Como reduzir o desemprego de forma estrutural

Neste artigo abordo algumas tendências recentes preocupantes do nosso mercado laboral no contexto europeu e a sua relação com alguns dos problemas estruturais da economia.

Apesar do crescimento económico acima da União Europeia (UE) nos últimos anos, a taxa de desemprego de Portugal inverteu a trajetória de queda em 2023 (subida de 6,3% para 6,5%) e foi já a 8ª mais elevada da UE (cujo valor baixou de 6,2% para 6,1%), tendo em conta dados do Eurostat.

Esta é a leitura do primeiro gráfico apresentado. As projeções mais recentes do FMI, que não foram inseridas no gráfico, apontam para que a nossa taxa de desemprego se situe em 6,5% em 2024 (o que é consonante com as estimativas mensais disponíveis) e baixe para 6,4% em 2025, a refletir um reforço do crescimento económico, que passa de 1,9% em 2024 para 2,3% em 2025 (um pouco acima da previsão de 2,1% do governo no Orçamento de Estado). Nos anos subsequentes, o FMI projeta que a nossa taxa de desemprego baixa gradualmente até 6,2% em 2029 com um crescimento económico de 2%, em média.

Fonte: Eurostat. Nota: A cor cinza estão assinaladas os rankings de Portugal na UE27 nas respetivas séries.

A principal conclusão que retiro destes dados é que a taxa de desemprego de Portugal não baixa de 6,2% apesar de estarmos numa fase de expansão económica – ainda que muito influenciada por fatores temporários, associados ao turismo e aos investimentos do PRR – e tal corresponde a um valor elevado a nível europeu, o que denota problemas estruturais no nosso mercado de trabalho.

Um deles é a conhecida rigidez no despedimento, sendo sabido que, no nosso enquadramento legal, é mais fácil as empresas despedirem muitas pessoas do que poucas, o que poderá ajudar a explicar o crescimento dos despedimentos coletivos este ano – recentemente em destaque nos media – após uma fase de abrandamento, mas o ritmo de crescimento económico até já está a recuperar, como mostram os dados hoje divulgados pelo INE (subida homóloga real do PIB de 1,9% no 3º trimestre, após 1,6% e 1,4%).

Outro problema conhecido, a que vou dedicar mais atenção, é o desfasamento percebido entre as qualificações e competências oferecidas pelos trabalhadores e as procuradas pelas empresas e demais organizações no mercado. É o que se deduz dos dados subjacentes ao segundo gráfico apresentado.

Em 2023, a taxa de desemprego das pessoas com ensino superior (4,5%) de Portugal era a 5ª mais alta da UE. Ainda que seja um valor inferior à taxa de desemprego global (6,5%, na 8ª posição, como já referido), conforme esperado (as qualificações conferem maior empregabilidade, em média), não deixa de ser um contingente significativo de população qualificada que não está ao serviço das empresas, do Estado e do Terceiro Setor, num valor médio de 78 mil pessoas nesse ano, segundo as estimativas do Eurostat. A situação é relativamente pior nos jovens (15-24 anos), em que a taxa de desemprego é a 6ª maior da UE (20,3%) e, naqueles com qualificação superior, é a 4ª mais alta (19,4%), o que ajuda também a explicar a emigração do nosso talento jovem, para além dos salários e fiscalidade mais atrativos no estrangeiro.

Para baixarmos de forma estrutural a taxa de desemprego, em particular a dos jovens qualificados, há que adaptar melhor os currículos dos cursos às necessidades das organizações – nomeadamente nas ferramentas digitais, incluindo as de Inteligência Artificial –, apostar na formação (reskilling e upskilling) e elevar o perfil de especialização do país, para haver mais empregos qualificados e bem pagos disponíveis.

Fonte: Eurostat e cálculos próprios. Nota: A cor cinza estão assinaladas os rankings de Portugal na UE27 nas respetivas séries.

