Brexit, uma primeira avaliação?

Ainda é cedo para se tirarem conclusões definitivas sobre os efeitos do Brexit. O que se pode dizer é que os agentes económicos fizeram o que costumam fazer, ajustaram as suas expectativas e adaptaram

O Brexit fez agora 4 anos e o referendo que o desencadeou em 2016 faz 8 anos. Parece ser tempo suficiente para uma primeira avaliação dos seus efeitos para o Reino Unido e para os países da União Europeia. A Comunicação Social nacional e internacional e muita da classe política já há muito deram a sua sentença: o Brexit foi um disparate, e os britânicos já estão muito arrependidos de o terem aprovado e querem voltar a integrar a UE.

Mas falando em termos muito simples e directos, esta sentença é errada porque não tem qualquer base empírica que o confirme e que vá para além da opinião dos jornais ditos de “referência” que são muito lidos em Portugal e que fizeram campanha contra a saída do Reino Unido da UE, como o “Financial Times” ou o “The Economist”.

Na realidade, ainda é demasiado cedo para se tirar uma conclusão definitiva sobre as consequências do Brexit, mas os primeiros sinais não confirmam a ideia de os efeitos permanentes serem muito negativos. Podem já identificar-se algumas mudanças, mas afirmar já uma conclusão definitiva seria ainda muito extemporâneo.

Uma das razões, talvez a principal, para a incerteza que permanece acerca dos efeitos é a coincidência temporal entre o Brexit e a pandemia de Covid-19 no início de 2020. Esta coincidência tornou simultâneos os efeitos dos dois choques e dificultou a sua separação.

Mesmo passados 4 anos, ainda é difícil separar os seus efeitos porque o impacto do Covid-19 no funcionamento e na reorganização das cadeias globais de fornecimento ainda hoje se faz sentir.

A informação económica comparativa entre o Reino Unido e as restantes economias de dimensão similar que foram afectados pelos dois fenómenos não é conclusiva. As duas tabelas em baixo comparam os países grandes na Europa e os Estados Unidos (a OCDE não disponibiliza dados dos EUA para as exportações em 2022).

Em termos de crescimento, o que se observa é que o Reino Unido cresceu mais do que Alemanha e França entre 2019, o ano anterior à pandemia e ao Brexit, e 2023, recuperando mais rapidamente dos seus efeitos combinados do que os dois países da UE.

Mas o desempenho dos três países foi claramente inferior à de outras grandes economias. Os três cresceram menos do que os italianos, que conseguiram ultrapassar a estagnação em que se encontravam desde o início do século XXI. E do que Polónia e Estados Unidos, que estão a um nível que aqueles 3 países não conseguem alcançar.

Nas exportações totais, o Reino Unido cresceu mais do que Alemanha e França entre 2016 e 2019, mas cresceu menos do que Alemanha e mais do que França entre 2019 e 2022.

No comércio entre os três países, as trocas do Reino Unido com França aumentaram 11,4% entre 2019 e 2022, mostrando que os dois choques estarão ultrapassados e que os seus efeitos permanentes não foram significativos. Mas face à Alemanha, o comércio bilateral com o Reino Unido no mesmo período apenas cresceu 2,1%, o que traduz o fraco crescimento das duas economias e indicia a continuação de dificuldades ao nível da troca de bens.

Em termos gerais, estes números parecem mostrar duas coisas:

  1. Os comentadores, como no “The Economist” e no “Financial Times”, sempre assumiram erradamente que o Brexit prejudicaria o Reino Unido e em nada afectaria os restantes países. Agora percebemos que esta ideia era errada e que os efeitos foram também para as economias dos países da UE que mais trocas realizam com os britânicos.
  2. Mais importante, os números mostram como as maiores economias europeias estão próximas da estagnação. O facto de o comércio externo do Reino Unido se ter orientado para fora da UE, com o qual cresceu saudavelmente 27% entre 2019 e 2022 apesar dos problemas nas cadeias de valor (aumentou apenas 14% com a UE), tendo recuperado dos choques da pandemia e do Brexit, confirma esta ideia.

Nesta perspectiva, o péssimo desempenho da economia alemã, que assenta mais na indústria (30% e 69% nos serviços) do que a britânica (19% na indústria e 80% nos serviços) estará associado aos efeitos perturbadores do Brexit e da pandemia – indicando que o impacto negativo da pandemia no funcionamento das cadeias de valor se continua a sentir e que a relocalização de alguma indústria alemã para a Europa ainda não beneficiou significativamente as exportações – e à sua dependência de energia russa, cujos custos subiram substancialmente desde o início da guerra na Ucrânia.

Mas o mau desempenho da Alemanha, de França e do Reino Unido está também associada à incapacidade das suas economias em se reformarem. A comparação com a evolução de Estados Unidos, Itália ou Polónia reforça esta ideia.

Por todas estas razões ainda é cedo para se tirarem conclusões definitivas sobre os efeitos do Brexit. O que se pode dizer é que os agentes económicos fizeram o que costumam fazer, ajustaram as suas expectativas e adaptaram-se à nova situação. Se o saldo foi positivo ou negativo apenas a prazo o saberemos.

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