Contas equilibradas não são sinónimo de lucros gordos

Este é o momento para se prestar contas e dizer-se o que se andou a fazer, não bastando elaborar de um documento para “cumprir calendário”. Mas foi o que voltou a acontecer.

Certamente por falta de tempo, o Relatório de Atividades 2018 da Ordem de Advogados apresentado pelo Bastonário da OA não foi elaborado com o devido cuidado que a relevância do documento justifica. Este é o momento para se prestar contas e dizer-se o que se andou a fazer, não bastando elaborar de um documento para “cumprir calendário”. Mas foi o que voltou a acontecer.

O Relatório apresentado a votação é um “copy paste” do ano anterior, verificando-se a repetição integral de dezenas de parágrafos e frases feitas. Há vários exemplos flagrantes que fundamentam esta minha afirmação, bastando a comparação dos documentos deste ano e do ano anterior para se perceber a que me reporto. Daí que realce uma outra questão, muito mais preocupante, e que se prende com as contas (consolidadas) de 2018.

Há inúmeras observações que se poderiam fazer às contas que foram apresentadas a votação, mas salientam-se três aspetos que parecem fundamentais e merecem ser comentados:

  • O lucro

É sabido que muitos advogados têm imensas dificuldades para pagar as suas quotas, razão pela qual se percebe que o primeiro, e maior, destaque na análise das contas seja o resultado líquido registado neste período: 1 586 136,99 euros.

Se existe a possibilidade de se gerar excedentes, então que se reduzam as quotas ou estes sejam aplicados para resolver as dificuldades que muitos advogados atravessam no seu dia-a-dia. A Ordem não é uma empresa que visa a obtenção do lucro mas, pelos vistos, é assim que tem sido gerida. Não posso estar mais em desacordo: contas equilibradas não são sinónimo de lucros gordos.

  • A execução orçamental

Em relação a este ponto, consta o seguinte no Relatório: “… de facto, a execução orçamental apresentou um bom desempenho”, significando que o previsto no orçamento para 2018 era um lucro bastante inferior e que a obtenção deste lucro de mais de 1,5 milhões de euros só foi possível porque a Ordem foi bem gerida.

Em abono da Direção, não me parece que as contas da Ordem tenham sido mal geridas em 2018. Contudo, há que clarificar o seguinte: quando se aprovou o Orçamento para 2018, os valores que foram estimados gastar em cada rubrica estavam empolados.

Aliás, isto já foi feito no ano anterior e também quando, no final do ano passado, se aprovou o Orçamento para 2019. Com os orçamentos aprovados por valores mais elevados que aquilo que seria realista gastar, a Ordem pode gastar à-vontade e, mesmo não atingindo os valores estimados, dirá sempre que efetuou uma boa gestão. Foi isto que se passou com as contas de 2018 e o que certamente se verificará em 2019. E a “culpa” não é apenas da Ordem, mas de todos os Órgãos que prestam contas.

  • As despesas correntes

Com melhor ou pior desempenho orçamental, o facto é que a Ordem gasta mais a cada ano que passa. As despesas correntes em 2017 foram 11.866.233,36 euros e em 2018 foram 12.576.599,73 euros. Ou seja, a Ordem gasta mais de 1,5 milhões de euros por mês, mais de 50.000 euros por cada dia útil!

Por respeito, pelo menos, a todos os advogados acima referidos, algumas medidas urgentes deverão ser tomadas no sentido de emagrecer rapidamente esta máquina, que só em 2018 devorou o montante de 11 694 503,93 euros, correspondente ao valor pagos pelos advogados em quotas, e muitos desses euros foram em despesas que não têm qualquer interesse para a classe.

Esta situação não é inteiramente da responsabilidade do Bastonário, mas, sim, de muitos Conselhos Regionais, Conselhos de Deontologia e até de algumas Delegações em que se verificam gastos desproporcionados. Faça-se, por exemplo, o exercício de comparar as despesas correntes do Conselho Regional de Lisboa e do Conselho Regional do Porto, os dois CRs com maiores orçamentos, e vejam-se as diferenças:

  • O CRL tem 14.854 advogados inscritos e no ano 2018 as despesas correntes do Conselho de Deontologia foram 761.131 euros e as despesas correntes totais foram 3.350.410 euros;
  • O CRP tem 10.507 advogados inscritos e no ano 2018 as despesas correntes do Conselho de Deontologia foram 339.329 euros euros e as despesas corrente totais foram 2.135.769 euros.

Uma conclusão imediata é a de que o Conselho de Deontologia de Lisboa gasta mais do dobro do CD do Porto e o número de advogados inscritos em Lisboa não é mais do dobro que no Porto. Fica a questão: quem anda a esbanjar e quem anda a poupar?

Uma segunda conclusão, quase imediata, é que apesar de no CRP os advogados estarem mais dispersos que no CRL (no CRP há 79 delegações e em Lisboa apenas 22), o CRP gastou menos dinheiro por advogado (*) (203 euros) que o CRL (226 euros).

Novamente: quem anda a esbanjar e quem anda a poupar? Estas são algumas das questões que ficam, para já, sem resposta, mas a principal conclusão a retirar de uma análise mais atenta a este documento é que, na Ordem, contas equilibradas não são (nem podem ser!) sinónimo de lucros gordos.

(*) Quociente entre despesas correntes totais e número de advogados Inscritos.

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