Contratos a termo: uma reforma mal desenhada

Os contratos a termo são positivos como alternativa ao trabalho independente, ao estarem sujeitos à legislação laboral e à contratação coletiva bem como beneficiarem de mais proteção social.

Depois de mais de dois anos em funções, o governo começa finalmente a apresentar as medidas que tenciona introduzir para combater a segmentação do mercado de trabalho.

Estas medidas correspondem essencialmente a uma forte restrição aos contratos a termo (CT). O governo pretende reduzir a sua duração máxima em um terço, limitar a duração das renovações, reduzir o papel da contratação coletiva, bem como restringir a utilização destes contratos para jovens e desempregados e no lançamento de novos estabelecimentos. Além disso, de forma mais inovadora, o governo tenciona ainda introduzir uma taxa de até 2% da massa salarial dos CT às empresas que utilizam estes contratos em proporção superior à media dos seus setores.

Globalmente, são medidas que, embora procurando ir ao encontro de preocupações importantes, parecem-me mal desenhadas. Dado o papel muito relevante dos CT na criação de emprego, estas medidas encerram um potencial significativo de fragilização do mercado de trabalho no futuro.

Desde já, estas medidas ignoram as tendências atuais dos mercados de trabalho, com as várias mudanças provocadas pela crescimento da inteligência artificial, da automação e da ‘economia de plataforma’. Neste novo contexto, a margem da segmentação laboral está cada vez mais entre o trabalho dependente e o trabalho independente e não entre os contratos permanentes e os contratos a termo. Estes últimos são, na verdade, positivos como alternativa ao trabalho independente, ao estarem sujeitos à legislação laboral e à contratação coletiva bem como beneficiarem de mais proteção social do que o trabalho independente.

As propostas parecem também ignorar que uma empresa ter muitos trabalhadores com CTs é algo que não é de todo necessariamente negativo. Muitas empresas enfrentam variações do seu nível de atividade ao longo de cada ano e faz todo o sentido – para elas e para o país – que tenham mais CTs nos períodos de maior atividade. O problema estará sim quando o aumento de atividade se consolida mas estes CTs não são convertidos, levando a perdas a vários níveis, como a produtividade da empresa, a estabilidade profissional e ate familiar dos trabalhadores, e em termos do orçamento da segurança social.

Restringir o papel da contratação coletiva para moldar os contratos a termos de acordo com as necessidades de cada setor é também uma contradição significativa por parte de um governo que diz querer apostar nesta forma de diálogo social. Em vez de abrir algum espaço na legislação laboral para empregadores e sindicatos negociarem livremente as melhores regras para as empresas e trabalhadores que representam, o governo faz precisamente o contrario, aparentemente não reconhecendo aos parceiros sociais competências para tomar boas decisões nesta matéria.

Talvez mais importante, estas reformas não tem em consideração que a percentagem elevada de CTs em Portugal resulta de vários fatores, como a incerteza que as empresas enfrentam ou a especialização setorial da economia, mas também e sobretudo da perceção por parte das empresas quanto aos riscos legais inerentes ao contrato sem termo. Ao contrário da reforma laboral de 2009, que procurou, embora sem sucesso, simplificar o processo de despedimento individual, as medidas de 2018 não fazem qualquer referência a esta questão – talvez por se tratar de um governo que escolheu depender, precariamente, da extrema esquerda.

Por último, a reforma ignora várias outras dimensões políticas, mas da responsabilidade do Estado — tanto a juzante como a montante da celebração do próprio contrato de trabalho –, que podem contribuir para a redução da segmentação, sem no entanto restringir opções para as empresas ou aumentar os seus custos nem afetar as oportunidades de emprego, nomeadamente para os mais jovens: centros de emprego mais ativos na atração de ofertas de emprego; tribunais do trabalho mais rápidos na resolução de processos laborais; escolas e centros de formação mais produtivos, aumentando o capital humano tanto dos trabalhadores como dos empresários; enfim, um enquadramento macro e micro-económico mais estável, criando maior previsibilidade às empresas, facilitando políticas de recursos humanos que privilegiem a contratação sem termo.

Uma economia a crescer conseguirá concerteza lidar com muitas reformas mal desenhadas e não será esta que vai interromper a trajetória de recuperação que já dura há cinco anos. (Note-se, no entanto, a importante exceção do desemprego jovem, que já deixou de descer há vários meses.) Infelizmente já tenho mais dúvidas sobre a neutralidade desta reforma na resiliência do mercado de trabalho português numa próxima recessão.

Professor em Queen Mary College, Universidade de Londres; Secretário de Estado do Emprego (2011-2013)

  • Colunista convidado. Professor de Economia no Queen Mary College, Universidade de Londres

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