Como reduzir o IRC sem perda de receita fiscal

Um dos fenómenos mais notáveis da fiscalidade contemporânea é a queda das taxas de tributação dos lucros das empresas.

As taxas nominais caíram, nos últimos 40 anos, para menos de metade nos países da UE (de 48% em 1983 para 22% em 2017). Nos países da OCDE ocorreu o mesmo fenómeno (de 46% para 28%, respetivamente), segundo um estudo recente do Conselho Económico e Social (ESSC) da UE. O FMI detalhou esta quebra das taxas nominais e verificou que teve idêntica dimensão, tanto nos países de elevados rendimentos como nos de baixo rendimento, como ainda nos emergentes.

Muitos estudos têm sido publicados acerca dos efeitos deste fenómeno nas receitas fiscais dos Estados. A conclusão geral, aparentemente surpreendente, é de que não houve quebra na receita fiscal. Pelo contrário, segundo o estudo do ESSC, a receita manteve-se estável quando comparada com o PIB, com um decréscimo ligeiro na média da UE e um crescimento na média da OCDE (de 2,4% para 2,0% do PIB, em 1981 e 2016, respetivamente, na UE e de 2,4% para 2,6% na OCDE.

O FMI constatou, também, que o peso da receita deste imposto no PIB se manteve praticamente igual, tendo inclusivamente subido nas economias mais avançadas e nos países emergentes.

Mertens e Ravn (2012) analisaram os efeitos dos cortes na tributação dos lucros nos EUA entre 1979 e 2002 e constataram que produziram uma ligeira queda nas receitas do imposto apenas no primeiro trimestre, logo seguida de um crescimento acentuado. Os autores concluíram que a redução da taxa do IRC se auto financia.

O ESSC investigou os efeitos nas receitas fiscais de 98 reduções da taxa do IRC em 41 países da UE e da OCDE, ocorridas entre 1981 e 2014. A conclusão foi de que não produziram impacto significativo na receita fiscal e que, pelo contrário, em seis países (França, Dinamarca, Polónia, Hungria, Eslováquia e Estónia), ocorreu um crescimento da receita fiscal gerada pelo imposto. Do mesmo modo, concluiu que essa redução produziu um aumento global da receita fiscal num período de cinco anos.

Na Irlanda, a quebra da taxa, de 50% para 12%, entre 1987 e 2003, produziu um aumento impressivo da receita do imposto, de 1,5% para 5% do PIB, no mesmo período (Torslov e Zucman, 2018).

É possível baixar a taxa do IRC, mesmo de forma substancial, sem quebra da receita do imposto. A quantidade e heterogeneidade de países analisados, bem como a sistematicidade e extensividade temporal dos estudos realizados, comprovam a solidez desta conclusão.

Estes resultados confirmam o velho teorema da Curva de Laffer, segundo a qual o aumento da taxa dos impostos só gera mais receita até um ponto crítico, a partir do qual se verifica o inverso. Clausing (2007), quantificou essa asserção, relativamente à tributação dos lucros das empresas, a partir de dados dos países da OCDE, concluindo existir uma relação inversa entre o aumento dessa taxa e a receita fiscal gerada, representando-a graficamente em forma de um U invertido. Até um determinado nível de taxa, cada aumento significa aumento da receita, diminuindo aceleradamente a partir daí.

O que explica este fenómeno, aparentemente contraditório, de uma queda da taxa não produzir diminuição da receita é, fundamentalmente, a mobilidade internacional dos capitais. A taxa do IRC diminui a rentabilidade do investimento, pelo que os investidores fogem dos países com taxas mais altas, para aqueles que, tendo mais baixas, tornam o seu investimento mais produtivo. Deste modo, o aumento da taxa diminui a base tributável do imposto, e a sua diminuição alarga-a.

A soberania dos Estados na tributação dos lucros das empresas não é absoluta. Pelo contrário, atualmente, os Estados competem, verdadeiramente, entre si, pelas bases tributáveis, porque estas são mais móveis do que nunca. Essa competição é particularmente intensa na zona Euro, onde é livre a circulação de capitais. E, provavelmente, sê-lo-á cada vez mais. Por essa razão, se queremos ter um imposto eficiente, não podemos deixar de olhar para o que os países com quem competimos estão a fazer à nossa volta.

A taxa agregada do IRC em Portugal é de 31,5% e a da media da zona Euro é de 21,5%, pelo que, enquanto não a reduzirmos, pelo menos em 10 pontos percentuais, provavelmente ela estará a expulsar investimento do nosso país para outros, a impedir muitos negócios e investimentos, e a diminuir a base tributável do imposto em Portugal.

Temos vários sintomas de isso estar a acontecer, em especial os seguintes:

  1. O nível espantoso de transferências financeiras para os chamados paraísos fiscais, que ronda os 10 mil milhões de euros anuais (cerca de 5% do PIB);
  2. O facto de cerca de 2/3 das empresas não declararem lucros ao longo dos 30 anos de vigência do IRC;
  3. O elevado volume dos benefícios fiscais, que o Relatório da Despesa Fiscal quantifica em 1,1 mil milhões anuais, cerca de 25% dos 4,4 mil milhões de IRC liquidado, bem como a falta de controlo da sua utilidade e necessidade, para a qual o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais chamou recentemente a atenção. Um IRC a uma taxa competitiva tornaria dispensáveis muitos deles;
  4. O volume de artifícios contabilísticos das empresas para diminuírem os efeitos do imposto na sua competitividade, nomeadamente mediante o empolamento de stocks, o endividamento aos sócios e aos acionistas, que há muito são considerados sintomas de vendas e proveitos não declarados;
  5. O volume de contencioso que o IRC gera entre o Estado e as empresas, que entope os tribunais portugueses, para o qual o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais chama à atenção há muitos anos;

Estes sintomas revelam que algo está muito mal no modelo português de tributação dos lucros das empresas, e de que é necessário mudar de paradigma.

Uma reforma fiscal que baixasse significativamente a taxa do imposto poderia eliminar estes fenómenos e alargar a base tributável do imposto, com isso aumentando a receita fiscal.

Em simultâneo, a criação de um regime que permitisse a regularização destas e de outras situações de evasão fiscal acumuladas no passado, mediante a aplicação da nova taxa do imposto, geraria uma receita fiscal imediata, que poderia ser mais do que suficiente para compensar a eventual quebra do IRC nos primeiros anos da aplicação de uma taxa reduzida.

Um estudo por nós desenvolvido e que brevemente publicaremos em livro, demonstra, também, que uma redução de taxa do IRC induz um aumento imediato da receita do IVA que mais do que compensa qualquer eventual queda do IRC. O IRS e as contribuições para a Segurança Social teriam também um aumento relevante. O nosso estudo aponta, também, para o facto de que, quanto mais elevada for a redução da taxa do IRC maior é o crescimento da receita dos restantes impostos.

Os artigos dos autores exprimem apenas as suas opiniões pessoais.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Como reduzir o IRC sem perda de receita fiscal

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião