Estamos de novo a entrar na época de discussão dos fogos e São Pedro determinará se este ano a discussão é muita ou pouca. O que também é uma coisa banal.

Portugal tem um programa de apoio aos sapadores florestais que consiste em pagar a equipas de cinco pessoas para apoiarem a gestão florestal do território, em grande parte para que tenhamos uma gestão de fogos que seja socialmente aceitável.

Nalguns casos, estas equipas estão ao serviço de entidades públicas que raramente têm propriedades florestais para gerir. Noutros casos estão ao serviço de entidades colectivas como associações de produtores, entidades gestoras de Zonas de Intervenção Florestal ou de baldios, e entidades semelhantes. Tirando as entidades gestoras de baldios, nenhuma das outras tem terra sua para gerir.

Poder-se-ia argumentar que as associações de proprietários florestais representam quem tem terra para gerir, o que até será verdade, às vezes. Como estas associações não vivem predominantemente das quotas dos seus sócios, ou dos serviços prestados aos seus sócios mas, maioritariamente, de um conjunto de apoios do Estado, respondem melhor aos interesses de quem os financia que aos interesses dos seus sócios. Como quem os financia escrutina mal o dinheiro que lhes entrega, respondem sobretudo aos interesses dos seus funcionários em manter os seus empregos.

Ainda assim, pode argumentar-se que estas equipas fazem serviço público de apoio à gestão do território, nomeadamente na gestão de combustíveis.

Estas equipas custam ao Estado qualquer coisa como quarenta mil euros por ano por cada uma e, contratualmente, estão obrigadas a fazer controlo de combustíveis em 25 hectares por ano. Tendo em atenção que algumas destas equipas trabalham para entidades públicas, só fazendo serviço público, os dados apontam para uma gestão de combustíveis – roçar mato em linguagem menos complicada – de cerca de 40 hectares por ano e equipa, havendo muito boas equipas que gerem combustíveis no dobro desta área, ou seja, por volta dos 80 hectares por ano e por equipa.

Com alargado apoio das “forças vivas” do sector,, este programa de sapadores florestais aceita pagar qualquer coisa como mil euros por hectare (quarenta mil euros de custo para gestão de 40 hectares) para gestão de combustíveis.

Um pastor, com um rebanho de 150 cabras, faz uma gestão de cerca de 100 hectares de gestão de combustíveis.

Reconhecendo o serviço público que esta gestão de combustíveis representa, o Estado português desenhou o programa de cabras sapadoras em que paga mais ou menos 100 euros por ano, um por quarto da área gerida pelo rebanho, e 25 euros por hectare pelos outros três quartos.

A equipa de sapadores corresponde a cinco empregos, 40 hectares de gestão combustíveis, a que se somam as despesas com equipamentos, nomeadamente a viatura em que se deslocam, e resulta num consumo substancial de gasóleo e outros combustíveis fósseis, o que custa quarenta mil euros dos impostos de todos.

O pastor corresponde a um só emprego, 100 hectares de gestão de combustíveis, a que se soma a produção do rebanho, vamos admitir, 150 cabritos anuais que representam uma criação de riqueza (apenas no produtor, esqueçamos toda a cadeia de abastecimento) de cerca de sete mil e quinhentos euros – números grosseiros que podem ter variações relevantes. Estes sete mil e quinhentos euros correspondem ao financiamento da gestão dos fogos pelos consumidores e não pelos contribuintes, ficando para os contribuintes, através do programa de cabras sapadoras, uma factura de cerca de quatro mil e quinhentos euros, ou seja, duas vezes e meia mais área de gestão de combustíveis por cerca de um décimo do custo para o contribuinte.

Pois, mesmo assim, e aceitando facilmente que as contas precisem de ser aferidas para ser mais rigorosas, o país acha normal pagar dez vezes mais para obter metade do serviço de gestão de combustíveis que poderia obter a partir de uma decisão administrativa simples: pagar igualmente os mesmos resultados, independentemente da forma como são obtidos.

É porque o país se contenta com coisas medíocres – como avaliar programas de investimento em que o indicador de resultado é a despesa efectuada, qualquer que seja o resultado real obtido – que lhe custa tanto investir no mínimo de complexidade e sofisticação necessária para definir o resultado que pretende obter na prevenção de fogos, definir os recursos que pretende alocar para obter esse resultado e deixar às pessoas a forma de produzir os resultados pretendidos. Se a gestão de combustíveis será feita pelo pastoreio, a resinagem, a caça, a conservação, a exploração florestal dependerá essencialmente do que for mais eficiente em cada situação, havendo situações em que as tais equipas de sapadores serão uma boa solução.

Claro que isso implica uma diminuição dos pequenos poderes que asseguram o controlo social pela capacidade de dar ou retirar o emprego nos sapadores, ou de decidir sobre quem beneficia, ou não, do trabalho dos sapadores.

Claro que isso significa enfrentar o poder organizado nas associações de produtores florestais, gabinetes técnicos florestais, câmaras municipais sem ter em troca qualquer apoio do mais que frágil sector do pastoreio extensivo, sem organização, qualificação e apoio social.

Para os contribuintes, aceitar tudo isto é banal.

Escrutinar a forma como os impostos são gastos, perguntar-se por que razão metade dos apoios europeus para a prevenção de fogos florestais é gasto no Alentejo, ou por que razão 80% dos apoios para a agricultura biológica pagam pastagens de vacas no Alentejo, isso já é pedir muito e dá muito trabalho. Assim como assim, pagar muitos impostos, ter uma economia ineficiente e ser dos países mais pobres da União Europeia sempre foram coisas banais.

Tal como vai sendo cada vez mais banal morrerem pessoas em incêndios brutais que resultam da ausência de gestão, problema que achamos que se resolve passando multas aos proprietários de quem os vizinhos fazem queixa, comprando aviões e financiando associações de bombeiros a quem nos esquecemos de pedir contas pelo dinheiro que os contribuintes lhes entregam.

Estamos de novo a entrar na época de discussão dos fogos e São Pedro determinará se este ano a discussão é muita ou pouca. O que também é uma coisa banal.

Nota: porque pequenas alterações profissionais me fazem considerar que passa a haver alguma incompatibilidade entre continuar esta colaboração e as minhas obrigações profissionais, deixarei de escrever regularmente no ECO, a quem agradeço a oportunidade que me foi dada.

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