Concorrência fiscal e investimento, uma oportunidade perdida

Portugal necessita de fazer uma opção determinada pela captação de investimento. A AICEP faz o que pode, mas é difícil fazer mais quando se desenvolve um ambiente hostil ao investimento.

A possibilidade de haver concorrência fiscal entre as economias tem duas grandes vantagens. A primeira é a atracção de investimento criador de riqueza e de emprego, como o caso irlandês demonstra já há décadas. A segunda é a limitação indirecta que introduz ao crescimento do Estado e da despesa pública.

A primeira é a que é habitualmente discutida e contestada, especialmente pelos economistas “colectivistas”. Sem qualquer razão, note-se. Não há resultado mais robusto em termos científicos do que a evidência empírica de que a redução das taxas de imposto (vulgo IRC) conduz à atracção de investimento. Nem de que esse investimento tem um impacto muito positivo no nível de vida das populações.

Apesar da evidência empírica ser esmagadora, continua a haver quem o negue. A taxa de IRC não é a única variável nas decisões das empresas, como qualquer pessoa percebe, mas é muito importante e produz resultados. A contestação a esta evidência não surge por razões científicas (não há estudos empíricos que o confirmem) mas por preconceitos explicados principalmente pela segunda vantagem, que é normalmente ignorada mas é muitíssimo importante.

Havendo um limite à cobrança de impostos por via da concorrência fiscal, há também um limite ao que o Estado pode gastar (pelo menos em países normais geridos por gente responsável). Por isso é que os partidos e os economistas “colectivistas” não gostam da concorrência fiscal, pois vêm-na como uma limitação ao papel do Estado como “motor de desenvolvimento” e, em simultâneo, como uma promoção de uma economia capitalista descentralizada, esse “cancro” das sociedades prósperas.

Em Portugal, a generalidade da população ainda vive na ilusão de que o Estado tem dinheiro próprio e que deve usar esse dinheiro (e não o “nosso”) para resolver todos os problemas.

Nos países desenvolvidos as populações sabem que o Estado não tem dinheiro, apenas transfere os recursos das pessoas que trabalham e das empresas que criam riqueza para os seus cofres. Como dizia a Primeira- Ministra britânica Margaret Thatcher, “o Estado não tem outra fonte de rendimento senão o que as pessoas ganham para si próprias”. Por isso, a população exige “boas contas” em troca dos salários que paga aos seus empregados que trabalham no Estado, incluindo aos governantes.

Em Portugal, a generalidade da população ainda vive na ilusão de que o Estado tem dinheiro próprio e que deve usar esse dinheiro (e não o “nosso”) para resolver todos os problemas. O Estado manda, gasta e resolve, e nós limitamo-nos a ver e a viver na ilusão do que não é o nosso dinheiro. A TAP, o BPN e o Novobanco são apenas três dos muitos exemplos.

Ora políticas de concorrência fiscal iriam colocar em causa este predomínio do Estado sobre a sociedade, pois iriam obrigar os responsáveis políticos a assumir responsabilidades pelo que gastam e a avaliar de uma forma séria as suas decisões. Mas os críticos da concorrência fiscal não gostam de responsabilidades individuais, preferem diluir tudo no meio do “bolo” da responsabilidade colectiva, que é para no final ninguém ser responsável por nada. Quando dá jeito usam o argumento moralista dos “off-shores”, misturando propositadamente duas questões que são diferentes.

A sociedade portuguesa é particularmente atreita a esta argumentação porque uma parte significativa da sua população ainda se rege por preconceitos “marxistas” contra a economia de mercado. Enquanto não abandonarmos esta praga do pensamento vamos continuar a viver de ilusões do “dinheirinho” que vem de algum lado. No passado veio da India, veio de África, veio do Brasil. Agora “conquistámos” a Europa e Bruxelas está a pagar-nos o devido “tributo”.

O exemplo da Irlanda

A Irlanda é um bom exemplo para Portugal, apesar de mal compreendido. Nas últimas semanas ouvi e li vários comentários sobre a eterna questão do exemplo que a Irlanda é e que Portugal não sabe seguir. Este é um tema que regressa ciclicamente. Mas os comentários baseiam-se normalmente no conhecimento parcial sobre o que se passou naquele país.

