Brexit: Uma decisão correcta?

  • Luís Gomes
  • 24 Dezembro 2019

Acto eleitoral, marcado por uma vitória esmagadora de Boris Johnson, pôs fim a 3 anos de tergiversações da classe política britânica, que teimava em não respeitar um referendo vinculativo.

No último dia 17 de Dezembro de 2020, o parlamento britânico aprovou uma lei que determina a saída obrigatória do Reino Unido da União Europeia até à data limite do próximo dia 31 de Janeiro de 2020, sem qualquer possibilidade de novo adiamento. Em caso de não acordo, o Reino Unido sairá sem acordo e passarão a aplicar-se as regras internacionais de comércio.

A aprovação desta lei surgiu depois de uma vitória esmagadora do partido conservador e, em particular, do seu líder, Boris Johnson, nas últimas eleições do dia 12 de Dezembro de 2019.

Este acto eleitoral pôs fim a 3 anos de tergiversações da classe política britânica, que teimava em não respeitar um referendo vinculativo, realizado em 2016, e que deu a vitória à saída do Reino Unido da União Europeia por 51,89% dos votos. Tratou-se da eleição mais participada de sempre, em que apareceram às urnas 72,21% dos eleitores inscritos e se registaram mais de 33,5 milhões de votos.

A pergunta que agora se coloca: será que os britânicos tomaram a decisão correcta? Em primeiro lugar, importa recordar a entrada do Reino Unido na União Europeia, então designada por Comunidade Europeia.

A adesão foi realizada igualmente através de um referendo, em 1975. Nessa altura o sim à adesão ganhou com uma elevada margem: 67,23%. Nesse acto eleitoral, uma das maiores promessas a favor da entrada era de que o Parlamento Britânico seria sempre soberano face às instituições europeias; que os tribunais europeus não se sobreporiam aos tribunais britânicos; no fundo, tratava-se de um simples acordo de comércio, em que nações soberanas decidiam abrir as fronteiras ao comércio entre si, sem quaisquer tarifas ou taxas alfandegárias.

Enoch Powell, na altura, um dos principais membros do partido conservador, alertou que a partilha de soberania com 8 estados membros implicava precisamente a perda de soberania e o risco da criação de um super estado europeu. Para rebater esse argumento, os apoiantes da entrada afirmavam que todas as decisões importantes podiam ser vetadas pelo primeiro-ministro de qualquer estado membro. Como sabemos, hoje, tal veto já não existe.

Efectivamente, nessa altura, as coisas eram muito diferentes. A Comunidade Europeia era então um simples espaço de comércio de nações soberanas, com pouca integração. Como sabemos o comércio entre estados diminui expressivamente a probabilidade de guerra e resulta em maior desenvolvimento económico, tal como explicou o economista David Ricardo, há séculos atrás.

Como correram as coisas ao Reino Unido desde então? Efectivamente, após a sua adesão, o seu crescimento económico, a par com a Irlanda, em termos relativos com outros países europeus foi excepcional. Se utilizarmos a evolução do PIB per capita medido em USD de oito países – Portugal, Alemanha, Grécia, Espanha, França, Itália, Reino Unido e Irlanda -, entre 1974, o ano da nossa revolução, e 1985, o Reino Unido obteve um crescimento muito superior à Alemanha e à França, então países expressivamente mais ricos (ver Figura 1). No sentido oposto, esteve Portugal que apresentou o pior crescimento para este período, apesar ser o país mais pobre deste grupo em 1974. A política marcadamente socializante do período vivido à época não trouxe grandes resultados! A Espanha, com outro tipo de transição para a democracia, não sofreu tal revés, no entanto, ainda não beneficiava da prosperidade que advinha do comércio com a então Comunidade Europeia.

Figura 1

Entre 1985 e 2000, o Reino Unido ultrapassou a França e a Alemanha, tornando-se o país com o maior rendimento per capita em USD deste grupo de oito países. Ou seja, a sua participação tinha sido um tremendo sucesso, pois ultrapassou, em riqueza, a Alemanha e a França. Para este período, em crescimento económico, apenas a Irlanda e Portugal superaram o Reino Unido para este grupo de 8 países. Ou seja, a adesão em 1985, de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE) permitiu inverter um período de políticas iniciadas na revolução de 1974, marcadamente colectivistas, que se verificaram serem um desastre, fruto da abertura da economia portuguesa ao mercado europeu.

