Editorial

Centeno tem de decidir o que quer

A candidatura do governador do Banco de Portugal à Presidência da República parece estar em marcha. Mas como é que Centeno vai gerir a dupla condição de governador e candidato?

É dos segredos mais mal guardados da política portuguesa (e não, não é o Orçamento do Estado ou uma eventual crise política), mas ganhou uma relevância incontornável com a notícia do Observador. “De ex-ministros do PS a Nobre Guedes. Conversas para candidatura de Centeno a Belém começaram há um ano e estendem-se à direita“. Depois de ter admitido avaliar uma sucessão a António Costa sem eleições, Mário Centeno está a avaliar uma candidatura a Belém. Estaria tudo bem, não estivesse em causa o Banco de Portugal, a sua independência e reputação.

No passado dia 1 de agosto, o governador do Banco de Portugal deu uma entrevista ao podcast do Expresso “Bloco Central” e passou duas mensagens que foram, na verdade, contraditórias.

Sobre o Banco de Portugal:

  • Estou a desempenhar o cargo de governador para chegar a julho do ano que vem em condições de ter um segundo mandato

Sobre a Presidência da República:

  • “Como as instituições, os momentos devem ser respeitados (…) todos terão de tomar decisões”.

Obviamente, Mário Centeno tem toda a legitimidade para ter ambições políticas. O economista aprendeu a ser político, e dos bons. Veio do centro-direita para o centro-esquerda — basta ler o que defendia para a reforma do mercado de trabalho antes de ser escolhido por António Costa para ministro das Finanças — e ganhou uma popularidade que não é comum para quem passa pela pasta das Finanças.

Mais: O PS não tem melhor candidato para apresentar a Belém, e Centeno é um fortíssimo nome para os socialistas regressarem a Belém, qualquer que seja o candidato à direita. Costa, recorde-se, comprou a aliança com Marcelo ao anunciar o apoio ao Presidente, o que não serviu de muito, como se viu. Agora, Pedro Nuno Santos quer ter candidato próprio, e Centeno tem a vantagem de entrar também ao centro. Depois, numa segunda volta, previsível, vai também unir toda a esquerda.

E como fica o Banco de Portugal e a sua independência face aos poderes políticos. Mário Centeno entrou mal no banco central, poucos meses depois de sair do Governo, ameaçando a credibilidade de uma instituição por óbvios motivos de conflito de interesse. Portanto, estava no Governo a pensar no Banco de Portugal. Arrisca agora sair ainda pior, para protagonizar uma candidatura socialista a Belém. Está no Banco de Portugal a pensar em Belém?

No contexto político do país — ainda ninguém sabe se o Orçamento para 2025 passa ou se vamos mesmo para uma crise política e eleições antecipadas –, a posição independente do Banco de Portugal é um valor que tem de ser inegociável. Ora, os rumores e as notícias não desmentidas de que Centeno está a avaliar — se é que já não decidiu mesmo — uma candidatura a Belém põe o Banco de Portugal no centro do debate político e partidário. Mais, o Banco de Portugal vai publicar pelo menos dois boletins económicos antes do fim do atual mandato de Centeno, um já no próximo dia 8 de outubro, dois dias antes de ser apresentado o Orçamento, que, neste contexto, serão lidos partidariamente em função do ponto de análise, seja o Governo ou a oposição, e o PS em particular.

Mário Centeno tem assim de tomar uma decisão sobre o seu futuro político e cumprir o que prometeu no dia da sua posse, no dia 20 de julho de 2020. “Ao longo de 25 anos aprendi que a independência se exerce pela ação, pela materialização de uma vocação para o serviço público. A independência não é uma mera atribuição, algo que nos é outorgado (…) A independência do Banco Central não se questiona, nem se impõe. Ao Banco de Portugal, não cabe ter estados de alma, acerca da natureza da sua independência, muito menos ao seu Governador“.

Quer ser governador do Banco de Portugal até ao fim do mandato e no exercício pleno e genuíno de independência ou quer ser candidato a Belém em janeiro de 2026?

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