
Comércio, chantagem e submissão: A capitulação de von der Leyen
O velho continente está envelhecido, enfraquecido, dependente. Com lideranças internamente fracas, externamente irrelevantes ou elites amedrontadas, não vejo como algo possa mudar.
Num comunicado conjunto, em março deste ano, no contexto da paz na Ucrânia, von der Leyen e António Costa diziam que “não se pode recompensar o agressor”. Muito bem, não podia estar mais de acordo, é uma questão de incentivos. Se Putin sair da Ucrânia com mais território de facto do que aquele com que entrou na guerra, tem todo o incentivo para repetir a façanha. Estamos todos de acordo. Só é pena que von der Leyen seja apóstata da sua própria doutrina, porque quando o bully veio armado bater à nossa porta, a estratégia foi passar-lhe a carteira para as mãos.
Não deve ser muito normal Orbán e Bayrou estarem de acordo, mas a presidente da Comissão conseguiu o impensável. Deixando a retórica mais ou menos agressiva de lado, é evidente que o acordo não foi bom. Em janeiro, a tarifa era 1,2% (valor calculado pela CNN US). Em abril, passou a 20%. Quando se pensava que o acordo estava próximo de estar fechado, Trump voltou à carga com 30% e, no fim, os europeus festejaram os 15%. Quem ganhou? Washington, com certeza.
A estratégia terrorista de Trump é cega, não olha a quem ameaça, nesse sentido é democrática. É com base na guilhotina que quer reorganizar o poder americano no mundo. Mas a verdade é que tem acumulado vitórias, na NATO sacou uns 5% do PIB aleatórios da algibeira e os líderes europeus, amedrontados, entre palmas, assinaram de cruz. Nos acordos comerciais, na base da ameaça, conseguiu deixar meio mundo a pedir clemência. Com a Europa, para além dos 15% da tarifa, conseguiu 750 mil milhões de dólares em energia e investimento direto de 600 mil milhões, a somar às aquisições de material militar que, afinal, parece que não vão desenvolver a indústria de defesa europeia. Admito que possa ser demasiado exigente nos meus critérios de vitória, mas, por mais voltas que dê ao acordo, não vejo onde possa estar a vitória europeia.
Responder-me-ão ‘Ah, mas 15% é melhor que 30% e com o acordo, finalmente, temos a tão precisa estabilidade’. Sim, a matemática diz-nos que 15% é melhor que 30%, mas também que 0% é melhor que 15%. Com o acordo, premiamos o agressor, legitimamos a estratégia, mostramos a plenitude da nossa fraqueza. Quanto à estabilidade, também existia antes de janeiro, éramos aliados e parceiros. Brutalmente, o status quo mudou e ninguém nos pode garantir que amanhã, se as contas externas americanas não passarem a ser equilibradas, não se volta a aumentar tarifas. Ninguém. Os 20% também eram finais e passaram a 30%. Se as sondagens estiverem certas e, para o ano, Orbán perder a eleição na Hungria e clamar por fraude eleitoral, quem é que nos garante que não teremos o mesmo tratamento do Brasil? No fim de contas, JD Vance já veio a Munique tentar dar-nos lições de democracia e para boa parte da administração o que aqui se passa não é democrático se não ganharem os seus compagnons de route.
Se os EUA representam 26% do PIB global, a UE representa 17,5% e é a segunda potência comercial global. Se os norte-americanos são 340 milhões, os Europeus são 450 milhões. Face a esta correlação de forças, então de onde vem tanta desigualdade negocial? A Europa fez de si um continente de dependências: económica, energética, militar, incapaz de crescer e de satisfazer os seus povos. Quando o dividendo da paz se torna difuso e a guerra volta a ameaçar, destaca-se um sentimento de impotência de instituições que desistiram de ambicionar ou defender a nossa soberania europeia estratégica.
Somos o segundo maior bloco comercial global. Em 2025, projeta-se que só os EUA vão investir mais em defesa do que nós, deixando para trás a China e a Rússia. No entanto, fomos pior tratados nas negociações que países não aliados ou menos relevantes. No acordo, chegamos a números similares aos de outros países. Trump, que pressente o medo como ninguém, percebeu a nossa precariedade negocial, as pressões que vinham de Berlim e Roma. Compreendeu que, como na NATO, se esticasse a corda, levaria sempre a melhor. Contudo, se a curto prazo a estratégia é vencedora, lembrar-lhe-ia a Lei de Lavoisier e se, na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma, na geopolítica funcionam as leis da natureza – não há espaços vazios. Se os EUA saem do concerto global, alguém lhes tomará o lugar.
O velho continente está envelhecido, enfraquecido, dependente. Não assusta ninguém, para além de si próprio. A nós, apavora-nos o nosso tão rápido declínio, a estagnação que parece inevitável, a produtividade que teima em não crescer. Assombra-nos a velocidade com que nos tornamos o museu do mundo. Com lideranças internamente fracas, externamente irrelevantes ou elites amedrontadas, não vejo como algo possa mudar.
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