Figura 2

Durante este período aconteceu a maior inversão de rumo da então Comunidade Europeia: em 1992, com a assinatura do tratado de Maastricht, foi rebaptizada, passando-se a chamar União Europeia, adoptando como projecto político tornar-se num Súper Estado Federal Europeu. As competências da Comissão Europeia foram amplamente alargadas, onde, sistematicamente, o líder da mesma é nomeado a partir de uma votação no Parlamento Europeu com um candidato único, ao melhor estilo das ditaduras comunistas. Hoje, a Comissão Europeia é responsável por elaborar e propor a maioria da legislação aplicável a todos os estados, depois da sua revisão e aprovação pelo Parlamento Europeu e Conselho Europeu.

Na altura, a assinatura deste tratado enfrentou várias resistências. A Dinamarca teve que o votar duas vezes, pois da primeira vez foi rejeitado; ou seja, votava-se as vezes que fossem necessárias até dar o resultado pretendido. Em França, o tratado foi aprovado por apenas 50,8% dos votos – nessa altura, ninguém apelou a uma segunda votação, com o argumento de uma “maioria por uma unha negra”. A incerteza que estas votações então geraram, resultaram na saída da Libra Esterlina, a moeda do Reino Unido, do Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio.

O tratado abriu a porta à criação da Moeda Única Europeia, impondo algumas condições, das quais destaco: (i) uma dívida pública em percentagem do PIB não superior a 60%; (ii) défices públicos em percentagem do PIB não superiores a 3%. Estes critérios são hilariantes, quando os observamos a partir da actual realidade, onde as finanças públicas da maioria dos estados europeus são uma verdadeira calamidade!

O único país que alertou para os perigos de um super estado foi o Reino Unido, através do seu então líder: Margaret Thatcher. Em 1992, alertou para o seguinte:

  • A criação do Euro seria um erro, pois cada país europeu tinha graus de desenvolvimento distintos e políticas fiscais distintas. Tal obrigaria à transferência de enormes recursos dos países ricos para os pobres, por forma a evitar o desemprego e emigrações em massa, facilitada por fronteiras abertas;
  • A criação de uma mega estrutura em Bruxelas era contrária à filosofia de governos pequenos e limitados e, por conseguinte, facilmente escrutinados. Os parlamentos nacionais de cada país deixariam de poder ser responsabilizados, pois a maioria da legislação era fabricada a partir das altas instâncias europeias, sem qualquer controlo democrático. Além disso, tal processo podia originar um enorme ressentimento das populações, levando-as a votar em partidos extremistas.

Dada a actual realidade, parece que o seu prognóstico foi certeiro! Vamos agora ver em que resultou a maior integração política, económica e, principalmente, monetária. A partir de 2000, a convergência entre os países deixou de existir. O Reino Unido teve o pior desempenho dos oito países (ver Figura 3), passando a ter um PIB per capita inferior à Alemanha, apesar de não ter participado na aventura do Euro. Com a excepção da Irlanda, um caso particular, a convergência entre os países deixou de ter lugar. Portugal, Grécia e Espanha, com níveis de desenvolvimento económico inferiores à Alemanha e França, apresentaram desempenhos semelhantes ou mesmo inferiores, como foi o caso da Grécia.

Figura 3

O Reino Unido passou de primeiro para terceiro deste grupo de 8 países, ultrapassado pela Irlanda e Alemanha (ver Figura 4). No caso de Portugal, o diferencial face à Alemanha e França manteve-se, com estes dois países a apresentarem um PIB per capita de 103% e 77% superiores ao português no final de 2018. A única compensação foi a ultrapassagem da Grécia. Agora, temos um PIB per capita 13% superior.

Figura 4

A verdadeira desgraça deu-se a outro nível, tal como previa a visionária Margaret Thatcher. O peso da dívida pública em percentagem do PIB disparou, com a excepção da Alemanha, que apenas subiu 3%. No caso do Reino Unido, foi o país que apresentou um dos maiores crescimentos da dívida pública, cerca de 6% ao ano, no entanto, como o crescimento do PIB foi de apenas 1% nominal ao ano, resultou no diferencial mais negativo deste grupo de 8 países: -4,9%. De apenas 36 em percentagem do PIB, a dívida pública saltou para 85% (Figura 5).

No caso de Portugal e Grécia, a desgraça foi completa, com esta última a apresentar no final de 2018 uma dívida pública próxima de 200% do PIB. No nosso caso, existem agora apenas três países em pior situação no mundo: Itália, Grécia e Japão

Figura 5

Tais eventos não são casualidades, resultam da interferência de burocratas no processo de descoberta de preço em mercados livres. O preço do dinheiro deveria resultar da oferta e procura de poupança, e não ao sabor e caprichos de um burocrata sentado ao leme do BCE.

