Como é que a inflação afeta os títulos vinculados a seguros?

  • Dirk Lohmann
  • 12 Setembro 2022

Dirk Lohmann, Head of ILS da Schroders, explica como a inflação e respetivas proteções funcionam para os ILS, Obrigações ligadas a Seguros, muito utilizadas em Obrigações de Catástrofes (Cat Bonds).

A inflação impacta, de várias formas, os títulos vinculados a seguros (conhecidos por ILS), a um nível que os investidores de outros tipos de ativos podem não estar familiarizados. Explicamos como a inflação e respetivas proteções funcionam para os ILS.

A inflação, em economias-chave, atingiu níveis nunca antes vistos em mais de 40 anos, e o que inicialmente se julgava ser transitório parece agora ser mais persistente. Aparentemente apanhados de surpresa, os bancos centrais estão a tomar uma posição mais sólida para a mitigar.

Mas, o que significa a inflação para as seguradoras e, mais especificamente, para os investidores em ILS (insurance linked securities)?

Como é que o risco de inflação afeta os sinistros

A sabedoria aceite no setor dos seguros é que “quanto mais tempo demorar a regularizar um sinistro, mais caro se torna”. Por exemplo, se uma casa for danificada num sismo, uma apólice poderá ter de cobrir o alojamento temporário dos ocupantes durante as reparações em curso. Quanto mais demoradas forem essas reparações, mais cara é a perda para a companhia de seguros. As quebras na supply chain relacionadas com a Covid são outro bom exemplo.

Uma inflação mais elevada piora esta situação – os custos aumentam muito mais rapidamente com o tempo e, consequentemente, com um impacto no custo final de qualquer reparação.

Inflação para as seguradoras não é apenas uma questão de risco macroeconómico

Para as seguradoras, existem outras forças que estão a fazer subir os valores dos seguros e, em última análise, quanto podem ter de pagar por um sinistro. Por exemplo, podem ser necessários melhoramentos num edifício danificado (como o acesso para pessoas com deficiência) para cumprir o mais recente código de construção. Ou determinados materiais (tais como telhas de madeira) que podem já não ser permitidos devido a requisitos mais rigorosos relacionados com perdas causadas por catástrofes que ocorreram anteriormente (por exemplo, incêndios florestais).

Têm, também, havido algumas tendências visíveis nas práticas de ajustamento dos sinistros e nos litígios dos segurados, que têm tido impacto na propriedade segurada (por vezes referida como “inflação social”). Uma das mais frequentes tem sido na prática da cessão de prestações pelo segurado ao abrigo de uma apólice da propriedade segurada a um construtor. Nesses casos, a primeira vez que uma seguradora pode ter conhecimento de um sinistro é depois de o construtor ter concluído o trabalho e apresentado a fatura à seguradora.

Esta prática foi particularmente aplicada na Flórida e resultou num aumento significativo do valor das perdas, particularmente após o Furacão Irma. As tentativas da indústria seguradora de limitar esta prática, alterando a redação das apólices, tiveram um êxito limitado perante os tribunais favoráveis ao requerente. As seguradoras e resseguradoras terão de adaptar os seus valores de modo a refletir as tendências observadas a longo prazo no custo dos prejuízos que não podem ser diretamente atribuídos a métricas identificáveis e conhecidas.

Os exemplos acima podem ser considerados pelo aumento do valor segurado “por propriedade” ou, mais comum, “por unidade de exposição”. No entanto, a taxa de crescimento da exposição global de uma seguradora é também uma função do número de unidades que cobre. Isto está relacionado com o crescimento económico numa determinada região (que pode ser um Estado, cidade ou mesmo código postal). O exemplo mais óbvio é a quantidade de novas construções que ocorrem na Flórida, na medida em que as pessoas continuam a mudar-se para lá, não apenas para se reformarem, mas cada vez mais para viverem e trabalharem na era dos modelos de trabalho mais flexíveis. Mesmo que houvesse 0% de inflação num sentido macroeconómico, as exposições das seguradoras continuariam a aumentar.

O que podem as seguradoras fazer para gerir o crescimento da exposição induzido pela inflação?

Uma das principais defesas que as companhias de seguros têm contra a crescente exposição aos custos é ajustar regularmente o Capital Seguro de um determinado bem segurado. A maioria faz isto anualmente, que serve de base para o cálculo do prémio. As alterações no Capital Seguros podem também refletir custos estimados mais elevados, na sequência de uma alteração no código do edifício, por exemplo.