A história do desenvolvimento da Irlanda assenta, acima de tudo, em duas ideias muito simples e importantes: um consenso entre as forças vivas da sociedade e uma recusa de “envenenamentos marxistas”. O economista irlandês Frank Barry conta essa história em vários artigos que publicou.

O país formou um consenso nacional que se consolidou progressivamente desde os anos 1950, quando o nível de desenvolvimento era semelhante ao de Portugal, e que incluiu Governo, oposição, empresas e até sindicatos. A sociedade abandonou políticas proteccionistas de fomento nacional e concordou em orientar-se para o exterior, apostando na competitividade fiscal e em instituições públicas criadas para atrair investimento estrangeiro e fomentar exportações.

A alteração estrutural daí resultante levou a uma maior preocupação com a educação e formação nos anos 1960, alargando o nível de escolaridade de toda a população e aumentando em 6 vezes a frequência de ensino superior técnico (também aumentou o universitário, mas a aposta não incidiu só nos “doutores”).

Um novo reforço da competitividade fiscal a partir dos anos 1980 e acordos nacionais de moderação salarial e de aposta nas qualificações coincidiram com a segunda globalização, potenciando o aproveitamento de vantagens como a língua inglesa, o acesso sem barreiras ao Mercado Único europeu, e o papel da comunidade irlandesa residente nos EUA que apoiou a captação de investimento norte-americano na indústria e em serviços de alta tecnologia.

O efeito positivo desta aposta resultou não só do investimento multinacional e de melhor capital humano mas também de melhores infraestruturas (físicas e institucionais) que, em conjunto, possibilitaram um maior nível de eficiência e de produtividade agregadas que criou as bases necessárias para a continuação de maior crescimento económico.

Esta aposta também teve alguns custos, designadamente ao nível da Balança de Pagamentos por via do elevado valor dos rendimentos que são anualmente repatriados para o exterior. Mas os rendimentos repatriados são apenas uma parte da riqueza criada. O resto fica na Irlanda para os irlandeses.

A Irlanda registou em 2019 um Produto Nacional Bruto per capita que era mais do dobro do registado em 1990 e um PIB per capita que era quase o dobro da média da União Europeia (UE27).

A aposta da Irlanda na orientação para o exterior, partilhada por sucessivos líderes políticos, permitiu torná-la uma nação exportadora, com empresas altamente competitivas e que empregam mão-de-obra muito qualificada, sendo hoje um país com um elevado nível de vida, muito superior ao português ou ao da quase totalidade dos países europeus. A Irlanda registou em 2019 um Produto Nacional Bruto per capita que era mais do dobro do registado em 1990 e um PIB per capita que era quase o dobro da média da União Europeia (UE27).

Um factor determinante para este resultado foi o consenso no país sobre as políticas capitalistas. Na Irlanda, houve uma estratégia política com base económica que traduz o abandono precoce dos preconceitos “marxistas” (ainda antes do Maio de 1968 em França). Em Portugal, estes preconceitos continuam a provocar pobreza e atraso no desenvolvimento, como se observa diariamente no destaque que parte da classe política, sindicatos e comunicação social dão a estas ideias (mesmo sem usarem o termo “marxista”).

Os custos para Portugal

Os custos desta oportunidade perdida pela ausência de uma aposta na concorrência fiscal são enormes para a população portuguesa. Portugal entrou nas então Comunidades Europeias há 34 anos. Há 34 anos que tem oportunidade de mudar e de captar investimento em grande escala e há 34 anos que desperdiça essa oportunidade.

Na verdade, não é bem há 34 anos. Nos primeiros anos, durante os governos de Cavaco Silva, foi aproveitado o início do Mercado Único para captar investimento. A instalação da Autoeuropa é emblemática dessa realidade.

Na altura, a taxa de IRC não era considerada uma variável essencial para atrair investimento pois Portugal tinha custos de produção muito mais baixos do que os países “ricos”, tão mais baixos que facilmente compensavam os custos necessários para transportar os produtos para as populações dos países do centro da Europa com elevado poder de compra.