Ora, países como Portugal ou Grécia, com uma acumulação de capital per capita reduzida (estradas, infraestruturas, fábricas…), por conseguinte, com uma menor poupança, deviam ter uma taxa de juro elevada, ou seja, a determinada por um mercado livre. Para melhor ilustrar, se o leitor se encontrar numa ilha deserta, a sua possibilidade de poupar é praticamente impossível, atendendo que a sua única preocupação é sobreviver. Se, por exemplo, passarem a existir máquinas, computadores e estradas, a produtividade do seu trabalho aumenta substancialmente – por isso na Alemanha os salários são mais elevados -, e, por conseguinte, também o seu rendimento e propensão à poupança (regra geral), forçando à descida das taxas de juro, dada a maior oferta. Sem poupança não é possível a acumulação de capital.

Quando, de repente, o BCE reduz brutalmente as taxas de juro, o sinal dado aos agentes económicos é totalmente errado. Ao contrário do que pensam muitos moralistas, que culparam os bancos e a publicidade associada ao crédito sem freio por todas as desgraças, as pessoas reagem aos sinais dados pelos preços. Ora, se a taxa de juro se reduz de 15% para 5%, o estímulo à poupança desaparece e os empresários embarcam em projectos de capital intensivo, pois julgam que a mesma é abundante. Utilizando, mais uma vez, o exemplo da ilha deserta. Se o leitor necessita de 2 peixes ao dia para sobreviver e, de repente, alguém lhe diz que o mesmo existe em abundância na outra parte da ilha e devidamente conservado, passa a não se preocupar com essa necessidade imediata e poder-se-á dedicar a outros projectos, como construir uma casa, atendendo que sabe que não irá passar fome nos próximos tempos.

A definição administrativa de um preço tão importante como a taxa de juro eliminou a percepção de risco. Os governos dos países menos desenvolvidos passaram a poder gastar sem freio: assim, apareceram 80 aeroportos em Espanha, quando na Alemanha apenas existiam 20; assim, apareceram duas auto-estradas entre Lisboa e Porto; assim, apareceu um aeroporto em Beja onde praticamente nunca aterrou um voo comercial; assim, os Gregos realizaram os jogos Olímpicos em 2004 com grande pompa e circunstância; assim, em Portugal construíram-se e renovaram-se 10 estádios para o Euro 2004; no fundo, deu-se uma orgia de gasto público, por conta da magia do BCE!

Os alemães não embarcaram nesta loucura, simplesmente porque o seu estado de desenvolvimento económico era muito superior, com enorme poupança, pelo que a taxa de juro fixada pelo BCE pouco distava daquela que teria sido determinada por um mercado livre; precisamente como a Sra. Thatcher tinha previsto, uma política monetária comum para países tão distintos economicamente nunca iria resultar.

Mas nada disto parece travar a integração europeia. Sempre que há uma crise pede-se mais Europa, como foi o caso da crise da dívida soberana europeia entre 2010 e 2012. Após esta crise, o BCE passou a supervisionar todos os bancos comerciais do espaço Euro. Hoje, praticamente são repartições do BCE, onde este luta desesperadamente por fechar ou integrar os bancos de menor dimensão, por forma a ter menos trabalho de supervisão e problemas. Também foi criado o Fundo Europeu de Estabilização Financeira que assistiu, através de mais dívida, países como Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha.

Apesar de ainda não implementado, pede-se a mutualização da dívida pública europeia, passando os eventuais calotes a ser responsabilidade de todos os contribuintes europeus, e não apenas de um determinado estado em apuros. Também se pede um orçamento europeu e políticas fiscais harmonizadas. Em conclusão, a criação do Súper Estado Europeu não pára e o crescimento do seu poder é incessante.

Esta criação é a antítese da liberdade, a todos os níveis. Trata-se de um cartel de governos, em particular dos mais poderosos, numa procura incessante por poder e controlo sobre todos os aspectos da vida dos cidadãos.

Ao contrário das empresas, que têm de competir pelos consumidores, os estados desejam evitar estes incómodos.

Um dos maiores factores para a explicação da supremacia da Europa no mundo, ao longo de vários séculos, foi precisamente a concorrência entre estados. Quando em 1492, através do Decreto de Alhambra, os reis católicos expulsaram os judeus de Castela e Aragão, muitos vieram para Portugal, que em muito beneficiou o nosso país. A perseguição que estes posteriormente sofreram levaram-nos a fugir para a Holanda, dando origem ao século de ouro (século XVII) deste país, o verdadeiro fundador do capitalismo moderno. Ou seja, os estados que confiscavam e perseguiam os seus cidadãos não ficavam a salvo, pois estes podiam ir para outros países com melhores condições e legislação mais favorável. A concorrência refreia a tirania de um estado, algo que não acontece com a actual União Europeia.

