Chile, os fins não justificam tudo
Costa fala de um dos golpes mais dramáticos e mais duradouros que foi a ditadura de Pinochet. Por isso deve ter ido ao Chile comemorar o caminho para a pobreza que está a implementar em Portugal.
Esta semana houve comemorações no Chile dos 50 anos do golpe de Estado liderado por Augusto Pinochet. O Primeiro-Ministro português esteve presente, segundo o próprio, para comemorar o fim da Democracia e o início de uma «ditadura sanguinária». Não se percebe muito bem porquê.
Normalmente comemora-se uma data que marca o início de uma coisa boa e /ou o fim de uma coisa má. O nascimento dos nossos entes queridos é que o vem de imediato à memória. Mas também se comemora a soberania de Portugal, em 5 de Outubro de 1143, a restauração da independência, em 1 de Dezembro de 1640, ou a recuperação da liberdade que foi interrompida em 1910, a 25 de Abril de 1974.
Alguns chilenos optaram por comemorar o fim de uma coisa supostamente boa, a governação de Salvador Allende, e o início de uma má, a ditadura de Pinochet. Gente estranha, os chilenos. Mais estranho ainda é comemorar-se uma data que divide profundamente o país. A comunicação social portuguesa não fala disso, mas ocorreram manifestações e distúrbios contra as comemorações nos dias que a antecederam.
A razão é que o partido no poder, a coligação de esquerda Convivência Social, tentou, entre muitos vivas à democracia como os que se ouviram esta semana em Santiago, mudar a constituição. Mas para bem dos chilenos quem ganhou as eleições de Maio de 2023 para a assembleia constituinte foi a direita que defende a liberdade e a prosperidade.
Esta oposição entre um governo de esquerda e uma assembleia constituinte de direita mostram que o país está partido ao meio e confirmam que as comemorações que o Presidente Gabriel Boric teimou em organizar, e em que António Costa participa, são mais uma tentativa de criar conflitualidade e de dividir para reinar. Os fins não justificam tudo, mas para o actual governo chileno não há limites.
No Chile de Allende, no início dos anos 1970, passou-se exactamente o mesmo. Allende era o que se chama um político do sistema. Durante décadas foi senador, tendo ocupado esse lugar em todos os regimes. Sempre ambicionou chegar à presidência do Chile e foi um candidato derrotado em diversas eleições.
Em 1970 Allende obteve 36% dos votos (ganhou por 29 mil votos em 3,5 milhões de eleitores) e formou um governo minoritário. O seu objectivo, nunca escondido, foi formar um Estado marxista que unisse socialistas, comunistas e outros radicais dentro da legalidade constitucional, tendo para isso recebido financiamento soviético.
Para ser poder, e como a direita tinha mais de 60% dos votos, fez um Pacto das Garantias Democráticas com os democratas-cristãos. Como explica Patricio Dooner no seu livro sobre o governo Allende, os democratas-cristãos consideravam eticamente justo que o partido mais votado liderasse o governo e não o que ficou em segundo lugar (a diferença de princípios com o socialismo de António Costa ou de Pedro Sanchéz fala por si).
Para isso puseram como condição para a assinatura do Pacto, entre outras coisas, a continuação da liberdade de expressão, do direito de reunião e de associação, a inviolabilidade da correspondência, a liberdade de circulação e a base constitucional das forças de segurança.
A governação de Allende, constituída por vários partidos radicais que não se entendiam sobre a forma de forçar o socialismo na sociedade chilena – uns defendiam que deveria ser pela força, outros gradualmente – desde cedo se caracterizou pelo conflito permanente com todas as forças vivas da sociedade chilena e foi um descalabro económico e social.
Para isso, Allende não hesitou em promover os membros mais radicais da sua aliança, demitindo os moderados, levar Fidel Castro ao Chile, numa clara atitude de provocação, e em colocar o poder na rua e usar o conflito para impor o marxismo.
Os confrontos resultaram da radicalização do governo e das forças que o apoiavam e exerciam o poder na rua, incluindo a televisão e jornais como o “Clarin” e “La Nación”, que atacavam todos os que recusassem as ilegalidades que estavam a ser impostas pela força.
O governo também recorria a sucessivas declarações de estado de emergência, em que as Forças Armadas ao seu serviço e forças de choque civis controladas pelo Partido Socialista eram usadas para calar a oposição ao marxismo e reprimir greves. Ou seja, exactamente o que PCP e os ainda mais radicais que são hoje o Bloco de Esquerda tentaram forçar em Portugal.
Allende e os seus comparsas incentivaram todo o tipo de ocupações ilegais pelos aliados e pelos trabalhadores e nacionalizaram a maior parte da economia, incluindo as minas, as principais empresas e toda a banca. Promoveram a ocupação de terras em nome de uma reforma agrária que visava eliminar os latifúndios, tudo com o objectivo final de eliminar a propriedade privada dos meios de produção.
Todas as garantias de liberdade política e de direitos democráticos dos chilenos que os democratas-cristãos tentaram defender foram postas em causa pela política de confronto de Allende e dos seus aliados, o que levou à quebra do Pacto.
Os cinco partidos não socialistas, que tinham maioria no parlamento, fizeram uma declaração pública a denunciar que o primado da lei e da constituição não eram respeitados e que o Chile caminhava de uma forma acelerada para uma ditadura totalitária.
Os resultados da governação de Allende, que assumiu explicitamente não ser o presidente de todos os chilenos, foram centenas de mortes causadas por confrontos com as forças às ordens do governo, o encerramento e a ocupação de jornais e rádios, a prisão de opositores e ataques ao sistema judicial e aos tribunais com o argumento de que se opunham ao marxismo. O Chile esteve à beira de uma guerra civil e o governo não mostrou procurar a estabilidade.
