Centeno e o Eurogrupo
O facto de Mário Centeno, neste momento, ter possibilidades efectivas de chegar à liderança do Eurogrupo é um reflexo de uma correcção de rumo no projecto europeu.
Há sete anos, Portugal encontrava-se numa crise profunda. A conjugação da ausência de política monetária com os problemas de credibilidade nos mercados internacionais gerou uma tempestade perfeita e obrigaram o país a solicitar financiamento à União Europeia e ao Fundo Monetário Internacional. Eram tempos de grandes dificuldades para uma Europa que enfrentava problemas inéditos para os quais não estavam previstas soluções. A necessidade de improvisar favoreceu o poder do governo da Alemanha, o único país com músculo económico para aportar soluções ao problema.
O sucesso da receita alemã residiu na capacidade de estancar a parte mais visível da crise financeira (à custa de muito dinheiro) e na criação de mecanismos que dotaram a moeda única de maior estabilidade e de autonomia na resposta a problemas. A face mais negativa desta liderança foi sobretudo política. O desprezo pela soberania dos países afectados e pelas consequências sociais que a crise provocou nas populações afectadas e uma certa ideia de castigo exemplar aos não-cumpridores impediram a Alemanha de assumir uma liderança com prestígio e com capacidade para impulsionar uma nova etapa no processo europeu. Talvez se venham a arrepender mais tarde.
O facto de Mário Centeno, neste momento, ter possibilidades efectivas de chegar à liderança do Eurogrupo é um reflexo de uma correcção de rumo no projecto europeu e de uma compreensão parcial dos erros. Centeno representa um governo que foi formado, em 2015, contra a vontade de todos os líderes europeus. O apoio parlamentar de comunistas e de uma formação de esquerda radical (ou “extrema-esquerda”, como depreciativamente a direita classifica o Bloco de Esquerda) e o esbracejar do que restava do anterior governo fizeram Berlim e Bruxelas temer o pior. No entanto, semana após semana, com sobressaltos como a recapitalização da Caixa e venda do BANIF, o ministro das Finanças português foi cumprindo as metas a que o Estado português se tinha vinculado.
Que se desengane quem pense que a atitude em relação a Lisboa mudou radicalmente. Portugal é hoje o exemplo de que a Europa e a Alemanha precisam para demonstrar que austeridade produz bons resultados a médio-prazo e que é compatível com um Estado com políticas sociais e capacidade para gerar emprego. Obviamente, há muitos factores externos a beneficiar o actual momento, mas a União Europeia alimenta-se sobretudo de números e de percepções passadas aos mercados.
Para os portugueses, que por sentir tudo isto na pele olham e vêem mais do que os números, Mário Centeno está mesmo de parabéns: compatibilizar metas espartanas, estabelecidas num momento em que um Portugal sufocado se viu obrigado a assinar tudo o que lhe foi posto à frente, com a pressão de dois partidos visceralmente contra essas obrigações é obra. Centeno é, hoje, o seguro de vida interno e externo de António Costa. Esperemos que o primeiro-ministro tenha consciência do valor deste activo.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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