O que assistimos é a tentativa de confiscar de forma harmonizada em todos os países, chegando-se a perseguir a Irlanda com o denominado “dumping fiscal”, por tributar as empresas a taxas muito reduzidas face a outros países Europeus. Criam-se impostos especiais para gigantes tecnológicos, como a Google ou Amazon, por estarem a vender para todo o espaço europeu a partir de “paraísos fiscais” como a Irlanda, Luxemburgo ou Holanda! Também assistimos à troca de informações entre as administrações fiscais de todos os estados, assegurando que ninguém escapa ao apetite voraz por mais cobrança e gasto público.

Mas o aspecto mais perverso de tudo isto é a inexistência de qualquer escrutínio sobre os governos ou a ignorância sobre a realidade específica de cada país. Em Portugal, se um determinado partido propõe uma lei e a consegue aprovar no parlamento, conhecemos o rosto por detrás dessa lei; ou seja, caso a mesma não seja do nosso agrado, podemos castigar esse partido nas próximas eleições. Agora, temos legisladores sem rosto e que determinam as nossas vidas. Uma casta instalada em Bruxelas, que não paga impostos, mas exigi-os à plebe, que recebe salários e regalias inacessíveis a qualquer cidadão, determina a maioria da nossa legislação. O cidadão comum não conhece o autor ou quem a aprovou, apenas tem que se resignar a aceitá-la.

As monstruosidades legislativas de Bruxelas não têm fim, como, a título de exemplo, a Lei de Protecção de Dados ou a Directiva dos mercados de instrumentos financeiros II, um verdadeiro inferno regulatório. Esta última adequa-se melhor a países com empresas de serviços financeiros de elevada dimensão, que se podem dar ao luxo de investimentos avultados em tecnologia e recursos humanos, podendo, assim, implementar todas as exigências da lei. Não é fruto do acaso a nossa banca comercial, de menor dimensão face às suas congéneres europeias, estar em mãos estrangeiras e a definhar, pois está plenamente ocupada a satisfazer o burocrata que actua em nome desta legislação, em lugar da clientela ou do mercado.

Presentemente, estados em apuros, como Portugal, actuam como os mendigos, de mão estendida e a pedir ao BCE para não deixar de comprar as suas obrigações, dado que nenhum investidor privado lhes empresta dinheiro, ainda por cima, a taxas negativas, sem o seu apoio. Por essa razão, a casta instalada na maioria dos estados europeus sabe perfeitamente quem lhes põe a comida no prato. Obviamente, nunca irão afrontar a grandiosa construção europeia: dali, tudo é fantástico!

Parece que o povo inglês foi, mais uma vez, sagaz e viu o que estava a acontecer. Por esse motivo, decidiu não participar mais neste paraíso chamado União Europeia. Pela nossa parte, julgo que devíamos prestar maior atenção a esta decisão, atendendo que o Reino Unido e em particular a Inglaterra foi um país que teve um papel de extrema importância ao longo da nossa história.

Em quase todas as ocasiões da sua história souberam interpretar e actuar mais cedo em face dos acontecimentos e das circunstâncias. Mais recentemente, em 1945, na conferência de Ialta, de imediato se aperceberam que tinham de descolonizar e terminar com o modelo até então existente, ao contrário de nós, que saímos tarde e a más horas da aventura colonial, com uma guerra e uma “descolonização exemplar” trágicas de permeio.

Uma política externa que não reflecte sobre o passado e que se sente confortável em participar em uniões políticas com países que nos agrediram territorialmente no passado, em lugar de meditar nas razões da saída do Reino Unido, revela subserviência e dependência da nossa parte.

No longo prazo, julgo que esta decisão será altamente favorável para o Reino Unido por várias razões, das quais destaco: (i) estabelecer acordos de comércio com qualquer país do mundo; adoptar a legislação e as condições fiscais mais favoráveis à atracção de empresas e cidadãos com talento, o oposto da crescente burocracia e fiscalidade elevada da União Europeia; e (iii) deixar de contribuir para o gigantesco orçamento europeu, que essencialmente tem servido para financiar e subsidiar projectos de pessoas e entidades com contactos políticos privilegiados.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

  • Luís Gomes
  • DIF Broker

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