Boris, Bulldog, Brexit

O Partido Conservador é uma Monarquia temperada pelo Regicídio. Do último massacre eleva-se Boris Johnson como soberano supremo de um Governo implacável.

Não importa as convicções políticas de Boris, pois serão sempre as mais convenientes para o propósito do primeiro-ministro sempre inflamado pela retórica do otimismo e da grandeza do Reino Unido. Diga-se que Boris Johnson é sobretudo um orador, um volátil da palavra política transformada num jogo de sombras, em que a mentira é um estado intermédio para a verdade. Nas primeiras intervenções como primeiro-ministro surge um Boris bombástico, histriónico, dramático, impulsionado pela vontade política de um Reino Unido no percurso para uma “Idade de Ouro” — o amanhecer do Brexit. A Europa não entende o enredo e o contexto de Boris, tudo no Continente soa a excentricidade, reflete o maneirismo de uma classe governante fechada no privilégio e condicionada pela autoridade de uma educação que sublinha a superioridade, a irresponsabilidade e o aventureirismo como graduações da pantomima e do humor. Para entender Boris Johnson é necessário interiorizar que quando Boris se levanta para falar, ninguém sabe o que esperar, a começar pelo próprio; quando Boris está no topo do discurso é normal não ser possível seguir a lógica do argumento político, partindo do pressuposto de que existe uma qualquer lógica; quando finalmente Boris termina a divagação, a perplexidade pode dominar por que ninguém percebe as implicações políticas, a começar e a terminar em Boris Johnson. Se o Brexit é o Brexit, Boris é Boris.

No Mundo real, o novo Governo Conservador é a concretização da Campanha do Brexit em plena Downing Street. O Governo ignora toda a ala do Partido associada à ideia de “One Nation Tory”, tal como esquece a “Revolução Conservadora” nos tons Liberais de Margaret Thatcher. O mandato do Brexit está transformado na ideologia dominante, uma espécie de doutrina que pode ser designada por “Britannia Unchained”, uma postura política que pretende afirmar na Europa e no Mundo o renascer do “Excecionalismo Britânico”. O novo Governo Conservador suspende uma clássica tradição dos Tories, o exercício posicional e político de uma gestão da mudança em termos práticos e concentra-se na aplicação de um programa político ideológico. Mas o Governo de Boris Johnson também ignora a clássica preocupação dos Conservadores em manter o alinhamento político com a típica classe média que tanto fez pelo sucesso dos Tories. O discurso político pautado pela audácia e pelo desafio dirige-se à “Nação de baixo”, esquecida e abandonada pelas políticas impostas pela conveniência de Bruxelas. Neste sentido, o novo Governo Britânico não será um “Governo Normal”, mas um Governo que pretende destruir quatro décadas de empenho e de colaboração no Projeto Europeu. Na nova configuração civil do Reino Unido, a classe social não parece ser o critério que garante o posicionamento político, tendo sido substituída pela nova divisão entre Leavers e Remainers — uma coligação de cidadãos de meia-idade, rural, sem educação superior face a uma coligação de jovens, urbanos, com educação superior. Estas são as “Tribos” que o Referendo do Brexit revelou, conferindo-lhes uma identidade social e uma influência política. A esta fragmentação adiciona-se a tensão entre as Quatro Nações Britânicas, com uma ênfase particular para a importância política e simbólica da Independência da Escócia. Boris Johnson pode até assegurar o Brexit sem Acordo e ficar na História como o Primeiro-Ministro que assistiu impotente ao colapso da União. Este é o estado da política Britânica, este é o preço que se joga no reflexo não intencional e não antecipado do Brexit.

Face a tempos de exceção, o Governo substitui a normalidade da política pela “política da emergência”. No século XX o Reino Unido conheceu dois períodos em que a gravidade das contingências do Mundo exigiu a suspensão da normalidade política e a adoção de uma lógica de emergência nacional, mais concretamente, em 1916 e em 1940. Sublinhe-se que os Governos em causa eram de “Unidade Nacional”, onde a lógica do consenso e da cooperação assegurava o equilíbrio político. O Governo de Boris Johnson é um Governo de emergência que adota a lógica exclusiva de uma orientação política precisa — garantir o Brexit a todo o custo. Note-se que até a suspensão do Parlamento para garantir a saída da União Europeia é assunto de debate político, um procedimento que Oliver Cromwell utilizou há cerca de 400 anos. Esta é a dimensão, a escala e a latitude da emergência.

Em Bruxelas, o Primeiro-Ministro vai exigir a renegociação do Acordo, sobretudo a eliminação do “Back Stop”. A contribuição acordada de 39 mil milhões de Libras faz parte do arsenal da nova “ambiguidade diplomática”, podendo ser suspensa ao sabor do desenvolvimento das negociações. Negociações que Bruxelas não entende como nem urgentes nem necessárias. Neste tempo politicamente morto, em Trafalgar Square um bulldog exibe as suas habilidades em cima de um skate em velocidade de cruzeiro e os turistas tiram selfies com os pombos instalados no cimo da cabeça. O céu azul de Londres parece aguardar pela nova Blitz que se aproxima logo depois daquela nuvem cinzenta que assinala o fim do Verão e anuncia os idos de outubro.

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