremente por “comportabilidade” – isto é, ser sempre possível, em quaisquer circunstâncias, refinanciar a dívida a taxas de juro razoáveis) e em segundo de sustentabilidade.

Ou seja, o que deve estar no centro das preocupações em matéria de dívida pública (além da sua redução rápida) é garantir que criamos as condições para que não volte a ocorrer o que aconteceu em 2011. Que Portugal não se veja de novo na posição de não conseguir refinanciar a sua dívida pública.

Não devemos procurar reduzir maturidades, achando com isso que se poupa um pouco em juros. A alteração de perfil de maturidades aumenta o risco, o que se reflete nos juros (fazendo com que grande parte da poupança na realidade se perca rapidamente). Mas também coloca pressão no acesso aos mercados, criando picos maiores de reembolsos.

Outra ideia a evitar é achar que este período de baixas taxas de juro deve ser aproveitado para emitir muita divida a maturidades reduzidas (abaixo dos 5 anos). O raciocínio, que me parece errado, é este: Como as taxas de juro a 5 anos estão muito baixas, emitimos muita dívida este ano e o próximo nessas maturidades, e recompramos dívida de maturidades maiores, que tem taxas de juro mais altas.

E parece-me errado por várias razões: primeiro, como disse atrás, uma alteração no perfil de maturidades fará a curva das yields subir. Segundo, um aumento de emissões (não planeado neste momento) geraria no mercado preocupação (até pelo elevado valor da dívida pública), refletindo-se nos juros (e teria efeito também no rating). Em terceiro, porque se já temos um pico de reembolsos em 2021 e outro em 2024, estaríamos a agravar esse problema. Por último, porque recompras no mercado secundário só é possível (de forma “agressiva”, isto é, com poupanças de juro), quando os investidores não têm apetência pela dívida em causa (o que é oposto da situação atual).

Além disso, não é possível comprar a dívida que está no Banco de Portugal ou no BCE (essa decisão só pode ser tomada pelo BCE) e a dívida que está na Segurança Social, numa lógica de consolidação, é irrelevante (o Estado paga de um lado e recebe do outro).

Ora, mais uma vez, olha-se para o curto prazo e para a vertente orçamental. Como poupar nos juros nos próximos 2-3 anos, para facilitar a vida a quem está no governo.
Quando voltarmos a passar por tempos difíceis, e nos apercebermos que a margem é muito menor que a de 2008, então iremos perceber que se Portugal tivesse mantido o ímpeto reformista, teria continuado a crescer, a ter taxas de juro muito baixas e estaria mais bem preparado para enfrentar esses tempos difíceis no futuro. Claro que muitos irão, como fizeram em 2010-2011, culpar os mercados, a Europa e a Senhora Merkel e mais alguém que na altura calhe e de jeito.

“Se os nossos príncipes de Itália, depois de governarem, vierem as perder os seus reinos, que não acusem a sorte, mas sim a falta de coragem”. Maquiavel

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