Para além de gerir a exposição da companhia de seguros, tem, também, o benefício adicional de poder limitar o risco de um segurado acabar com um mau seguro – quando os valores declarados segurados são inferiores ao custo real de substituição e quando a companhia de seguros pode não ser obrigada a cobrir na totalidade as reparações.

Outra ferramenta no kit da companhia de seguros para gerir a inflação dos custos é restringir certos elementos da cobertura do seguro ao pagamento de um Valor Atual para a propriedade danificada em vez do custo total de substituição. Isto tem-se tornado cada vez mais comum no seguro de telhados mais antigos em propriedades residenciais.

As seguradoras também mudaram a sua prática na utilização de franquias para mitigar o impacto da inflação no custo das suas perdas. Historicamente, as seguradoras americanas tinham normalmente uma franquia fixa de 100, 250 ou 500 dólares, independentemente do Capital Seguro dos bens cobertos, embora estes sejam menos eficazes num mundo de inflação crescente e Capitais Seguros mais elevados.

Consequentemente, muitas seguradoras estão agora a aplicar uma franquia que é uma percentagem do Capital Seguro e que, por isso, aumenta como o Capital Seguro. Esta pode ser de 1%, 2% ou por vezes superior, dependendo do risco segurado. Embora não seja popular entre consumidores ou reguladores, a tendência tem sido para que estas franquias percentuais se apliquem aos riscos de catástrofe (onde muitas das apólices são afetadas pelo mesmo acontecimento), mantendo por vezes a franquia fixa para os riscos não-catástroficos.

As Obrigações de Catástrofe (Cat Bonds) oferecem alguma proteção contra a inflação?

Muitos dos nossos clientes têm levantado a questão de saber se os valores das Obrigações de Catástrofe correm o risco de serem afetados pela inflação. As obrigações negociáveis de catástrofe contêm certas características que procuram preservar a relação risco-recompensa durante a duração da obrigação.

As principais proteções são:

1. Reset anual

Numa obrigação de catástrofe de vários anos, o montante do risco é reavaliado anualmente. A camada da cobertura é alterada de modo a que o risco contido seja o mesmo num período anual subsequente que era no período anual inicial.

O reset é realizado executando o modelo de simulação de catástrofe contra dados de exposição novos/revistos, refletindo os valores atualizados do seguro (identificando se tiverem aumentado por qualquer razão, incluindo a inflação), ajustando o ponto de ligação (o ponto em que a obrigação pode começar a sofrer uma redução no capital) e a estrutura das tranches para manter um nível consistente de risco.

Em algumas obrigações de catástrofe é permitida uma variação limitada do risco de ano para ano e o valor futuro é ajustado de acordo com uma escala pré-acordada.

2. Fator de limitação do crescimento

Esta característica é aplicada a obrigações com um trigger de indemnização. Os triggers de indemnização são níveis de perda segurados que, quando superados, resultam numa cash call (contra a obrigação a favor do comprador da proteção). A limitação do crescimento é aplicada retrospetivamente, após a ocorrência de uma perda durante o período de risco.

No momento de um acontecimento de perda, o Capital Seguro em vigor é comparado com o Capital Seguro fornecido no início da ferramenta. Se a diferença for superior a uma percentagem acordada (normalmente limitada a 10%), então qualquer potencial recuperação é reduzida proporcionalmente para qualquer crescimento que exceda o fator de limitação.

Esta característica foi originalmente concebida para proporcionar aos compradores da proteção alguma redução no seu risco de base (o desfasamento entre o que pode ser recuperado e o que de outra forma poderia ter sido recuperado se não tivesse sido imposta a limitação), permitindo algum crescimento limitado na base de exposição durante o período de risco. Mas também protege os investidores em tempos de inflação elevada, quando o Capital Seguro poderia estar a aumentar rapidamente.

3. Retorno variável sobre a garantia

A natureza da taxa variável das Obrigações de Catástrofe significa que, à medida que os bancos centrais aumentam as taxas para combater a inflação, os seus valores irão aumentar.

O que mais podem os gestores dos ILS fazer para refletir adequadamente sobre o impacto da inflação?

Um gestor prudente dos ILS deve também fazer ajustamentos na sua visão para se adaptar ao risco colocado, neste caso, pela inflação.