Mas após 1995 a prioridade deixou de ser a criação de riqueza e passou a ser o seu potencial usufruto. A linguagem e o pensamento “marxista” continuaram muito presentes apesar de Portugal ter enveredado por uma economia de mercado após a revisão constitucional de 1987.

A abertura do mercado da UE ao exterior e o alargamento a Leste eliminou totalmente a vantagem dos menores custos de produção em Portugal. Os investidores alemães, franceses, norte-americanos, britânicos e outros deslocaram o investimento destinado a fornecer os países europeus ricos para essas regiões, desinteressando-se do nosso país.

A retórica quase-“marxista” que dominou os governos portugueses nos últimos 25 anos, com a ênfase nos “direitos” e na distribuição de privilégios por grupos de interesse, não é favorável a qualquer estratégia para a captação de investimento.

Esta tendência foi especialmente relevante no “desvio” de investimento para os países do Leste da Europa. Os seus trabalhadores não sabiam mexer num computador pelo atraso dos países comunistas mas tinham as bases matemáticas necessárias para se adaptar a novas formas de produção (nesses países o ensino da “ideologia do género” não se sobrepunha à Matemática).

A grande preocupação dos nossos governos nos últimos 25 anos foi criar a ilusão aos portugueses que tinham um nível de vida igual aos dos habitantes dos países do centro da Europa. A ausência de limites ao crescimento da despesa pública, e especialmente dos limites indirectos proporcionados pela concorrência fiscal, levou a que essa ilusão conduzisse o Estado a uma situação de pré-bancarrota em 2011.

Desde então captamos investimento das empresas que já cá estão ou para “call-centres” mais ou menos especializados. Tudo para respeitar a retórica “marxista” de que a automatização do capitalismo vai destruir o emprego (a parte da revolução comunista está “adormecida”). Uma retórica velha de 170 anos, agora actualizada com os chavões da robotização, da inteligência artificial e de outras malfeitorias que o capitalismo cria.

Portugal necessita de fazer uma opção determinada pela captação de investimento. A AICEP faz o que pode, mas é difícil fazer mais quando se desenvolve um ambiente hostil ao investimento, com constantes inversões e alterações na política fiscal, excessiva legislação e regulamentação, e a ausência de uma estratégia de âmbito nacional claramente definida e executada.

A retórica quase-“marxista” que dominou os governos portugueses nos últimos 25 anos, com a ênfase nos “direitos” e na distribuição de privilégios por grupos de interesse, não é favorável a qualquer estratégia para a captação de investimento. A dependência recente do governo de dois partidos “marxistas” tornou ainda mais difícil a implementação de políticas acertadas.

O caminho que Portugal está a seguir é o mesmo que a Califórnia já seguiu. Uma visão socializante com impostos crescentes que está a condicionar a economia e o nível de vida das populações. Portugal não tem o elevado número de “homeless” de São Francisco, felizmente, mas a saída da Califórnia de empresas como a HP, a Oracle, ou de empreendedores como Elon Musk é um sinal que não deve ser ignorado no nosso país. O mesmo está a passar-se em outros estados na costa Leste como Nova York, em que os investidores se estão a mudar para a Florida.

O que a ciência económica demonstra e o que faz sentido (é eficiente no jargão académico) é que os países mais pobres usem a taxa de IRC para captar investimento e para limitar o crescimento do Estado. Para Portugal, um país pobre dentro da União Europeia, a boa política pública é baixar a taxa de IRC. Nos países ricos, onde há economias de aglomeração, a taxa de imposto pode ser mais elevada sem provocar qualquer ineficiência.

Mas hoje não é a isso que assistimos. O governo português defende a intenção de décadas da Comissão Europeia em harmonizar as taxas de imposto. Isto é não só um atentado contra a soberania dos portugueses. É também a imposição de uma limitação ao desenvolvimento de Portugal e uma “abertura” a mais políticas irresponsáveis de crescimento do Estado.

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