Em três anos de governo de Allende, e antes do choque petrolífero de 1973, a inflação ultrapassou os 100% e foi destruída toda a riqueza criada ao longo dos anos 1960, levando milhares de chilenos de volta à pobreza e fazendo diminuir o seu nível de vida em 10%.
A estória que nos é sempre contada nos jornais e por historiadores militantes é que Allende lutava pela democracia, em contraste com o ditador Pinochet. Mas a História não é uma estória. Nada do que se passou no Chile entre 1970 e 1973 é contado na comunicação social de países como Portugal, apenas os elogios a Allende são amplamente noticiados. Aliás como se pôde observar na semana que passou.
Apesar de minoritário, e ao contrário de Cunhal, que recuou na hora decisiva, Allende nunca se inibiu para forçar o marxismo. O que é evidente é toda a contradição a seu respeito: quis impor um Estado marxista com uma votação minoritária, uma ideologia antidemocrática, financiado por uma ditadura e ignorando a vontade de mais de 60% dos chilenos, mas em Portugal, e em boa parte do Mundo, é visto como um democrata. Os fins não justificam tudo, mas para Allende e o seu devaneio ideológico não houve limites.
A maior ironia das comemorações no Chile, no entanto, é que enquanto em Portugal alguns socialistas (na realidade sociais-democratas) como Mário Soares defendiam um país livre e democrático, e combatiam os abusos dos comunistas e de outros radicais de esquerda que tentavam instalar uma ditadura marxista, naquele país sul-americano os socialistas estavam de mãos dadas com os comunistas e outros radicais para impor essa mesma ditadura marxista.
Tanto cá como lá os anos 1970 foram marcados por uma tentativa dos marxistas para destruir o país. A diferença é que os socialistas em Portugal eram sociais-democratas e combateram a revolução comunista. No Chile de Allende não eram e defenderam a ditadura comunista.
Por isso é caricato que António Costa tenha ido ao Chile celebrar os adversários de Soares no pós-25 de Abril. Costa foi apoiar os que no Chile quiseram uma ditadura marxista, como Allende tentou implementar, exactamente o mesmo que os socialistas democratas ajudaram a derrotar em Portugal nos anos 1970.
Qual a razão para tal hipocrisia? A única que me parece óbvia é que tal como o actual presidente chileno, e tal como Allende antes dele, Costa divide para reinar: divisões no seu partido, divisões no governo, divisões com o Presidente ou divisões entre a oposição. Os fins não justificam tudo, mas para Costa e a sua “chico espertice” não há limites.
O resto da História é conhecido. Em Portugal os marxistas foram parados pela força em 25 de Novembro sob liderança dos verdadeiros democratas. No Chile, os marxistas que se intitulavam democratas foram parados pela força liderada por um ditador.
Na tentativa de impor uma sociedade marxista e para o ajudar a controlar o país, Allende nomeou Augusto Pinochet para chefe do exército. Mas o mesmo Pinochet faria um golpe de Estado e correria com o marxismo e com Allende, que se suicidou no próprio dia sem assumir as responsabilidades pelos conflitos e pelos problemas que tinha causado.
Pinochet actuou com mão-de-ferro para tirar o poder da rua, com repressão e provocando 3 mil mortos e desaparecidos, e vários milhares de presos por razões políticas. Tal como aconteceu com Allende, os fins não justificam tudo, mas para Pinochet não houve limites.
A grande diferença entre Pinochet e as ditaduras socialistas da América Latina é que o desenvolvimento e as condições da população no Chile são incomparavelmente melhores e não têm igual na região. O gráfico não engana quando mostra as condições de vida nesses países (a Venezuela empobreceu e as oscilações devem-se à variação do preço do petróleo nos mercados internacionais, mas as suas receitas estão concentradas em Maduro e aliados).
Com as reformas profundas implementadas sob Pinochet, o Chile iniciou um período dourado de desenvolvimento, tendo as condições de vida crescido 52% até 1990, quando o ditador largou o poder, e tendo colocado o Chile a caminho de ser o país mais rico da América Latina e o único que tem um nível de vida próximos dos países desenvolvidos. Apesar de continuar a haver sinais visíveis de pobreza, o nível de vida dos chilenos mais do que duplicou até 2018.
O problema actual do Chile é que são estas políticas de prosperidade que o actual presidente de esquerda quer reverter. O caminho que parece querer trilhar é o de Allende e do atraso que resultou das ditaduras socialistas no resto da América Latina, e que significa menos liberdade, mais populismo, mais pobreza e mais instabilidade que irá, no futuro, piorar estas condições. Infelizmente está a alastrar-se para países como Argentina, Colômbia, México, Perú, Bolívia, Honduras ou Brasil.
Costa fala de um dos golpes mais dramáticos e mais duradouros que foi a ditadura de Pinochet. Por isso deve ter ido ao Chile comemorar o caminho para a pobreza que está a implementar em Portugal.
Pinochet, Castro, Chávez, Ortega e outros foram iguais no despotismo e na barbárie. Basta pensar que em Cuba a revolução comunista matou mais de 15 mil cubanos e prendeu mais de 100 mil, na Nicarágua morreram 50 mil na guerra civil e houve 400 mil exilados e que na Venezuela bolivariana foram mortos mais de 10 mil opositores desde 2015 (de acordo com a Organização dos Estados Americanos), existe corrupção em vez de liberdade e aumenta a pobreza. Apesar disso, no ocidente civilizado, na sua comunicação social e para António Costa apenas Pinochet é um ditador bárbaro.
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