Antes de mais, é preciso estar consciente de quando é que os dados de exposição submetidos para análise foram recolhidos. Para uma obrigação de indemnização que desencadeia uma catástrofe, ou uma transação privada de resseguro colateralizado, não é raro que os dados de exposição sejam recolhidos três a seis meses antes da data de início desta ferramenta. Depois deve considerar-se o tempo decorrido até que o potencial acontecimento possa ocorrer.

Exemplo:

Considerar uma obrigação de catástrofe como um trigger de indemnização que proporcione proteção contra o risco de Furacões no Atlântico Norte. Um conceito de 1 de janeiro de 2022.

As perdas serão então esperadas no final do terceiro ou quarto trimestre (agosto a outubro), quando for analisado o pico de atividade dos furacões. Se os dados de exposição apresentados para modelação da transação forem a 30 de junho de 2021 – seis meses antes de 1 de janeiro de 2022 – isto significa que as exposições em vigor (sem qualquer crescimento de novos negócios) terão experimentado mais 12 meses, pelo menos, de crescimento da exposição impulsionada pela inflação.

Isto não está habitualmente incluído nas projeções de modelação fornecidas pelo patrocinador quando a ferramenta é oferecida aos investidores dos ILS.

Em tempos de inflação muito baixa ou nula, este intervalo de tempo não era motivo de grande preocupação. No ambiente atual, contudo, um gestor prudente dos ILS deveria ajustar as suas probabilidades de perda esperadas para refletir o crescimento da exposição adicional devido à inflação (bem como outras variáveis).

Outra coisa de que se deve estar consciente é que a modelação das ferramentas dos ILS ativadas por índice (i.e., Industry Loss Warranties and Property Claim Services (PCS) ou Índice de Perigos de obrigações de catástrofe) se baseiam na mais recente divulgação do modelo por parte do próprio agente de modelação e na base de dados de exposição da indústria (IED) subjacente.

Fundamentalmente, enquanto os modelos estão sujeitos a atualizações ou lançamentos regulares, o IED subjacente pode ou não estar. Em algumas regiões de risco, os IEDs não são atualizados anualmente. Além disso, o timing de quando um reset é calculado pode não corresponder ao calendário de lançamento de um modelo ou IED atualizado, o que pode causar um maior desfasamento. Como no caso descrito para uma ferramenta acionada para uma indemnização, um gestor prudente dos ILS também ajustaria o IED ao aplicar um fator de inflação adequado para refletir que a exposição subjacente avaliada pode estar desatualizada.

Os modelos de catástrofes utilizados pelos mercados de seguros e de capitais são cada vez mais sofisticados, regularmente atualizados e ajustados para refletir as últimas investigações científicas sobre os perigos físicos e os danos que estes podem causar. Mesmo assim, permanece um grau residual de risco no modelo.

É por isso que os fornecedores destas ferramentas recebem um múltiplo sobre o valor de perda esperado do modelo como compensação pelo risco assumido. Contudo, como todos sabemos, a produção de um modelo é tão eficaz como a qualidade dos dados que tem como entrada. Assegurar que os dados utilizados na simulação das perdas projetadas refletem adequadamente a visão mais atual da exposição (incluindo os efeitos potenciais da inflação) é fundamental para se obter uma visão realista do risco e das recompensas colocadas por uma determinada transação.

Risco de inflação: Não está morto, mas mitigado?

Um dos desafios inerentes à venda de proteção de seguros é que se deve estabelecer um valor para os custos de um acontecimento futuro. Como delineámos, a indústria seguradora e os gestores dos ILS têm à sua disposição diferentes ferramentas e características que procuram compensar ou mitigar o impacto da inflação.

As práticas da indústria, tais como o Valor Atual ou a utilização de franquias dinâmicas são concebidas para assegurar que a inflação não resulte num aumento da exposição não compensada. Da mesma forma, características como a reposição anual, o fator de limitação do crescimento e a natureza de taxa variável das obrigações de catástrofe também oferecem um elemento de proteção contra o impacto da inflação.

Por último, mas não menos importante, um gestor prudente dos ILS pode ajustar os dados de exposição utilizados numa transação específica para compensar os desfasamentos de tempo inerentes entre o momento em que os dados de exposição foram recolhidos e o momento em que se pode esperar que uma perda tenha impacto na ferramenta a ser analisada. Embora estas ferramentas e práticas não tenham a capacidade de eliminar o risco imposto pela inflação aos investidores que apostam em títulos vinculados a seguros (ILS), estas poderão, em alternativa, mitigá-los. Já a resolução da problemática da inflação deverá ficar a cargo dos bancos centrais.

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