Bolsa portuguesa: Um desastre sem fim!

  • Luís Gomes
  • 6 Dezembro 2019

Apesar do folclore do Web Summit, não passam pela bolsa de Lisboa modelos de negócio associados às novas tecnologias e com crescimentos exponenciais.

Nos últimos anos, muito se tem falado sobre o descalabro que se abateu sobre a bolsa portuguesa. Presentemente, o principal índice da bolsa portuguesa, apesar de se chamar PSI-20, é apenas constituído por 18 empresas, em que uma delas é a Pharol, ex-Portugal Telecom, que nem vendas apresenta para o último exercício encerrado – 2018. Na realidade, dever-se-ia chamar PSI-17.

O pior de tudo foi o seu desempenho: um absoluto desastre! Se um investidor tivesse aplicado 100 euros no final de 2007, no final de 2018 o seu investimento tinha perdido 65% do seu valor inicial (nota: não tem em conta dividendos), tal como podemos constatar na Figura 1. Em termos comparativos, trata-se de um dos piores desempenhos a nível mundial. No caso dos índices da bolsa norte-americana, a realidade foi totalmente distinta: a título ilustrativo, o índice NASDAQ-100, para o mesmo período, triplicou o seu valor.

Outra das curiosidades que podemos apontar é o valor global da capitalização bolsista destas 18 empresas, atualmente em 59 mil milhões de EURs aproximadamente (valor de fecho do mês de Novembro de 2019), tal como podemos observar na figura 2. Apenas cinco empresas representavam 75% da capitalização bolsista (45 mil milhões de Euros), nomeadamente EDP, Galp, Jerónimo Martins, EDP Renováveis e BCP. Este último, durante muito anos foi o “peso-pesado” da bolsa e agora vale apenas 3 mil milhões de Euros aproximadamente, mesmo depois de ter passado por incontáveis aumentos de capital!

Para termos uma ideia do ridículo da presente situação, se utilizarmos 9 empresas da bolsa norte-americana, selecionadas por serem as novas estrelas deste mercado, pois tratam-se de “start-ups” tecnológicas, estas já valem o dobro das empresas constituintes do principal índice da bolsa portuguesa: 120 mil milhões de Euros. Deste grupo, destacamos a Uber e a portuguesa Farfetch, tal como podemos verificar na Figura 3.

Atualmente, tudo o que parece importar para os investidores é o crescimento da receita. As perdas brutais destas empresas não parecem intimidá-los. Vejamos o caso da Sea Ltd: prevê-se que este ano apresente um crescimento das suas receitas de 250%; por esse motivo, a sua cotação encontra-se próxima do máximo histórico (máximo histórico 37,78 USD por ação no dia 27 de Novembro de 2019; 35,84 USD por ação foi a cotação no dia 2 de Dezembro de 2019). Ou seja, apesar de se estimar perdas próximas de 900 milhões de Euros para este ano, a sua cotação está imparável!

A Uber é a empresa que mais impressiona: estimam-se perdas líquidas próximas de 9 mil milhões de Euros para este ano! No entanto, esta empresa vale 45 mil milhões de Euros aproximadamente, 3,4 vezes o valor da empresa com a maior capitalização bolsista do PSI-20, a EDP. Apetece concluir que quanto pior melhor!

Apesar do folclore do Web Summit, não passam pela bolsa de Lisboa modelos de negócio associados às novas tecnologias e com crescimentos exponenciais. Assim, várias questões se nos deparam: (i) Como chegámos até aqui? (ii) Porque motivo os fluxos financeiros internacionais deixaram de passar pela bolsa de Lisboa?

Em primeiro lugar, o nosso capitalismo não assenta na inovação e não está centrado no cliente. O que importa é possuir influência política e assegurar legislação que proteja o modelo de negócio de qualquer concorrência. Por essa razão, a previsão de crescimento de receitas para todo o PSI-20 em 2019 é apenas de 3%, ou seja, estagnação absoluta.

Por outro lado, o seguidismo dos supervisores nacionais em relação às instâncias europeias, com a preocupação de ser bom aluno, sem nenhuma preocupação com os seus regulados. Resultado: as empresas de serviços de investimento nacionais têm sido esmagadas por uma miríade de diretivas e regulamentos emanados das estâncias europeias, sem atender à sua dimensão e recursos materiais. A dimensão das empresas Portuguesas é minúscula em comparação com as empresas de investimento dos países protestantes do norte da Europa. Certamente, por esse motivo, o cliente deixou de ser a referência para passar a ser o relatório e o documento a enviar ao burocrata, agora, a tarefa mais importante. Assim, torna-se difícil existirem operadores dedicados à promoção das empresas nacionais cotadas em bolsa.

Mas as consequências não acabam aqui. A regulação tornou-se caríssima, atendendo ao excessivo número de colaboradores dos supervisores, com o propósito de serem bons alunos. A título ilustrativo, no final de 2018, a CMVM tinha 241 colaboradores, enquanto a sua congénere espanhola, a CNMV, 446. Se tivermos em conta a dimensão da economia espanhola, 6 vezes a economia portuguesa, significaria que a CNMV teria de ter 1 446 colaboradores! Tanto nos reguladores como nas empresas privadas as economias de escala funcionam, no entanto, com uma diferença: enquanto o regulador pode contratar colaboradores, as empresas privadas não podem aumentar a dimensão do mercado e, por essa razão, contratar colaboradores.

Voltando à Bolsa de Valores e às economias de escala. Apenas o banco Santander possui uma capitalização bolsista que corresponde à totalidade do índice PSI-20, atendendo que no fecho da sessão de 2 de dezembro de 2019 a sua capitalização era de 58 mil milhões de Euros. Em conclusão, continuando a trilhar este caminho, teremos o mesmo número de polícias que colaboradores na indústria financeira; no entanto, ninguém parece estar preocupado com a total ruína do setor.

Não admira que os investidores prefiram os mercados internacionais, e não percam o seu tempo com a bolsa nacional, presentemente, uma absoluta farsa.

  • Luís Gomes
  • DIF Broker

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