Competitividade por decreto é que dava jeito

Subimos quatro posições no ranking mundial da competitividade, o que é bom. Mas é nos obstáculos que persistem que devemos focar-nos e temos, por várias razões, andado distraídos deles.

Já é um lugar comum dizer-se que vivemos tempos verdadeiramente revolucionários, liderados pelas mudanças impostas pela tecnologia e pela globalização. E talvez a principal característica da revolução actual, face às anteriores, seja a extrema velocidade com que tudo se está a passar.

Há dias, na primeira Leadership Summit Lisbon, isso mesmo foi sublinhado por vários dos oradores e por lá foram apresentados alguns dos dados que o sustentam.

Por exemplo, o tempo que cada inovação tecnológica demorou a atingir os 50 milhões de utilizadores. O telefone levou 75 anos, a rádio 38 anos, a televisão 13 anos, a internet 4 anos, o Facebook três anos e meio, o jogo Angry Birds 35 dias e o Pokemon Go chegou aos 50 milhões de utilizadores em apenas 19 dias.

Há 20 ou 30 anos, era absolutamente impensável que hoje pudéssemos realizar as tarefas que executamos em plataformas electrónicas, seja na comunicação, no comércio ou na mobilidade, por exemplo. E, no entanto, elas aí estão, funcionais, acessíveis e disseminadas. Parece que sempre vivemos com elas.

Este contexto exige das organizações uma enorme capacidade de reacção, inovação e adaptação. É disso que depende, muitas vezes, a sua sobrevivência, princípio que Darwin nos ensinou há um século e meio.
E essa capacidade de mudança é exigível a todos: pessoas, sociedades, empresas e Estados. Basta que um destes pilares fique para trás para que se comprometa o esforço de todos os outros.

Flexibilidade e capacidade rápida de adaptação à mudança não são propriamente qualidades a que Portugal seja associado. Sim, somos desenrascados, compensando dessa forma o nosso tradicional défice de planeamento. Mas trata-se aqui de ter processos consistentes e estruturados e não meramente reactivos e casuísticos.
Não é que precisemos que nos recordem isso, mas para o caso de andarmos mais distraídos, o “Global Competitiveness Report”, do Fórum Económico e Mundial, esta semana veio recordar-nos isso – o relatório integral pode ser consultado aqui.

Subimos quatro posições no ranking mundial – da 46ª para a 42ª posição, entre 137 países -, o que é bom. E até comparamos bem com a média europeia nalguns aspectos: as infraestruturas, a saúde, a educação e a eficiência de mercados de bens e produtos.

Mas é nos obstáculos que persistem que devemos focar-nos e temos, por várias razões, andado distraídos deles. Primeiro, porque a pré-falência tornou o programa de emergência absolutamente prioritário. E agora, com a economia a melhorar visivelmente, o desafogo no acesso ao financiamento e a recuperação da credibilidade externa, corremos o risco de pensar que já está tudo bem, bastando “surfar a onda”. Não basta, porque lá fora o mundo não pára e é cada vez mais competitivo.

Os cinco maiores obstáculos identificados por gestores e empresários globais para fazer negócios em Portugal são estes: ineficiência da burocracia do Estado, taxas de impostos, regras laborais restritivas, instabilidade de políticas e acesso ao financiamento.

Com exepção da restrição no financiamento, que é coisa dos últimos anos, todas as outras são velhas questões portuguesas.
Uma é essencialmente uma questão política e ideológica: a legislação laboral. Não deverá conhecer qualquer avanço no actual contexto governativo por razões óbvias.

Outra, o nível das taxas de imposto, tem uma restrição orçamental e também não deverá conhecer mudanças substanciais com este governo. Dificilmente haverá um alívio dos impostos aplicados às empresas.
Portanto, se quisermos responder a este diagnóstico o aumento da competitividade do país terá que vir de outro lado.

Restam-nos dois temas: a burocracia e a instabilidade de políticas. Problema: estes são dois factores culturais, que não se resolvem por decreto.

Nisto da mudança de políticas somos mesmo demasiado flexíveis e nem é necessários haver mudança na cor do governo para que elas ocorram. Basta que, no mesmo governo, mude o titular de uma pasta para que o novo governante queira “deixar a sua marca” e começar do zero num qualquer dossier decisivo.

E, claro, temos também a nossa querida burocracia, referida como principal obstáculo pelos gestores. Os progressos feitos na última década, nomeadamente pelo Simplex, são claramente insuficientes.
Em muitos casos o que se fez foi automatizar a mesma burocracia. As empresas e os cidadãos continuam a ter que executar os mesmos procedimentos, a obter as mesmas licenças e a tratar da mesma papelada, muitas vezes obtendo num departamento do Estado a certidão que outro departamento exige. A diferença é que podem fazê-lo online. É menos mau, de facto. Mas o mundo não pára e aquilo que era inovador há uma década já se tornou, entretanto, obsoleto.

Este tem que ser um processo permanente, mas esbarra, muitas vezes, na incapacidade de mudança das estruturas públicas. Faz-se assim porque sempre assim se fez, sem que se questione a verdadeira utilidade prática de cada acto que o Estado exige aos cidadãos e empresas. E é pena, porque o combate à burocracia é dos poucos almoços grátis que sobram.
Ilustrativo de como não bastam boas intenções e anúncios públicos criativos e mediáticos é este texto do Pedro Sousa Carvalho .

Perante estas coisas nem sabemos se rimos ou choramos.
Há sempre mais uma entidade que tem que ser consultada e um burocrata que tem que carimbar um papel.

Nada de muito novo, portanto, no país que demorou mais de uma década a autorizar que na auto-estrada A2 se pudesse colocar uma placa a indicar a saída correcta para a Autoeuropa, para que os camiões de fornecedores não se perdessem no trajecto para a fábrica. Mas pelo menos as vacas voam.

PS. Outra evidência de como os burocratas têm muita dificuldade em entender o tempo em que vivem e em adaptar-se a ele está na interpretação absurda que a Comissão Nacional de Eleições continua a fazer do chamado “dia de reflexão” nesta era das redes sociais. Chega a ser penoso assistir às tentativas que fazem de travar o vento com as mãos.

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