Tal deverá surgir a par com um salto de produtividade se melhorarmos a competitividade da economia, atraindo investimento nacional e estrangeiro qualificado, o que exige resolver alguns bloqueios.

1. Reforma fiscal e do Estado

A nível fiscal, precisamos de regras mais simples e uma revisão dos benefícios fiscais, abrindo espaço para menores taxas de imposto no IRC – a começar pela eliminação da derrama estadual, que impede a atração de investimento estruturante, como já demonstrei neste espaço de opinião – e no IRS, onde temos um número recorde de escalões na UE (9) e taxas de esforço ainda altas, apesar do desagravamento em curso.

Um sistema fiscal mais competitivo (nesta altura é o quarto pior da OCDE no ranking da Tax Foundation) requer, por isso, uma reforma profunda do mesmo, que deve surgir a par com outra reforma, a do Estado, que permita baixar gradualmente o peso da despesa no PIB e melhorar a sua composição – menos despesa corrente e mais investimento público –, pois só assim a redução da carga fiscal poderá ser mais expressiva e sustentável. Em 2025, a carga fiscal desce (finalmente), mas pouco, de 37,8% para 37,5% do PIB, com o corte de IRS a superar a subida do IRC (a baixa só tem efeito em 2026), do ISP e das contribuições sociais.

Infelizmente, vejo poucos sinais dessa desejada reforma do Estado na Proposta de Orçamento de Estado de 2025 (OE 25). Por exemplo, para compensar o aumento de despesa com salários em vários setores, eu esperaria uma redução líquida, a prazo, do número de funcionários públicos – mas melhor alocados em função das necessidades nas várias áreas –, o que exigiria um rácio de entradas por cada saída abaixo de 1, mas o que está previsto é um rácio de 1. Tal apenas permite congelar o elevado número de funcionários, a que não tem correspondido uma melhoria dos serviços, como sabemos, muito pelo contrário, pelo que é preciso muito melhor gestão e desburocratização, promovendo a produtividade (com realce para as ferramentas possibilitadas pela Inteligência Artificial) e a meritocracia, para atrair quadros superiores.

Há ainda que acautelar as necessidades futuras de funcionários desde já. Se na área da saúde foram anunciados novos cursos de medicina (haverá capacidade para formar especialistas?), na área escolar também serão precisos mais profissionais. Um estudo recente da Edulog (think tank para a educação da Fundação Belmiro de Azevedo) mostra que as escolas terão falta de professores (do ensino pré-escolar ao secundário) com habilitação profissional a praticamente todas as disciplinas dentro de seis anos, caso não sejam tomadas medidas estruturais. O estudo propõe um conjunto de recomendações que passam por aumentar o número de vagas nos cursos de formação de professores, especialmente em áreas críticas (como História, Matemática e Informática), bem como aumentar a atratividade da profissão de professor (no ponto 3 volto a esta questão).

Eu acrescentaria que é preciso olhar para as 78 mil pessoas com formação superior que estiveram desempregadas, em média, em 2023, ver quantas são professores desempregados que poderão suprir necessidades atuais e futuras, bem como criar programas de reconhecimento de competências e reskilling para acelerar a formação de novos professores desde a pré-primária até ao secundário. Fica a sugestão.

2. O papel da inovação

Outro aspeto fundamental para a melhoria da nossa competitividade e perfil de especialização, tendo em vista uma maior absorção da população qualificada (em particular a mais jovem), é a aposta na Investigação e Desenvolvimento (I&D), onde os sinais também não são bons. Segundo dados do Eurostat, a alocação do nosso orçamento público à I&D (fundos apenas nacionais, usados em atividades de investigação do Estado, das universidades e do setor privado) é a 6º mais baixa da UE (76,6 euros per capita em 2023, face a 275,6 na UE), o que se prende com a necessidade referida de melhoria da composição da despesa pública em favor de mais investimento, neste caso de I&D.

Com a redução a prazo dos fundos europeus, Portugal precisa de começar a pensar em formas de suprir a redução dessas verbas para que o investimento não baixe no futuro. O argumento vale também para os fundos de I&D, esperando-se que a alocação do orçamento venha a ter de subir para compensar.

Numa perspetiva fiscal, a elevada taxa nominal combinada de IRC afasta grandes empresas, precisamente as que mais investem em I&D – e que contratam relativamente mais trabalhadores qualificados e pagam melhores salários –, o que é um pouco mitigado pelos benefícios fiscais relativamente generosos à I&D (via SIFIDE), mas já se está a ver que se tenta corrigir uma distorção com outra. Como já argumentei neste mesmo espaço de opinião, estamos neste momento a atrair projetos de investimento relativamente pequenos, nomeadamente de I&D, que não vão parar a países fiscalmente mais atrativos, o que não é ambicioso. Seria vantajoso, a meu ver, reduzir a concentração de benefícios fiscais à I&D nas grandes empresas (que já o fazem por estímulo de mercado) em favor das empresas de menor dimensão (onde há uma falha de mercado), mas desde que se eliminasse a derrama estadual e se acentuasse a redução das taxas de IRC para compensar – como sabemos, na proposta de OE 25 há apenas um corte de 1 ponto percentual da taxa normal e reduzida. De um modo mais geral, gostaria de ver mais discutido no espaço público a redução em paralelo de benefícios fiscais excessivos (alargando a base fiscal) e das taxas de imposto, no sentido da simplificação e atratividade do nosso sistema fiscal, discutidos no ponto anterior.

Numa perspetiva empresarial, mais inovação exige ainda uma maior formação dos gestores das PME – cuja qualificação é, em média, inferior à dos trabalhadores – e apoios públicos, incluindo os fiscais.

3. Mobilidade e descentralização

Se anteriormente abordei ao de leve a mobilidade profissional (via reskilling), que é importante para a redução estrutural da taxa de desemprego, outra forma complementar de o fazer é aumentar a mobilidade geográfica das pessoas, o que exige um mercado de arrendamento funcional.

O problema da habitação é complexo e é transversal a muitos países, mas uma coisa é certa, sem um mercado de arrendamento mais alargado e dinâmico em Portugal, torna-se muito complicado que os desempregados se desloquem para os pontos do país (que é relativamente pequeno) onde há mais oportunidades de emprego a cada momento. Precisamos, por isso, de medidas mais efetivas a este nível.

De forma relacionada, a descentralização é crucial para termos uma maior coesão territorial e distribuir melhor as oportunidades de emprego pelo território, o que certamente também ajudaria a baixar a taxa de desemprego de uma forma estrutural. Não encontro no OE 2025 um aprofundamento dos processos de descentralização em curso, como seria desejável, apenas o que resulta de diplomas já aprovados pelo governo anterior. Como já referi noutros espaços de opinião, Portugal tem um dos pesos mais baixos da UE em termos de despesa pública local e regional (quer em percentagem do PIB quer em proporção do total de despesa), o mesmo acontecendo na receita. Sabe-se que a despesa pública é mais eficiente se for descentralizada (à escala territorial que melhor resolve os problemas das populações), pelo que também aqui temos muita margem para melhoria. Defendo que devemos aprofundar os processos de descentralização em curso e, a prazo, num contexto político mais favorável, estudar se há vantagens na criação de regiões administrativas (creio que sim) e gerar os consensos necessários para um referendo.

Quanto à falta de professores abordada no ponto 1, penso que deveria ser estudado um modelo descentralizado de contratação como há na Alemanha, Holanda e Suécia. Um dos fatores que penaliza a atratividade da profissão é termos professores deslocados, o perturba a sua vida profissional e familiar.

Em suma, os vários exemplos e propostas fornecidos neste artigo mostram que temos muito a fazer para tornar o mercado de trabalho e a economia mais dinâmicos e competitivos (e apenas abordei alguns aspetos), o que contribuiria para baixarmos a nossa taxa de desemprego de uma forma estrutural.

  • Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Professor Catedrático e sócio fundador do OBEGEF

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